segunda-feira, 13 de setembro de 2004
Cartas de Paris (3)
Jongkind
(ou a premonição da transgressão)
No Museu d’Orsay, a primeira grande retrospectiva de Johan Barthold Jongkind, 113 anos depois da sua morte.
No Museu d’Orsay, a primeira grande retrospectiva de Johan Barthold Jongkind, 113 anos depois da sua morte.
Jongkind, Notre-Dame de Paris vue du quai de la Tournelle, 1864.
Jongkind situa-se, estéticamente, naquela faixa estreita e, por vezes, confusa entre o romantismo e as vanguardas da segunda metade do século XIX, nomeadamente o Impressionismo.
Nascido em 1819 em Lattrop, na Holanda, Jongkind começa por estudar, aos 18 anos, na Academia de Arte de Haia onde segue os cursos de desenho de Bart Van Hove, entrando para as aulas do pintor romântico Andreas Schelfhout (1787-1870). Jongkind vive num contexto artístico relativamente esvaziado nesta Holanda da primeira metade do século XIX. Regra geral, os artistas holandeses revisitam a história, remetendo-se a uma pintura de género e da representação da natureza. Depois de um século XVIII monótono e pouco inventivo, em que ganham notoriedade as telas de Isaak Ouwater (1750-1793), quase reposições das de Jan Van der Heyden (1637-1712), o período romântico concilia os artistas com a intimidade das paisagens e das emoções humanas.
É na Academia de Haia que Jongkind descobre as telas de Vermeer e de Backhuysen para cinco anos depois, com uma bolsa de estudos concedida pelo rei Guilherme I (que será renovada durante dez anos), partir para Paris onde é aceite como aluno de Eugène Isabey, pintor paisagista conceituado, chefe de fila dos pintores românticos franceses. Isabey vai influenciar Jongkind nas opções cromáticas, nomeadamente na utilização da cor pura.
Dois anos mais tarde, descobre a costa da Bretanha e conhece François Picot, antigo aluno de David, com quem prossegue a sua formação. Durante estes primeiros 40 anos da sua vida, Jongkind recebe uma formação académica que lhe proporciona um estatuto seguro, nomeadamente do ponto de vista comercial. Com efeitos, as suas paisagens são um convite para os marchands que especulam sobre uma produção fácilmente negociável. Pierre-Firmin Martin e Adolphe Beugniet, dois dos mais conceituados galeristas do segundo Império, acolhem incondicionalmente as obras de Jongkind e mesmo depois da sua morte, em 1891, Jongkind continua a ser a vedeta de vendas da maioria das galerias parisienses.
Jongkind situa-se, estéticamente, naquela faixa estreita e, por vezes, confusa entre o romantismo e as vanguardas da segunda metade do século XIX, nomeadamente o Impressionismo.
Nascido em 1819 em Lattrop, na Holanda, Jongkind começa por estudar, aos 18 anos, na Academia de Arte de Haia onde segue os cursos de desenho de Bart Van Hove, entrando para as aulas do pintor romântico Andreas Schelfhout (1787-1870). Jongkind vive num contexto artístico relativamente esvaziado nesta Holanda da primeira metade do século XIX. Regra geral, os artistas holandeses revisitam a história, remetendo-se a uma pintura de género e da representação da natureza. Depois de um século XVIII monótono e pouco inventivo, em que ganham notoriedade as telas de Isaak Ouwater (1750-1793), quase reposições das de Jan Van der Heyden (1637-1712), o período romântico concilia os artistas com a intimidade das paisagens e das emoções humanas.
É na Academia de Haia que Jongkind descobre as telas de Vermeer e de Backhuysen para cinco anos depois, com uma bolsa de estudos concedida pelo rei Guilherme I (que será renovada durante dez anos), partir para Paris onde é aceite como aluno de Eugène Isabey, pintor paisagista conceituado, chefe de fila dos pintores românticos franceses. Isabey vai influenciar Jongkind nas opções cromáticas, nomeadamente na utilização da cor pura.
Dois anos mais tarde, descobre a costa da Bretanha e conhece François Picot, antigo aluno de David, com quem prossegue a sua formação. Durante estes primeiros 40 anos da sua vida, Jongkind recebe uma formação académica que lhe proporciona um estatuto seguro, nomeadamente do ponto de vista comercial. Com efeitos, as suas paisagens são um convite para os marchands que especulam sobre uma produção fácilmente negociável. Pierre-Firmin Martin e Adolphe Beugniet, dois dos mais conceituados galeristas do segundo Império, acolhem incondicionalmente as obras de Jongkind e mesmo depois da sua morte, em 1891, Jongkind continua a ser a vedeta de vendas da maioria das galerias parisienses.
