segunda-feira, 30 de agosto de 2004
Há 1925 anos, Pompeia
Pompeia morre entre a tarde do dia 24 e a manhã do dia 25 de Agosto, de 79 d. C. Imprevistamente, no dia 24, o Vesúvio lança uma enorme quantidade de lapili, lava e gás venenoso que destruiriam para sempre a cidade, juntamente com Ercolano, Satbia e Oplontis.
Ainda que pareça estranho, o acontecimento colhe desprevenidos os habitantes de Pompeia. Eles sabiam que viviam numa zona sísmica: 17 anos antes, em 62 d. C., um forte terramoto tinha provocado o desabamento e danificado muitos edifícios que estavam ainda ou fechados ou a ser restaurados. Nos anos subsequentes outros tremores de terra teriam provavelmente ocorrido na zona, provocando outros danos que tais como os de 62 eram ainda visíveis no momento da erupção. Nesta data de facto a colunata da Basílica continuava por terra e dos edifícios termais só estava aberto ao público a secção masculina das termas do Foro; dos três edifícios dedicados a espectáculos só o anfiteatro, a Palestra Grande, estava em via de restauro. Os terramotos, em suma, eram uma calamidade anunciada.
Mas a erupção do Vesúvio não era esperada por ninguém, pois a última erupção tinha tido lugar antes de Pompeia ter começado a existir, no séc. VII a. C.
Quando o longo sono do vulcão terminou naquele dia 24 de Agosto, a explosão foi espectacular, como se verifica quer através da análise dos materiais lançados pelo vulcão quer pela leitura de dois documentos absolutamente extraordinários, as duas cartas de Plínio, o Jovem, que descrevem as diferentes fases da erupção.
Quando a erupção começou, ele encontrava-se na Campânia com o seu célebre tio Plínio, o Velho, comandante da frota que estava em Miseno. Plínio o Velho perdeu a vida durante a erupção e o historiador Tácito — que tencionava relatar a morte duma tão ilustre personagem — pede ao sobrinho para lhe descrever com exactidão os acontecimentos. E Plínio, o Jovem, responde com a famosa Epístola VI, 16.
“Eram cerca das 13:00 horas do dia 24 de Agosto quando a minha mãe mostrou a Plínio (o Velho) uma nuvem estranha quer pelo tamanho quer pela forma... Calçando as sandálias, ele sai procurando um sítio alto de onde se possa observar melhor o fenómeno. De um monte difícil de identificar, dada a distância (soube depois que era o Vesúvio) elevava-se uma nuvem cuja forma só pode ser bem descrita se comparada com um pinheiro. Com um fortíssimo tronco ramificava-se no alto, creio que com o formato de uma poderosa âncora, que se dividia ainda, e depois desvanecendo-se esta força ou forças, a nuvem alargava-se ora limpa, ora suja e manchada segundo a quantidade de cinza ou terra que tinha erguido no ar.”
Como bom naturalista, Plínio, o Velho decidiu embarcar para poder observar o fenómeno de mais perto. Mas como o sobrinho tem o cuidado de dar a conhecer, a sua atitude foi também um nobre gesto de amizade: a mulher de um amigo seu, bloqueada na sua casa de campo na encosta do monte tinha mandado uma mensagem a pedir-lhe ajuda. A situação era grave: “Já sobre os navios caíam cinzas, cada vez mais quentes e densas à medida que se iam aproximando da zona e caíam mesmo pedras ardentes ou incendiadas.” Plínio desembarcou no litoral estabiano (de Stabia) enquanto “no monte Vesúvio em vários pontos brilhavam vastíssimas chamas e altas línguas de fogo, cujo brilho se tornava ainda mais forte na escuridão da noite.” Depois de ter tentado convencer os amigos de que se tratava de fogos feitos pelos proprietários rurais, Plínio foi deitar-se, aparentemente tranquilo. Mas quando se levantou “o quintal para o qual dava o quarto tinha-se enchido de cinza e lapili a tal ponto que se tivesse permanecido mais uns minutos não teria conseguido sair.” Além disso “com os frequentes e fortes abalos telúricos a casa tremia e como liberta dos alicerces parecia andar de um lado para o outro: na aflição temia-se a chuva de lapili ligeiro e corrosivo que não cessava.”
