segunda-feira, 19 de abril de 2004
Ainda a propósito do "sonho da Europa" de que Kundera fala, Richard Rorty em Contingência, Ironia e Solidariedade (Cap. I, Da Contingência da Linguagem), sintetiza magníficamente:
Hà cerca de duzentos anos, a ideia de que a verdade era feita e não descoberta começou a dominar a imaginação europeia. A Revolução Francesa mostrara que todo o vocabulário das relações sociais e todo o espectro das instituições sociais podiam ser substituídos quase de um dia para o outro. Esse precedente fez da política utópica mais uma regra do que uma excepção entre os intelectuais. A política utópica põe de parte questões, quer sobre a vontade de Deus quer sobre a natureza do Homem, e sonha criar uma forma de sociedade até agora desconhecida.
Mais ou menos pela mesma altura, os poetas românticos mostravam o que acontece quando a arte é pensada já não como imitação mas sim como autocriação do artista. Os poetas reclamavam para a arte o mesmo lugar na cultura que o tradicionalmente ocupado pela religião e pela filosofia, o mesmo lugar que o Iluminismo tinha reclamado para a ciência. O precedente estabelecido pelos românticos deu inicialmente plausibilidade à sua pretensão. O papel efectivo dos romances, dos poemas, dos quadros, das estátuas e dos edifícios nos movimentos sociais dos últimos cento e cinquenta anos conferiram-lhe ainda maior plausibilidade.
De então para cá essas duas tendências reuniram as suas forças e alcançaram uma hegemonia cultural. Para a maior parte dos intelectuais contemporâneos, as questões dos fins, por oposição aos meios - questões acerca do modo de dar sentido à vida de cada um ou à da comunidade de cada um - são questões para a arte ou para a política, ou para ambas, e não para a religião, para a filosofia ou para a ciência.
E, ainda, mais adiante:
Temos de fazer uma distinção entre a tese de que o mundo está diante de nós e a tese de que a verdade está diante de nós. Dizer que o mundo está diante de nós, que não é uma criação nossa, quer dizer, tal como o senso comum, que a maior parte das coisas no espaço e no tempo são efeitos de causas que não incluem os estados mentais do ser humano. Dizer que a verdade não está diante de nós é simplesmente dizer que onde não há frases não há verdade, que as frases são elementos das linguagens humanas e que as linguagens humanas são criações do homem.
A verdade não pode estar diante de nós - não pode existir independentemente da mente humana - porque as frases não podem existir dessa maneira ou estar diante de nós dessa maneira. O mundo está diante de nós, mas as descrições do mundo não. Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si próprio - sem auxílio das actividades descritivas dos seres humanos - não pode.
Hà cerca de duzentos anos, a ideia de que a verdade era feita e não descoberta começou a dominar a imaginação europeia. A Revolução Francesa mostrara que todo o vocabulário das relações sociais e todo o espectro das instituições sociais podiam ser substituídos quase de um dia para o outro. Esse precedente fez da política utópica mais uma regra do que uma excepção entre os intelectuais. A política utópica põe de parte questões, quer sobre a vontade de Deus quer sobre a natureza do Homem, e sonha criar uma forma de sociedade até agora desconhecida.
Mais ou menos pela mesma altura, os poetas românticos mostravam o que acontece quando a arte é pensada já não como imitação mas sim como autocriação do artista. Os poetas reclamavam para a arte o mesmo lugar na cultura que o tradicionalmente ocupado pela religião e pela filosofia, o mesmo lugar que o Iluminismo tinha reclamado para a ciência. O precedente estabelecido pelos românticos deu inicialmente plausibilidade à sua pretensão. O papel efectivo dos romances, dos poemas, dos quadros, das estátuas e dos edifícios nos movimentos sociais dos últimos cento e cinquenta anos conferiram-lhe ainda maior plausibilidade.
De então para cá essas duas tendências reuniram as suas forças e alcançaram uma hegemonia cultural. Para a maior parte dos intelectuais contemporâneos, as questões dos fins, por oposição aos meios - questões acerca do modo de dar sentido à vida de cada um ou à da comunidade de cada um - são questões para a arte ou para a política, ou para ambas, e não para a religião, para a filosofia ou para a ciência.
E, ainda, mais adiante:
Temos de fazer uma distinção entre a tese de que o mundo está diante de nós e a tese de que a verdade está diante de nós. Dizer que o mundo está diante de nós, que não é uma criação nossa, quer dizer, tal como o senso comum, que a maior parte das coisas no espaço e no tempo são efeitos de causas que não incluem os estados mentais do ser humano. Dizer que a verdade não está diante de nós é simplesmente dizer que onde não há frases não há verdade, que as frases são elementos das linguagens humanas e que as linguagens humanas são criações do homem.
A verdade não pode estar diante de nós - não pode existir independentemente da mente humana - porque as frases não podem existir dessa maneira ou estar diante de nós dessa maneira. O mundo está diante de nós, mas as descrições do mundo não. Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si próprio - sem auxílio das actividades descritivas dos seres humanos - não pode.