sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
A ler
Hoje, Pierre Assouline e a descoberta de correspondência de Descartes: Du nouveau sur Descartes.
Hoje, Pierre Assouline e a descoberta de correspondência de Descartes: Du nouveau sur Descartes.
Ouvindo:
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Monumenta 2010
Quem, até ao passado dia 21, teve oportunidade de ver a instalação de Christian Boltanski no Grand Palais, surpreendeu-se com a dupla leitura que Personnes proporciona. É evidente a intencionalidade de Boltanski ao criar essa duplicidade de atmosferas e de leituras baseada no próprio desenrolar do tempo, neste caso, na passagem do dia para a noite ou na existência de luz natural e da ausência dela.
Personnes é uma instalação que se deve ver ao fim da tarde e prolongar a visita para a noite.
Quem, até ao passado dia 21, teve oportunidade de ver a instalação de Christian Boltanski no Grand Palais, surpreendeu-se com a dupla leitura que Personnes proporciona. É evidente a intencionalidade de Boltanski ao criar essa duplicidade de atmosferas e de leituras baseada no próprio desenrolar do tempo, neste caso, na passagem do dia para a noite ou na existência de luz natural e da ausência dela.
Personnes é uma instalação que se deve ver ao fim da tarde e prolongar a visita para a noite.
Quando se entra, ainda com luz natural, a atmosfera é excessivamente crua. Auschwitz-Birkenau está ali presente, tem-se a percepção esmagadora de se entrar numa fábrica de morte. A entrada é travada por uma imensa parede de caixas metálicas, cada uma com um número, caixas que aliás Boltanski já usou noutras intervenções. No imenso espaço do Grand Palais, as roupas espalhadas pelo chão em talhões cuja luz artificial branca é ofuscada pela luz natural que entra pelo tecto envidraçado remetem para fragmentos de corpos esvaziados, as cores dessas roupas e o seu evidente uso são demasiado escatológicas. Boltanski faz aqui um apelo agressivo a uma memória colectiva ainda muito próxima e já muito datada historicamente.
Ainda com esta luz natural, o destino e o anonimato são evidentemente colectivos, o espectador é forçado a diluír a sua identidade nesta fábrica da morte, percepção ainda mais acentuada pelo som que, se por um lado se parece com o batimento de centenas de corações, por outro, é imediatamente sentido como o insuportável ruído proveniente de uma fábrica em funcionamento. Fábrica da morte, fábrica do destino inevitável, de milhares de corpos estendidos no chão, abandonados à sua sorte, perdida que foi qualquer réstia de identidade.
Com o decorrer do tempo, a luz natural vai desaparecendo, o dia acaba e o imenso tecto do Grand Palais escurece. Faz frio, muito frio dentro do Grand Palais. Boltanski optou por prescindir do aquecimento daquele espaço, como aliás explica numa das entrevistas. Está-se agora num espaço escuro em que aquelas dezenas de talhões delimitados por postes de aço passam a ser iluminados apenas por luzes florescentes brancas. Num dos topos do Grand Palais, a imensa pilha de roupa continua, a uma cadência constante, a ser "agarrada" pelas pinças mecânicas de uma grua que, uma vez junto ao tecto, larga aqueles "corpos" que agarrou.
Curiosamente, com a obscuridade, a instalação toma um carácter intimista. Aquilo que, com a luz natural, era da ordem do insuportável, da mais profunda crueza, ganha outra qualidade. A atmosfera torna-se quase redentora, simbólica, quase religiosa.
O destino, ainda inevitável, não nos surge já como assustador mas antes como algo a cumprir, alguma coisa que faz sentido individualmente e cujo cumprimento remete para uma necessidade no constante devir das gerações. A morte, ainda presente, surge-nos agora quase como necessária, justificando a memória individual e a assumpção de uma identidade.
Ainda com esta luz natural, o destino e o anonimato são evidentemente colectivos, o espectador é forçado a diluír a sua identidade nesta fábrica da morte, percepção ainda mais acentuada pelo som que, se por um lado se parece com o batimento de centenas de corações, por outro, é imediatamente sentido como o insuportável ruído proveniente de uma fábrica em funcionamento. Fábrica da morte, fábrica do destino inevitável, de milhares de corpos estendidos no chão, abandonados à sua sorte, perdida que foi qualquer réstia de identidade.
