quinta-feira, 30 de dezembro de 2004
Com o espírito medimos os tempos
Cindy Sherman, Untitled Film Still #17, 1978.
XXVIII, 37. Mas como diminui ou se extingue o futuro que ainda não existe, ou como cresce o passado que já não existe, senão porque no espírito, que faz isso, há três operações: a expectativa, a atenção e a memória? Desta forma, aquilo que é objecto da expectativa passa, através daquilo que é objecto da atenção, para aquilo que é objecto da memória. Por conseguinte, quem nega que as coisas futuras ainda não existem? E, todavia, já existe no espírito a expectativa das coisas futuras. E quem nega que as coisas passadas já não existem? E, todavia, ainda existe no espírito a memória das coisas passadas. E quem nega que o tempo presente não tem extensão, porque passa num instante? E, todavia, perdura a atenção através da qual tende a estar ausente aquilo que estará presente. Portanto, não é longo o tempo futuro, porque não existe, mas um futuro longo é uma longa espera do futuro, nem é longo o tempo passado, porque não existe, mas um passado longo é uma longa memória do passado.
38. Tenho a intenção de recitar um cântico que sei: antes de começar, a minha expectativa estende-se a todo ele, mas, logo que começar, a minha memória amplia-se tanto quanto aquilo que eu desviar da expectativa para o passado, e a vida desta minha acção estende-se para a memória, por causa daquilo que recitei, e para a expectativa, por causa daquilo que estou para recitar: no entanto, está presente a minha atenção, através da qual passa o que era futuro, de molde a tornar-se passado. E quanto mais e mais isto avança, tanto mais se prolonga a memória com a diminuição da expectativa, até que esta fica de todo extinta, quando toda aquela acção, uma vez acabada, passar para a memória. E o que sucede no cântico, na sua totalidade, sucede em cada uma das suas partes e em cada uma das suas sílabas; sucede igualmente numa acção mais longa, da qual, talvez, aquele cântico seja uma pequena parte; sucede ainda na vida do homem, na sua totalidade, da qual são partes todas as suas acções; isto mesmo sucede em todas as gerações da humanidade, de que são parte todas as vidas dos homens.
Cindy Sherman, Untitled Film Still #17, 1978.
XXVIII, 37. Mas como diminui ou se extingue o futuro que ainda não existe, ou como cresce o passado que já não existe, senão porque no espírito, que faz isso, há três operações: a expectativa, a atenção e a memória? Desta forma, aquilo que é objecto da expectativa passa, através daquilo que é objecto da atenção, para aquilo que é objecto da memória. Por conseguinte, quem nega que as coisas futuras ainda não existem? E, todavia, já existe no espírito a expectativa das coisas futuras. E quem nega que as coisas passadas já não existem? E, todavia, ainda existe no espírito a memória das coisas passadas. E quem nega que o tempo presente não tem extensão, porque passa num instante? E, todavia, perdura a atenção através da qual tende a estar ausente aquilo que estará presente. Portanto, não é longo o tempo futuro, porque não existe, mas um futuro longo é uma longa espera do futuro, nem é longo o tempo passado, porque não existe, mas um passado longo é uma longa memória do passado.
38. Tenho a intenção de recitar um cântico que sei: antes de começar, a minha expectativa estende-se a todo ele, mas, logo que começar, a minha memória amplia-se tanto quanto aquilo que eu desviar da expectativa para o passado, e a vida desta minha acção estende-se para a memória, por causa daquilo que recitei, e para a expectativa, por causa daquilo que estou para recitar: no entanto, está presente a minha atenção, através da qual passa o que era futuro, de molde a tornar-se passado. E quanto mais e mais isto avança, tanto mais se prolonga a memória com a diminuição da expectativa, até que esta fica de todo extinta, quando toda aquela acção, uma vez acabada, passar para a memória. E o que sucede no cântico, na sua totalidade, sucede em cada uma das suas partes e em cada uma das suas sílabas; sucede igualmente numa acção mais longa, da qual, talvez, aquele cântico seja uma pequena parte; sucede ainda na vida do homem, na sua totalidade, da qual são partes todas as suas acções; isto mesmo sucede em todas as gerações da humanidade, de que são parte todas as vidas dos homens.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI