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sábado, 23 de outubro de 2004

 
Diversões (pequenas notas surrealistas)

Assim isso dure!
O espelho é uma maravilhosa testemunha, variando sem cessar. Depõe com calma, com força, mas quando acabou de falar, nota-se que ele corrige acerca de tudo. É a personificação corrente da verdade.
Sobre o caminho ricochete obstinadamente enlaçado às pernas da que volta a partir hoje tal como tornará a partir amanhã, sobre os jazigos ligeiros da despreocupação, mil passos em cada dia casam-se com os passos da véspera. Já se regressou, voltará a regressar-se sem se fazer rogado. Todos passaram por ali, indo da sua alegria à sua mágoa. É um pequeno refúgio com um imenso bico de gáz. Põe-se um pé à frente de outro e aí vamos.
As paredes cobrem-se de quadros, as festas suavizam-se com ramos de flores, o espelho embacia-se de humidade. Quantos faróis sobre um regato e o regato está na vasa do rio. Dois olhos semelhantes, para servir o teu único rosto, - dois olhos cobertos pelas mesmas formigas. O verde está quase uniformemente distribuído pelas plantas, o vento segue as aves, não se corre o risco de ver morrer as pedras. O que se produz não é um animal domesticado, mas um animal domador. Ora! é a ordem imprescritível de uma cerimónia já tão faustosa, em suma! É o revólver de repetição que faz aparecer as flores no vaso, o hálito na boca.
O amor, com o tempo, renuncia tão bem a ver distintamente a noite.
Quando não estás lá, há o teu perfume que me procura. Não consigo fazer com que me restituam senão o oráculo da tua fraqueza. A minha mão na tua mão tão pouco se parecia com a tua mão na minha mão. A infelicidade, vês, a própria infelicidade ganha em ser conhecida. Tinha-te recebido como quinhão, não podes deixar de lá estar, és a prova de que existo. E tudo está de acordo com esta vida que para mim fiz para ter a certeza de ti.
- Em que pensas?
- Em nada.

André Breton
e Paul Éluard in «As mediações».




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