quinta-feira, 14 de outubro de 2004
O facto de podermos prever um ruído sem sabermos o que ele significa é apenas porque as condições microestruturais necessárias e suficientes para a produção de um ruído raramente serão equiparadas por uma equivalência material entre uma declaração na linguagem utilizada para descrever a microestrutura e a declaração expressa pelo ruído. Isto não porque algo seja em princípio imprevisível, muito menos por causa de uma divisória ontológica entre natureza e espírito, mas simplesmente devido à diferença entre uma linguagem apropriada para lidar com os nossos neurónios e uma apropriada para lidar com as pessoas.
Podemos saber como responder a uma observação críptica de um jogo de linguagem diferente, sem que saibamos qual é a frase do nosso jogo de linguagem ordinário que, materialmente, equivale a essa observação. Produzir a comensurabilidade encontrando equivalências materais entre frases extraídas de diferentes jogos de linguagem é apenas uma técnica entre outras para fazer frente aos nossos pares humanos. Quando ela não resulta, voltamo-nos para qualquer coisa que resulte - por exemplo, compreender um novo jogo de linguagem e possivelmente esquecer o antigo.
R. Rorty in «A Filosofia e o Espelho da Natureza», Capítulo 7, Da Epistemologia à Hermenêutica.