Esperando proteger-se do lapili com capas sobre a cabeça, Plínio e os amigos saíram e embora fosse dia tinha caído uma escuridão muito negra e densa. É a madrugada de 25 de Agosto e Plínio tenta juntar-se à armada para ver se era possível fazerem-se ao mar, mas as águas estavam muito agitadas para o permitirem. Era o fim: “deitou-se sobre um lençol esticado no chão pediu duas vezes água fria e bebeu dum trago... Apoiando-se em dois escravos tentou levantar-se, mas, de repente, caiu, creio porque tinha a garganta bloqueada pelo ar cheio de densa cinza e não podia respirar. Quando voltou o dia, o seu corpo foi transportado ileso e íntegro, vestido como estava e mais com o aspecto de alguém que dorme do que de um morto.”
Recebida esta primeira carta, Tácito pede outra informação: queria saber o que se tinha passado em Miseno, onde Plínio, o Jovem tinha ficado. A resposta de Plínio descreve a sua aventura até à salvação e fornece outras informações importantes sobre a catástrofe (Epístola VI, 20).
“Já há alguns dias a terra tremia, mas como estávamos na Campânia o fenómeno era comum e a preocupação não era excessiva. Naquela noite porém tremia de tal modo que tínhamos a sensação de que as coisas não se moviam apenas mas que iriam desabar.” Quando a situação se tornou insustentável o Jovem Plínio (era a manhã de 25 de Agosto, e o seu tio estava a morrer ou tinha já morrido) decide deixar a cidade com a sua mãe: “ uma multidão atónita segue-os ... os carros que muitos levavam ainda que estivessem em locais perfeitamente planos moviam-se e não conseguiam estar parados. Enquanto este tremor de terra decorria, o mar afastava-se e deixava sobre as praias muitos animais marinhos. Do lado da terra uma nuvem negra e aterradora, rasgada de relâmpagos sinuosos e acampanhada de vapores escaldantes lançava-se sobre nós em longas com grandes chamas semelhantes a fogueiras mas enormes.” Plínio então agarra a mãe pela mão e incita-a a apear-se do carro tentando a fuga a pé.” Caíam cinzas mas naquele momento eram ainda pouco densas. Olhei para trás. Uma nuvem densíssima aproximava-se.” A noite caiu de novo. ”Ouviam-se gemidos de mulheres, choro e gritos de crianças, gritos de homens que chamavam em altos brados os pais ou os filhos ou os esposos para se reconhecerem pela voz. Muitos havia que com medo da morte pediam para morrer. Muitos erguiam as mãos aos deuses, outros diziam que não havia deuses e que aquela era a última e eterna noite do mundo.” Depois finalmente a chuva de cinza começou a rarear, a ver-se a espaços a luz do sol que brilhava pálido como se fosse um eclipse: “tudo aparecia mudado e coberto de um espesso estrato de cinza.”
Documento impressionante e cientificamente relevante, esta descrição de Plínio, o Jovem, passou a ser utilizada pelos vulcanólogos para compreender as várias fases da erupção, juntamente com a análise do restante material vulcânico.
Na 1ª carta descreve Plínio o “pinheiro” vulcânico e é identificada com a fase eruptiva que os vulcanólogos chamam de “pliniana” caracterizada pela emissão de um jacto de cinza e gás que se ergue no ar formando uma enorme coluna magmática. Esta coluna tomba no chão sob a forma de pedra pomes como o confirma Plínio e a sequência de estratos encontrados em Pompeia. O tamanho das pedras vai aumentando com o avanço da erupção. Isto significa que a energia vai aumentando com o tempo e a coluna aumenta em força de expulsão e em tamanho. Como o vento soprava naquele momento para sudeste, a coluna cai sobretudo sobre as encostas oriental e meridional do Vesúvio e atinge Pompeia. Esta fase durou cerca de doze horas e depois as condições da erupção mudaram drasticamente.
Na segunda carta Plínio testemunha outros fenómenos incríveis como o “ mar que se afasta” — isto precede a fase mais desastrosa da erupção —, o cair das cinzas que obscurece a luz do dia, fenómenbos típicos da última fase do fenómeno eruptivo. Quando a erupção parecia abrandar porque a pressão do gás tinha diminuído criaram-se violentos jactos de vapor alimentados pela água do mar que tinha entrado na câmara magmática. Os vapores espalhando-se com a velocidade de um furacão destruíram tudo o que se encontrava no caminho. São estes os terríveis surgex, fluxos de vapor escaldante e cheios de cinza que asfixiaram Plínio, o Velho e com ele muitos pompeanos que teimosamente permaneceram nas suas casas ou que tinham regressado no momento em que a erupção parecia acalmar-se para recuperar os bens que tinham deixado em suas casas ou para roubar as casas dos ricos. Outros foram vítimas do desabamento dos telhados das casas sob o peso do lapili. É difícil fazer uma estimativa de mortos. Talvez um milhar numa população de cerca de dez mil habitantes.
Ainda que pareça estranho, o acontecimento colhe desprevenidos os habitantes de Pompeia. Eles sabiam que viviam numa zona sísmica: 17 anos antes, em 62 d. C., um forte terramoto tinha provocado o desabamento e danificado muitos edifícios que estavam ainda ou fechados ou a ser restaurados. Nos anos subsequentes outros tremores de terra teriam provavelmente ocorrido na zona, provocando outros danos que tais como os de 62 eram ainda visíveis no momento da erupção. Nesta data de facto a colunata da Basílica continuava por terra e dos edifícios termais só estava aberto ao público a secção masculina das termas do Foro; dos três edifícios dedicados a espectáculos só o anfiteatro, a Palestra Grande, estava em via de restauro. Os terramotos, em suma, eram uma calamidade anunciada.
Mas a erupção do Vesúvio não era esperada por ninguém, pois a última erupção tinha tido lugar antes de Pompeia ter começado a existir, no séc. VII a. C.
Quando o longo sono do vulcão terminou naquele dia 24 de Agosto, a explosão foi espectacular, como se verifica quer através da análise dos materiais lançados pelo vulcão quer pela leitura de dois documentos absolutamente extraordinários, as duas cartas de Plínio, o Jovem, que descrevem as diferentes fases da erupção.
Quando a erupção começou, ele encontrava-se na Campânia com o seu célebre tio Plínio, o Velho, comandante da frota que estava em Miseno. Plínio o Velho perdeu a vida durante a erupção e o historiador Tácito — que tencionava relatar a morte duma tão ilustre personagem — pede ao sobrinho para lhe descrever com exactidão os acontecimentos. E Plínio, o Jovem, responde com a famosa Epístola VI, 16.
“Eram cerca das 13:00 horas do dia 24 de Agosto quando a minha mãe mostrou a Plínio (o Velho) uma nuvem estranha quer pelo tamanho quer pela forma... Calçando as sandálias, ele sai procurando um sítio alto de onde se possa observar melhor o fenómeno. De um monte difícil de identificar, dada a distância (soube depois que era o Vesúvio) elevava-se uma nuvem cuja forma só pode ser bem descrita se comparada com um pinheiro. Com um fortíssimo tronco ramificava-se no alto, creio que com o formato de uma poderosa âncora, que se dividia ainda, e depois desvanecendo-se esta força ou forças, a nuvem alargava-se ora limpa, ora suja e manchada segundo a quantidade de cinza ou terra que tinha erguido no ar.”
Como bom naturalista, Plínio, o Velho decidiu embarcar para poder observar o fenómeno de mais perto. Mas como o sobrinho tem o cuidado de dar a conhecer, a sua atitude foi também um nobre gesto de amizade: a mulher de um amigo seu, bloqueada na sua casa de campo na encosta do monte tinha mandado uma mensagem a pedir-lhe ajuda. A situação era grave: “Já sobre os navios caíam cinzas, cada vez mais quentes e densas à medida que se iam aproximando da zona e caíam mesmo pedras ardentes ou incendiadas.” Plínio desembarcou no litoral estabiano (de Stabia) enquanto “no monte Vesúvio em vários pontos brilhavam vastíssimas chamas e altas línguas de fogo, cujo brilho se tornava ainda mais forte na escuridão da noite.” Depois de ter tentado convencer os amigos de que se tratava de fogos feitos pelos proprietários rurais, Plínio foi deitar-se, aparentemente tranquilo. Mas quando se levantou “o quintal para o qual dava o quarto tinha-se enchido de cinza e lapili a tal ponto que se tivesse permanecido mais uns minutos não teria conseguido sair.” Além disso “com os frequentes e fortes abalos telúricos a casa tremia e como liberta dos alicerces parecia andar de um lado para o outro: na aflição temia-se a chuva de lapili ligeiro e corrosivo que não cessava.”
Esperando proteger-se do lapili com capas sobre a cabeça, Plínio e os amigos saíram e embora fosse dia tinha caído uma escuridão muito negra e densa. É a madrugada de 25 de Agosto e Plínio tenta juntar-se à armada para ver se era possível fazerem-se ao mar, mas as águas estavam muito agitadas para o permitirem. Era o fim: “deitou-se sobre um lençol esticado no chão pediu duas vezes água fria e bebeu dum trago... Apoiando-se em dois escravos tentou levantar-se, mas, de repente, caiu, creio porque tinha a garganta bloqueada pelo ar cheio de densa cinza e não podia respirar. Quando voltou o dia, o seu corpo foi transportado ileso e íntegro, vestido como estava e mais com o aspecto de alguém que dorme do que de um morto.”
