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domingo, 26 de setembro de 2004

 
«De todas as felicidades que lentamente me abandonam, o sono é uma das mais preciosas e também das mais comuns. Um homem que dorme pouco e mal, encostado a numerosas almofadas, tem tempo de sobejo para meditar sobre esta particular voluptuosidade. Concordo que o sono mais perfeito está quase forçosamente ligado ao amor: repouso meditado, reflectido em dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono, saboreado por si mesmo, o inevitável mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, sozinho e desarmado, num oceano onde tudo muda, as cores, as densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde encontramos os mortos. O que nos tranquiliza no sono é que se sai dele, e que se sai sem qualquer mudança, pois que uma extravagante interdição nos impede de trazer connosco o resíduo exacto dos nossos sonhos. O que nos tranquiliza também é que ele cura a fadiga, mas cura-nos, temporariamente, pelo mais radical dos processos, arranjando as coisas de maneira que deixamos de existir. Nisso, como noutras coisas, o prazer e a arte consistem em nos abandonarmos conscientemente a esta bem-aventurada inconsciência, consentirmos em ser subtilmente mais fracos, mais pesados, mais leves e mais confusos que nós mesmos.»


Marguerite Yourcenar, in Memórias de Adriano, 1974.




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