sexta-feira, 31 de dezembro de 2004
Como medimos o tempo que permanece no espírito?
Joseph Beuys, The End of the Twentieth Century, 1983-85.
XXVII, 34. Insiste, minha alma, e presta a devida atenção: Deus é a nossa ajuda; foi ele que nos criou, e não nós que nos criámos. Fixa o teu olhar onde começa a despontar a verdade. Imagina que a voz de um corpo começa a soar, e soa, e soa ainda, e eis que deixa de soar, e faz-se silêncio, e a voz passou e já não há voz. Havia de ser, antes de soar, e não podia ser medida, porque ainda não existia, e agora não pode, porque já não existe. Por isso, podia ser medida no momento em que soava, porque nesse momento existia o que podia ser medido. Mas, mesmo então, não estava fixa; pois ia e passava. Acaso podia ser medida noutro momento? Com efeito, passando, estendia-se por uma extensão de tempo em que podia ser medida, já que o presente não tem qualquer extensão. Se, então, nesse momento, podia ser medida, imagina que outra voz começa a soar e ainda soa, numa vibração contínua sem interrupção: meçamo-la, enquanto soa; pois, logo que tiver cessado de soar, já terá passado e nada haverá que possa ser medido. Meçamo-la com precisão e digamos qual a sua medida. Mas ainda soa e não pode ser medida, senão desde o início em que começa a soar, até ao fim, em que deixa de soar. Com efeito, medimos o próprio intervalo desde um início até a um fim. Por isso, a voz que ainda não cessou não pode ser medida, de modo a que se possa dizer em que medida é longa ou breve, nem se pode dizer que seja igual a outra, ou que tenha com ela uma relação simples, ou dupla, ou qualquer outra coisa. Logo que ela tiver cessado, já não existirá. De que modo, pois, pode ser medida? E apesar disso, medimos os tempos, não aqueles que ainda não existem, nem aqueles que já não existem, nem aqueles que não se estendem por nenhuma duração, nem aqueles que não têm limites. Por conseguinte, não medimos os tempos futuros, nem os passados, nem os presentes, nem os que estão a passar, e no entanto medimos os tempos.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI
Joseph Beuys, The End of the Twentieth Century, 1983-85.
XXVII, 34. Insiste, minha alma, e presta a devida atenção: Deus é a nossa ajuda; foi ele que nos criou, e não nós que nos criámos. Fixa o teu olhar onde começa a despontar a verdade. Imagina que a voz de um corpo começa a soar, e soa, e soa ainda, e eis que deixa de soar, e faz-se silêncio, e a voz passou e já não há voz. Havia de ser, antes de soar, e não podia ser medida, porque ainda não existia, e agora não pode, porque já não existe. Por isso, podia ser medida no momento em que soava, porque nesse momento existia o que podia ser medido. Mas, mesmo então, não estava fixa; pois ia e passava. Acaso podia ser medida noutro momento? Com efeito, passando, estendia-se por uma extensão de tempo em que podia ser medida, já que o presente não tem qualquer extensão. Se, então, nesse momento, podia ser medida, imagina que outra voz começa a soar e ainda soa, numa vibração contínua sem interrupção: meçamo-la, enquanto soa; pois, logo que tiver cessado de soar, já terá passado e nada haverá que possa ser medido. Meçamo-la com precisão e digamos qual a sua medida. Mas ainda soa e não pode ser medida, senão desde o início em que começa a soar, até ao fim, em que deixa de soar. Com efeito, medimos o próprio intervalo desde um início até a um fim. Por isso, a voz que ainda não cessou não pode ser medida, de modo a que se possa dizer em que medida é longa ou breve, nem se pode dizer que seja igual a outra, ou que tenha com ela uma relação simples, ou dupla, ou qualquer outra coisa. Logo que ela tiver cessado, já não existirá. De que modo, pois, pode ser medida? E apesar disso, medimos os tempos, não aqueles que ainda não existem, nem aqueles que já não existem, nem aqueles que não se estendem por nenhuma duração, nem aqueles que não têm limites. Por conseguinte, não medimos os tempos futuros, nem os passados, nem os presentes, nem os que estão a passar, e no entanto medimos os tempos.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI