domingo, 26 de dezembro de 2004
O que é o tempo?
Robert Smithson, 1970
XXIII, 29. Ouvi dizer a um certo homem douto que o tempo não é senão movimentos do sol, da lua e das estrelas, e eu não concordei. Porque não serão antes os tempos os movimentos de todos os corpos? Será que, se as luzes do céu parassem e continuasse a mover-se a roda do oleiro, deixaria de haver tempo com que medíssemos as suas voltas e disséssemos, ou que se move durante instantes iguais, ou que umas voltas são mais longas e outras menos, se a roda se movesse umas vezes mais vagarosamente e outras mais velozmente? Ou, dizendo isso, não falaríamos também nós no tempo, ou não haveria nas nossas palavras umas sílabas longas, outras breves, a não ser porque aquelas ressoam durante um tempo mais longo e estas durante um tempo mais breve? Ó Deus, concede aos homens a possibilidade de observarem nas coisas pequenas as noções comuns às pequenas e às grandes coisas. Existem os astros e os luminares do céu que servem de sinais para distinguir os tempos, e os dias, e os anos. De facto, existem; mas eu não diria que uma volta daquela roda de madeira é um dia, nem esse homem, por seu lado, diria que o tempo não existe.
30. O meu desejo é conhecer a força e a natureza do tempo, com que medimos os movimentos dos corpos e dizemos, por exemplo, que aquele movimento é mais demorado do que este no dobro do tempo. Na verdade, pergunto eu, visto que se chama dia não só à demora do sol sobre a terra, graças à qual uma coisa é o dia, outra é a noite, mas também a uma volta completa do sol de Oriente a Oriente, o que nos permite afirmar: Passaram tantos dias - diz-se "tantos dias", incluindo as respectivas noites, não se considerando à parte a extensão das noites -, visto que o dia se completa com o movimento do sol e uma volta de Oriente a Oriente, pergunto eu se é o próprio movimento que constitui o dia ou se é a demora em que esse movimento se completa, ou ambas as coisas. Se, com efeito, o dia fosse a primeira coisa, então haveria dia, mesmo que o sol completasse o seu curso em tanto espaço de tempo quanto o de uma hora. Se o dia fosse a segunda coisa, então não haveria dia, se, do nascer do sol a outro nascer do sol, a demora fosse tão breve como a de uma hora, mas o sol daria a volta vinte e quatro vezes, para completar o dia. Se o dia fosse ambas as coisas, nem se chamaria dia ao movimento, se o sol desse uma volta completa no espaço de uma hora, nem à demora do sol se, caso este parasse, passasse tanto tempo quanto ele costuma gastar a fazer uma volta completa de uma manhã a outra manhã. Por conseguinte, neste momento não procuro indagar que coisa seja aquela a que se chama dia, mas antes o que seja o tempo, com que, medindo o percurso do sol, diríamos que ele o completou em menos de metade do tempo do que é costume, se o tivesse completado em tanto espaço de tempo quanto demoram a passar doze horas, e comparando um e outro tempo, diríamos que aquele é uma unidade, este, o dobro, ainda que o sol demorasse, no seu percurso de Oriente a Oriente, umas vezes a unidade de doze horas, outras vezes o dobro. Portanto, ninguém me diga que os tempos são os movimentos dos corpos celestes, porque, tendo o sol parado a pedido de um homem, para que pudesse levar a seu termo uma batalha vitoriosa, o sol estava parado (*), mas o tempo ia avançando. Com efeito, o combate travou-se e terminou durante o espaço de tempo que lhe era suficiente. Vejo, pois, que o tempo é uma certa extensão. Mas vejo? Ou parece-me que vejo? Tu mo mostrarás, ó luz, ó Verdade.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI.
(*)
No dia em que o Senhor entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, Josué falou ao Senhor e disse, na presença dos israelitas: "Detém-te, ó Sol, sobre Guibeon; e tu, ó Lua, sobre o vale de Aialon".
E o Sol deteve-se, e a Lua parou até o povo se ter vingado dos seus inimigos.
Isto está escrito no Livro do Justo. O Sol parou no meio do céu e não se apressou a pôr-se durante quase um dia inteiro.
Nem antes nem depois houve um dia tão longo como aquele em que o Senhor obedeceu à voz do homem, pois o Senhor combatia ao lado de Israel. Depois disto, Josué voltou para o acampamento de Guilgal, com todo o Israel.