Recebida esta primeira carta, Tácito pede outra informação: queria saber o que se tinha passado em Miseno, onde Plínio, o Jovem tinha ficado. A resposta de Plínio descreve a sua aventura até à salvação e fornece outras informações importantes sobre a catástrofe (Epístola VI, 20).
“Já há alguns dias a terra tremia, mas como estávamos na Campânia o fenómeno era comum e a preocupação não era excessiva. Naquela noite porém tremia de tal modo que tínhamos a sensação de que as coisas não se moviam apenas mas que iriam desabar.” Quando a situação se tornou insustentável o Jovem Plínio (era a manhã de 25 de Agosto, e o seu tio estava a morrer ou tinha já morrido) decide deixar a cidade com a sua mãe: “ uma multidão atónita segue-os ... os carros que muitos levavam ainda que estivessem em locais perfeitamente planos moviam-se e não conseguiam estar parados. Enquanto este tremor de terra decorria, o mar afastava-se e deixava sobre as praias muitos animais marinhos. Do lado da terra uma nuvem negra e aterradora, rasgada de relâmpagos sinuosos e acampanhada de vapores escaldantes lançava-se sobre nós em longas com grandes chamas semelhantes a fogueiras mas enormes.” Plínio então agarra a mãe pela mão e incita-a a apear-se do carro tentando a fuga a pé.” Caíam cinzas mas naquele momento eram ainda pouco densas. Olhei para trás. Uma nuvem densíssima aproximava-se.” A noite caiu de novo. ”Ouviam-se gemidos de mulheres, choro e gritos de crianças, gritos de homens que chamavam em altos brados os pais ou os filhos ou os esposos para se reconhecerem pela voz. Muitos havia que com medo da morte pediam para morrer. Muitos erguiam as mãos aos deuses, outros diziam que não havia deuses e que aquela era a última e eterna noite do mundo.” Depois finalmente a chuva de cinza começou a rarear, a ver-se a espaços a luz do sol que brilhava pálido como se fosse um eclipse: “tudo aparecia mudado e coberto de um espesso estrato de cinza.”
Documento impressionante e cientificamente relevante, esta descrição de Plínio, o Jovem, passou a ser utilizada pelos vulcanólogos para compreender as várias fases da erupção, juntamente com a análise do restante material vulcânico.
Na 1ª carta descreve Plínio o “pinheiro” vulcânico e é identificada com a fase eruptiva que os vulcanólogos chamam de “pliniana” caracterizada pela emissão de um jacto de cinza e gás que se ergue no ar formando uma enorme coluna magmática. Esta coluna tomba no chão sob a forma de pedra pomes como o confirma Plínio e a sequência de estratos encontrados em Pompeia. O tamanho das pedras vai aumentando com o avanço da erupção. Isto significa que a energia vai aumentando com o tempo e a coluna aumenta em força de expulsão e em tamanho. Como o vento soprava naquele momento para sudeste, a coluna cai sobretudo sobre as encostas oriental e meridional do Vesúvio e atinge Pompeia. Esta fase durou cerca de doze horas e depois as condições da erupção mudaram drasticamente.
Na segunda carta Plínio testemunha outros fenómenos incríveis como o “ mar que se afasta” — isto precede a fase mais desastrosa da erupção —, o cair das cinzas que obscurece a luz do dia, fenómenbos típicos da última fase do fenómeno eruptivo. Quando a erupção parecia abrandar porque a pressão do gás tinha diminuído criaram-se violentos jactos de vapor alimentados pela água do mar que tinha entrado na câmara magmática. Os vapores espalhando-se com a velocidade de um furacão destruíram tudo o que se encontrava no caminho. São estes os terríveis surgex, fluxos de vapor escaldante e cheios de cinza que asfixiaram Plínio, o Velho e com ele muitos pompeanos que teimosamente permaneceram nas suas casas ou que tinham regressado no momento em que a erupção parecia acalmar-se para recuperar os bens que tinham deixado em suas casas ou para roubar as casas dos ricos. Outros foram vítimas do desabamento dos telhados das casas sob o peso do lapili. É difícil fazer uma estimativa de mortos. Talvez um milhar numa população de cerca de dez mil habitantes.