Com o decorrer do tempo, a luz natural vai desaparecendo, o dia acaba e o imenso tecto do Grand Palais escurece. Faz frio, muito frio dentro do Grand Palais. Boltanski optou por prescindir do aquecimento daquele espaço, como aliás explica numa das entrevistas. Está-se agora num espaço escuro em que aquelas dezenas de talhões delimitados por postes de aço passam a ser iluminados apenas por luzes florescentes brancas. Num dos topos do Grand Palais, a imensa pilha de roupa continua, a uma cadência constante, a ser "agarrada" pelas pinças mecânicas de uma grua que, uma vez junto ao tecto, larga aqueles "corpos" que agarrou.
Curiosamente, com a obscuridade, a instalação toma um carácter intimista. Aquilo que, com a luz natural, era da ordem do insuportável, da mais profunda crueza, ganha outra qualidade. A atmosfera torna-se quase redentora, simbólica, quase religiosa.
O destino, ainda inevitável, não nos surge já como assustador mas antes como algo a cumprir, alguma coisa que faz sentido individualmente e cujo cumprimento remete para uma necessidade no constante devir das gerações. A morte, ainda presente, surge-nos agora quase como necessária, justificando a memória individual e a assumpção de uma identidade.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Cosa Nostra
Os consiglieri: aqui.
Espera-se que finalmente os portugueses entendam quem é que usa o anel no dedo mindinho.
Espera-se que finalmente os portugueses entendam quem é que usa o anel no dedo mindinho.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Monumenta 2010: Christian Boltanski — Personnes
Essais mur de boîtes - 5 nov 09 - Bloc Notes Monumenta
Essais mur de boîtes - 5 nov 09 - Bloc Notes Monumenta
A ler
Mais pesadelo: aqui.
Mais pesadelo: aqui.
A ler
No Insurgente: aqui.
No Insurgente: aqui.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
A ler
Pesadelo: aqui.
Pesadelo: aqui.
Páginas notáveis (21)
O ameaçado
É o amor. Terei de me esconder ou de fugir.
Crescem as paredes da sua prisão, como num sonho atroz. A bela
O cântaro já se quebra na fonte, o homem já se levanta à voz das
[aves, os que olham pelas janelas já se escureceram, mas a
[sombra não trouxe a paz.
É, sei já bem, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir a tua voz,
[a espera e a memória, o horror de viver no sucessivo.
É o amor com as suas mitologias, com as suas pequenas magias
[inúteis.
Há uma esquina por onde não me atrevo a passar.
Já me cercam os exércitos, as hordas.
(Este quarto é irreal; ela não o viu.)
O nome de uma mulher denuncia-me.
Dói-me uma mulher em todo o corpo.
Jorge Luis Borges in O Ouro dos Tigres, 1972.
O ameaçado
É o amor. Terei de me esconder ou de fugir.
Crescem as paredes da sua prisão, como num sonho atroz. A bela
[máscara mudou, mas como sempre é a única. De que me
[servirão os meus talismãs: o exercício das letras, a vaga
[erudição, a aprendizagem das palavras que o agreste Norte
[usou para cantar os seus mares e as suas espadas, a serena
[amizade, os corredores da Biblioteca, as coisas vulgares, os
[hábitos, o jovem amor da minha mãe, a sombra militar dos
[meus mortos, a noite intemporal, o sabor do sonho?
Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.[servirão os meus talismãs: o exercício das letras, a vaga
[erudição, a aprendizagem das palavras que o agreste Norte
[usou para cantar os seus mares e as suas espadas, a serena
[amizade, os corredores da Biblioteca, as coisas vulgares, os
[hábitos, o jovem amor da minha mãe, a sombra militar dos
[meus mortos, a noite intemporal, o sabor do sonho?
O cântaro já se quebra na fonte, o homem já se levanta à voz das
[aves, os que olham pelas janelas já se escureceram, mas a
[sombra não trouxe a paz.
É, sei já bem, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir a tua voz,
[a espera e a memória, o horror de viver no sucessivo.
É o amor com as suas mitologias, com as suas pequenas magias
[inúteis.
Há uma esquina por onde não me atrevo a passar.
Já me cercam os exércitos, as hordas.
(Este quarto é irreal; ela não o viu.)
O nome de uma mulher denuncia-me.
Dói-me uma mulher em todo o corpo.
Jorge Luis Borges in O Ouro dos Tigres, 1972.