Jongkind, Le Pont Royal vu du quai d'Orsay et la machine à guinder, 1852.
Com a morte de sua mãe, em 1855, Jongkind regressa à Holanda, onde permanecerá durante 5 anos, debatendo-se com graves problemas financeiros fruto de imensas dívidas familiares. Só em 1860, a vida de Jongkind muda radicalmente. Com a ajuda de amigos como Corot, Isabey, Rousseau e Bonvin - que organizam uma venda das suas obras - , Jongkind consegue regressar a Paris. Data também desta época a sua ligação com a pintora Joséphine Fesser bem como o conhecimento de Eugène Boudin e do jovem Claude Monet.
Influenciado por novas ideias e posturas, Jongkind não esquece, no entanto, a sua formação académica. A sua pintura regista ténues mudanças de atitude. O mesmo já não se pode dizer das aguarelas e das gravuras, disciplinas em que Jongkind parece mais à vontade para a aplicação de novos conceitos gráficos e cromáticos. Em 1862, realiza um conjunto de águas-fortes que lhe assegura um lugar na Sociedade de Gravadores franceses e, principalmente, um elogioso texto de Baudelaire. Um ano depois participa com Fantin-Latour, Manet e Pissarro no Salão dos recusados.
Tendo-se tornado muito rápidamente o ídolo dos jovens pintores da época que encontram nas suas obras um convite à transgressão, Jongkind não tem, no entanto, alma de teórico e muito menos de chefe de escola. Recusa-se a participar na exposição dos impressionistas, organizada pelo marchand Paul Durand-Ruel, e toma uma atitude de grande discrição numa Paris efervescente de salões e mundanidades. Mantendo o seu atelier na rue de Chevreuse, número 9, em Montparnasse, Jongkind mostra-se, no entanto, afastado de todos os novos movimentos de vanguarda parisienses.
Jongkind, Clair de lune à Overschie, Rotterdam, 1855.
Embora se mantenha ligado, desde o princípio dos anos 60 aos pintores da escola de Barbizon, Jongkind mantém a sua distante postura nórdica. Num curiosíssimo texto que Émile Zola publica a 24 de Janeiro de 1872 num jornal parisiense pode ler-se: «Parmi les naturalistes qui ont su parler de la nature en une langue vivante et originale, une des plus curieuses figures est certainement le peintre Jongkind. Je ne connais pas d’individualité plus intéressante. Il est artiste jusqu’aux moelles. Il a une façon si originale de rendre la nation humide et vaguement souriante du Nord, que ses toiles parlent une langue particulière, langue de naïveté et de douceur. Il aime d’un amour fervent les horizons hollandais, pleins d’un charme mélancolique; il aime la grande mer, les eaux blafardes des temps gris et les eaux gaies et miroitantes des jours de soleil. Il est fils de cet âge qui s’intéresse à la tache claire ou sombre d’une barque, aux mille petites existences des herbes.»
Jongkind, Vue de Delft, 1844.
Esta atitude discreta de Jongkind não o retira, históricamente, desse lugar de percurssor do impressionismo. A sua ligação a Monet e a Manet é disso uma evidência. Mas, principalmente, nos últimos vinte anos da sua vida (Jongkind morre em 1891) ele afirma-se como o conciliador subtil entre uma tradição académica e todo um conjunto de novas ideias e posturas. Por um lado, mantém gráficamente um registo seguro e um tanto ou quanto duro. Mas, pictóricamente, Jongkind liberta de alguma maneira a cor e a pincelada, como aliás o assinala Paul Signac: «(...) il répudie la teinte plate, morcelle la couleur, fractionne sa touche à l’infini (...)».
Mas, mais do que uma simples inovação técnica, Jongkind propõe uma radical mudança de atitude relativamente ao assunto. Ao relativizar o sujeito da pintura, ele abre caminho e antecipa a banalidade dos assuntos impressionistas, concentrando a sua atenção na linguagem plástica. Não sendo um pintor audaz que rompa com as convenções e com as regras, Jongkind mantem-se como o traço de união entre a pintura romântica, de natureza académica, e as novas ideias sobre a luz, a cor e a representação. A sua pintura respira já a atmosfera de modernidade do impressionismo.