Josué, 10:12-15
Robert Smithson, 1970
XXIII, 29. Ouvi dizer a um certo homem douto que o tempo não é senão movimentos do sol, da lua e das estrelas, e eu não concordei. Porque não serão antes os tempos os movimentos de todos os corpos? Será que, se as luzes do céu parassem e continuasse a mover-se a roda do oleiro, deixaria de haver tempo com que medíssemos as suas voltas e disséssemos, ou que se move durante instantes iguais, ou que umas voltas são mais longas e outras menos, se a roda se movesse umas vezes mais vagarosamente e outras mais velozmente? Ou, dizendo isso, não falaríamos também nós no tempo, ou não haveria nas nossas palavras umas sílabas longas, outras breves, a não ser porque aquelas ressoam durante um tempo mais longo e estas durante um tempo mais breve? Ó Deus, concede aos homens a possibilidade de observarem nas coisas pequenas as noções comuns às pequenas e às grandes coisas. Existem os astros e os luminares do céu que servem de sinais para distinguir os tempos, e os dias, e os anos. De facto, existem; mas eu não diria que uma volta daquela roda de madeira é um dia, nem esse homem, por seu lado, diria que o tempo não existe.
30. O meu desejo é conhecer a força e a natureza do tempo, com que medimos os movimentos dos corpos e dizemos, por exemplo, que aquele movimento é mais demorado do que este no dobro do tempo. Na verdade, pergunto eu, visto que se chama dia não só à demora do sol sobre a terra, graças à qual uma coisa é o dia, outra é a noite, mas também a uma volta completa do sol de Oriente a Oriente, o que nos permite afirmar: Passaram tantos dias - diz-se "tantos dias", incluindo as respectivas noites, não se considerando à parte a extensão das noites -, visto que o dia se completa com o movimento do sol e uma volta de Oriente a Oriente, pergunto eu se é o próprio movimento que constitui o dia ou se é a demora em que esse movimento se completa, ou ambas as coisas. Se, com efeito, o dia fosse a primeira coisa, então haveria dia, mesmo que o sol completasse o seu curso em tanto espaço de tempo quanto o de uma hora. Se o dia fosse a segunda coisa, então não haveria dia, se, do nascer do sol a outro nascer do sol, a demora fosse tão breve como a de uma hora, mas o sol daria a volta vinte e quatro vezes, para completar o dia. Se o dia fosse ambas as coisas, nem se chamaria dia ao movimento, se o sol desse uma volta completa no espaço de uma hora, nem à demora do sol se, caso este parasse, passasse tanto tempo quanto ele costuma gastar a fazer uma volta completa de uma manhã a outra manhã. Por conseguinte, neste momento não procuro indagar que coisa seja aquela a que se chama dia, mas antes o que seja o tempo, com que, medindo o percurso do sol, diríamos que ele o completou em menos de metade do tempo do que é costume, se o tivesse completado em tanto espaço de tempo quanto demoram a passar doze horas, e comparando um e outro tempo, diríamos que aquele é uma unidade, este, o dobro, ainda que o sol demorasse, no seu percurso de Oriente a Oriente, umas vezes a unidade de doze horas, outras vezes o dobro. Portanto, ninguém me diga que os tempos são os movimentos dos corpos celestes, porque, tendo o sol parado a pedido de um homem, para que pudesse levar a seu termo uma batalha vitoriosa, o sol estava parado (*), mas o tempo ia avançando. Com efeito, o combate travou-se e terminou durante o espaço de tempo que lhe era suficiente. Vejo, pois, que o tempo é uma certa extensão. Mas vejo? Ou parece-me que vejo? Tu mo mostrarás, ó luz, ó Verdade.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI.
(*)
No dia em que o Senhor entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, Josué falou ao Senhor e disse, na presença dos israelitas: "Detém-te, ó Sol, sobre Guibeon; e tu, ó Lua, sobre o vale de Aialon".
E o Sol deteve-se, e a Lua parou até o povo se ter vingado dos seus inimigos.
Isto está escrito no Livro do Justo. O Sol parou no meio do céu e não se apressou a pôr-se durante quase um dia inteiro.
Nem antes nem depois houve um dia tão longo como aquele em que o Senhor obedeceu à voz do homem, pois o Senhor combatia ao lado de Israel. Depois disto, Josué voltou para o acampamento de Guilgal, com todo o Israel.
Josué, 10:12-15