quinta-feira, 16 de dezembro de 2004
Posse do outrora
Sei que perdi tantas coisas que poderia contá-las e que essas perdas são agora o que é meu. Sei que perdi o amarelo e o negro e penso nessas impossíveis cores como não pensam os que vêem. O meu pai morreu e está sempre ao meu lado. Quando quero escandir versos de Swinburne, faço-o, dizem-me, com a voz dele. Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos. Ílion passou, mas Ílion continua no hexâmetro que a lamenta. Israel existiu quando era uma antiga nostalgia. Qualquer poema, com o tempo, é uma elegia. Nossas são as mulheres que nos deixaram, já não submetidos à véspera, que é aflição, nem aos alvoroços e terrores da esperança. Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos.
J. L. Borges in Os Conjurados, 1985.