quarta-feira, 19 de janeiro de 2005
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Resposta ao BdeE
Resposta ao BdeE
Diz Filipe Moura no Blogue de Esquerda, a propósito de uma entrevista a Edgar Pêra: “Sendo eu um firme defensor da democratização do conhecimento e da cultura, fiz um reparo sobre o "conhecimento só partilhável por especialistas", uma ideia que sempre me pareceu elitista. É claro que tecnicamente tal será verdade, mas tem sempre de haver maneira de exprimir esse conhecimento (as ideias principais) de maneira a um leigo interessado poder entendê-las. Cientistas, investigadores, professores e artistas devem ter essa preocupação, até por uma questão básica de consideração para quem lhes paga - cientistas e artistas usam frequentemente apoios e subsídios. (E aqui afirmo que são principalmente os cientistas a ter esta preocupação. Nos artistas e nas "elites culturais", em geral nem vê-la. Daí estes meus textos.)”
Meu caro Filipe Moura: você está completamente enganado. Primeiro, essa tremenda confusão entre o aspecto laboral do artista e quem lhe paga. A grande maioria dos artistas em Portugal, para sua informação, corre por sua conta e risco. Exceptuando alguns casos pouco explícitos de promiscuidade entre arte e poder, a grande maioria dos artistas rejeita qualquer relação com o poder e sofre (e tem sofrido) por isso consequências que, para quem está por fora do meio, são inimagináveis. A produção é muitíssima, infinitamente mais do que, por exemplo a do funcionalismo público, esse sim, na sua grande maioria, vivendo à custa de subsídios, política/correctamente apelidados de salários (no velho vocabulário salazarista e paternalista) mas que não passam de subsídios para uma produção quase nula.
Mas o problema mais grave que se põe aqui não é este. O problema passa pelas fronteiras sempre mal entendidas pela esquerda entre o individual e o colectivo e, principalmente, pelo desentendimento da consciência enquanto fenóneno individual. Hitler usou-se disso, conscientemente. Staline, também. A ideia de que existe uma consciência colectiva é uma das maiores falácias do século XX. A consciência, a procura do conhecimento, mais profundamente, o desejo do conhecimentro, são do âmbito do individual. Não do colectivo. E o encontro, por vezes luminoso, com essa descoberta, com esse conhecimento, por vezes indizível, é da ordem do individual, não do colectivo. Quando você fala da democratização da arte, do que você está a falar realmente é da explicação do fenómeno artístico ou, mais concretamente, da explicação da obra de arte. Não está a falar da obra de arte em si, mas simplesmente da tradução desse encontro, por vezes luminoso, numa outra linguagem, a maioria das vezes enlatada, desqualificada, por forma a ser acessível a um simples interessado (a maioria das vezes apenas pontualmente interessado). Do que você está a falar é de um resumo. Do que você está a falar é de consumo. Comida já mastigada. Porque, obviamente, não se traduz “democraticamente” a sequência vivêncial de alguém que tem a necessidade de se expressar metafóricamente, e que, de alguma maneira, faz sempre a narrativa da sua visão particular e individual do mundo, da vida e das coisas. Aquilo que lhe faz doer a barriga, entende?
Aliás, a esquerda, com o seu espírito historicamente científico e messiânico, nunca pôs os mesmos problemas da “democratização” àquilo que advém (históricamente) da corrente racionalista, cartesiana. Quando o meu amigo se propõe passar uma ponte, não está mínimamente interessado em conhecer todos os cálculos de engenharia subjacentes àquela ponte, pois não? Ela está lá, simplesmente. É susceptível de ser atravessada. É suposto que não caia. Poderá admirar a sua beleza, se a considerar bela. Poderá admirar o seu engenho se considerar que ele existe. Mas não precisa que lhe expliquem “democráticamente” o que a leva a estar de pé e a cumprir a sua função. A arte não é muito diferente disto. A verdadeira diferença é que a arte se opera no plano do desejo, não no plano da necessidade. E é, justamente, aí que passamos da área do colectivo para a área do individual.
Meu caro Filipe Moura: você está completamente enganado. Primeiro, essa tremenda confusão entre o aspecto laboral do artista e quem lhe paga. A grande maioria dos artistas em Portugal, para sua informação, corre por sua conta e risco. Exceptuando alguns casos pouco explícitos de promiscuidade entre arte e poder, a grande maioria dos artistas rejeita qualquer relação com o poder e sofre (e tem sofrido) por isso consequências que, para quem está por fora do meio, são inimagináveis. A produção é muitíssima, infinitamente mais do que, por exemplo a do funcionalismo público, esse sim, na sua grande maioria, vivendo à custa de subsídios, política/correctamente apelidados de salários (no velho vocabulário salazarista e paternalista) mas que não passam de subsídios para uma produção quase nula.
Mas o problema mais grave que se põe aqui não é este. O problema passa pelas fronteiras sempre mal entendidas pela esquerda entre o individual e o colectivo e, principalmente, pelo desentendimento da consciência enquanto fenóneno individual. Hitler usou-se disso, conscientemente. Staline, também. A ideia de que existe uma consciência colectiva é uma das maiores falácias do século XX. A consciência, a procura do conhecimento, mais profundamente, o desejo do conhecimentro, são do âmbito do individual. Não do colectivo. E o encontro, por vezes luminoso, com essa descoberta, com esse conhecimento, por vezes indizível, é da ordem do individual, não do colectivo. Quando você fala da democratização da arte, do que você está a falar realmente é da explicação do fenómeno artístico ou, mais concretamente, da explicação da obra de arte. Não está a falar da obra de arte em si, mas simplesmente da tradução desse encontro, por vezes luminoso, numa outra linguagem, a maioria das vezes enlatada, desqualificada, por forma a ser acessível a um simples interessado (a maioria das vezes apenas pontualmente interessado). Do que você está a falar é de um resumo. Do que você está a falar é de consumo. Comida já mastigada. Porque, obviamente, não se traduz “democraticamente” a sequência vivêncial de alguém que tem a necessidade de se expressar metafóricamente, e que, de alguma maneira, faz sempre a narrativa da sua visão particular e individual do mundo, da vida e das coisas. Aquilo que lhe faz doer a barriga, entende?
Aliás, a esquerda, com o seu espírito historicamente científico e messiânico, nunca pôs os mesmos problemas da “democratização” àquilo que advém (históricamente) da corrente racionalista, cartesiana. Quando o meu amigo se propõe passar uma ponte, não está mínimamente interessado em conhecer todos os cálculos de engenharia subjacentes àquela ponte, pois não? Ela está lá, simplesmente. É susceptível de ser atravessada. É suposto que não caia. Poderá admirar a sua beleza, se a considerar bela. Poderá admirar o seu engenho se considerar que ele existe. Mas não precisa que lhe expliquem “democráticamente” o que a leva a estar de pé e a cumprir a sua função. A arte não é muito diferente disto. A verdadeira diferença é que a arte se opera no plano do desejo, não no plano da necessidade. E é, justamente, aí que passamos da área do colectivo para a área do individual.