sábado, 3 de abril de 2004
Novamente os espaços e as marcas
Gostava que houvesse lugares que fossem estáveis, imóveis, intangíveis, intocados e quase intocáveis, imutáveis, enraízados; lugares que pudessem ser pontos de referência, de partida, de origem:
O meu local de nascimento, o berço da família, a casa onde poderia ter nascido, a árvore que poderia ter visto crescer, ( que o meu pai pudesse ter plantado no dia em que nasci), o sotão da minha juventude pleno de memórias intactas...
Tais lugares não existem, e é porque não existem que o espaço se torna numa questão, deixa de ser em si evidente, cessa de ser incorporado, cessa de ser apropriado. O espaço é uma dúvida: tenho constantemente de o marcar, de o designar. Nunca é meu, nunca me é dado, tenho de o conquistar.
Os meus espaços são frágeis: O tempo vai consumí-los, destruí-los. Nada jamais se assemelhará ao que era, as minhas lembranças irão traír-me, o esquecimento irá infiltrar a minha memória, olharei para algumas velhas e amarelecidas fotografias de cantos cortados e não as irei reconhecer. As palavras “ lista telefónica disponível no interior” ou “aperitivos servidos a qualquer hora” não estarão já dispostas num semicírculo de letras em branco porcelana sobre a janela do pequeno café na rua Coquillière.
O espaço derrete como areia que se escoa entre os dedos. O tempo leva tudo e deixa-me apenas fragmentos sem forma:
Escrever: tentar meticulosamente reter algo, causar que algo sobreviva; arrancar alguns pedaços precisos do vácuo à medida que ele cresce , deixar algures um sulco, um traço, uma marca ou alguns poucos sinais.
Georges Perec
Um abraço ao meu querido amigo Luís.
Gostava que houvesse lugares que fossem estáveis, imóveis, intangíveis, intocados e quase intocáveis, imutáveis, enraízados; lugares que pudessem ser pontos de referência, de partida, de origem:
O meu local de nascimento, o berço da família, a casa onde poderia ter nascido, a árvore que poderia ter visto crescer, ( que o meu pai pudesse ter plantado no dia em que nasci), o sotão da minha juventude pleno de memórias intactas...
Tais lugares não existem, e é porque não existem que o espaço se torna numa questão, deixa de ser em si evidente, cessa de ser incorporado, cessa de ser apropriado. O espaço é uma dúvida: tenho constantemente de o marcar, de o designar. Nunca é meu, nunca me é dado, tenho de o conquistar.
Os meus espaços são frágeis: O tempo vai consumí-los, destruí-los. Nada jamais se assemelhará ao que era, as minhas lembranças irão traír-me, o esquecimento irá infiltrar a minha memória, olharei para algumas velhas e amarelecidas fotografias de cantos cortados e não as irei reconhecer. As palavras “ lista telefónica disponível no interior” ou “aperitivos servidos a qualquer hora” não estarão já dispostas num semicírculo de letras em branco porcelana sobre a janela do pequeno café na rua Coquillière.
O espaço derrete como areia que se escoa entre os dedos. O tempo leva tudo e deixa-me apenas fragmentos sem forma:
Escrever: tentar meticulosamente reter algo, causar que algo sobreviva; arrancar alguns pedaços precisos do vácuo à medida que ele cresce , deixar algures um sulco, um traço, uma marca ou alguns poucos sinais.
Georges Perec
Um abraço ao meu querido amigo Luís.