quinta-feira, 27 de janeiro de 2005
Suástica. Notas sobre simbólica.
Na semana em que se comemora sessenta anos sobre o fim do Holocausto, com a libertação, pelas tropas russas, do campo de Auschwitz que ocorreu a 27 de Janeiro de 1945, veio a lume a ideia, apresentada no parlamento europeu, da proibição do uso do símbolo da suástica na Europa para quaisquer efeitos, inclusivé de carácter religioso, o que, muito naturalmente, sobressaltou a comunidade hindu residente no Ocidente. Com efeito, a suástica é um símbolo da maior importancia no hinduísmo, com leituras a vários níveis, sempre no plano da espiritualidade.
A ideia dos parlamentares europeus, nomeadamente ingleses (mas não só), de propôr a proibição de um símbolo ancestral e primordial, revela, por si só, o nível de aculturação e de total e completa ignorância a que se chegou relativamente à tradição cultural do Ocidente e, mais genéricamente, à tradição de uma ciência simbólica com raízes à escala planetária e disseminações de carácter exotérico, a nível religioso, quer no Oriente, quer no Ocidente. Com estes níveis de ignorância relativamente à tradição e à cultura, perguntar-se-à, legítimamente, que Europa estará a ser construída? Pois, como é óbvio, passando apenas ligeiramente a linha da infantilidade, a utilização de um símbolo como a suástica pelo III Reich, não desvirtua nem desqualifica o símbolo, nem muito menos o transforma, demonstrando apenas o carácter abusivo e profano de tal utilização. Aliás, isto é verdade não só para o símbolo da suástica, mas para todos os outros símbolos de carácter tradicional que são hoje usados e abusados, a maioria das vezes, funcionando apenas como meras sinalécticas de marcas industriais ou comerciais. Estas utilizações profanas não desvirtuam o "lado interno" dos símbolos, confirmando apenas a sua característica mais profunda: a capacidade de velarem ou revelarem, consoante a capacidade e o nível de conhecimento de quem os lê.
Se, por um lado, ao longo da história do Ocidente, assistimos por mais de uma vez à condenação radical da utilização profana de elementos simbólicos, no mundo contemporâneo assistimos agora à posição de sinal contrário, ou seja, à condenação dessa simbólica por ter sido utilizada de modo profano. Quer uma quer outra posição nos remetem para tempos culturalmente obscuros e, se a primeira se caracterizava por um fundamentalismo desenfreado, embora, pontualmente, com resultados eficazes, mais não fosse pela aniquilação física dos profanadores, a segunda pauta-se pela mais profunda irracionalidade e infantilismo, pretendendo minar e destruir um edifício que, como diria o nosso Pessoa, está defendido ab origine symboli, por condições e forças muito especiais que o tornam indestrutível de fora.
Com efeito, a suástica - ou svástika, termo sânscrito, com a derivação sauvástika - é um traçado geométrico ancestral que se inscreve, simbólicamente, no vasto grupo que poderemos classificar de símbolos de centralidade. Ainda hoje, o termo original sânscrito (svástika) é usado nos meios rurais da Lituânia e o símbolo traçado pelos agricultores nas suas casas como talismã protector. É de notar, aliás, que o lituano é, de todas as línguas europeias, a que mais semelhanças tem com o sânscrito.
A suástica, embora com grande difusão no Oriente, está longe de ser um símbolo de carácter oriental. Encontramo-lo difundido um pouco por todo o lado, do extremo Oriente ao extremo Ocidente e também muito comum aos povos índios norte-americanos. Na Antiguidade, encontramo-lo particularmente entre os Celtas e na Grécia pré-helénica. No Ocidente, a suástica foi primitivamente um dos signos de Cristo e foi usado na simbólica cristã até à Idade Média.
Pertencendo ao grupo de símbolos de centralidade, a suástica é, mais específicamente, um símbolo dito polar. Geométricamente é um símbolo cujo traçado se prende com o círculo e com a cruz. Certas escolas do esoterismo islâmico atribuem à cruz um valor simbólico da maior importância, apelidando de "estação divina" (el-maqâmu-l-ilâhi) o centro da cruz, o qual é designado como o lugar onde se unificam todos os contrários e onde se resolvem todas as oposições. A ideia expressa é a ideia de equilíbrio, embora, de um ponto de vista externo, se confunda com a ideia de justiça. Esse centro da cruz, lugar do cruzamento dos dois eixos, relaciona-se com a ideia platónica de virtude, ou seja, com o que Platão qualificava como o justo termo entre dois extremos. Este lugar é também, na concepção platónica, apelidado de "invariável meio", ideia retomada por Aristóteles ao falar do "motor imóvel", centro que resume todos os estados da existência e é, por assim dizer, como que um reflexo do Princípio. Esta concepção de "invariável meio" surge-nos também na tradição iniciática ocidental, por exemplo, na forma maçónica de "câmara do meio", lugar onde se reúnem os mestres.
A rotação destes eixos desenha naturalmente a circunferência, permanecendo imóvel o centro o que explica a expressão hindú de "ordenador interno" (antaryâmî). Esse centro imóvel corresponde ao Princípio imutável, origem de todo o movimento, governado por ele, conservado por ele, sendo a conservação da ordem do Mundo, de certa forma, considerada como um prolongamento do acto criador.
Se considerarmos o nosso traçado tridimensional, é fácil visualizarmos uma esfera rodando sobre os seus eixos, um pouco como o que acontece com o nosso globo terrestre. Quando esta esfera cumpre a sua rotação, há, para além do centro, dois outros pontos que permanecem fixos: são os pólos. É por isto que a ideia simbólica de Pólo é correspondente à ideia de Centro. Este simbolismo polar, no contexto mais vasto dos símbolos de centralidade, reveste-se de múltiplas formas e podemos encontrá-lo igualmente em quase todas as culturas antigas.
Ora, uma das figuras mais notáveis que expressa justamente as ideias expostas é a suástica. A suástica ou svástika é essencialmente um símbolo polar. Foi, ao longo dos séculos, associado ao fogo, sendo por isso considerado por alguns autores como um símbolo solar e não pertencendo aos símbolos de centralidade. Mas as suas relações com a família dos símbolos solares só pode ser lida pontualmente e de forma indirecta. A suástica é essencialmente um símbolo do movimento mas não de um movimento qualquer. Trata-se do movimento dos eixos relativamente a um centro imutável. Só que aqui a rotação dos eixos não desenha uma circunferência. O movimento rotacional dos eixos relativamente ao centro é expresso através de traços perpendiculares aos eixos e que indicam a direcção do movimento. Sendo a circunferência uma representação do Mundo, a suástica, não sendo uma figura do Mundo, indica a acção do Princípio sobre o Mundo.
Geométricamente, se considerarmos a esfera e não a circunferência, o traçado do símbolo sobrepõe-se ao plano equatorial e então o ponto central será a projecção do eixo sobre esse plano, que lhe é perpendicular.
Relativamente ao sentido da rotação, indicado pelas linhas perpendiculares aos eixos, este tem, do ponto de vista simbólico, apenas um significado secundário, sendo uma o contrário da outra. Este fenómeno é comum a muitos símbolos, podendo dar-se o exemplo do crisma constantino, P ("ro") que muitas vezes se encontra invertido.
Outras informações fundamentais relativamente à importância da suástica nas tradições iniciáticas do Ocidente prendem-se com a sua relação íntima, enquanto símbolo polar com a letra G, cuja posição normal, no simbolismo maçónico, é igualmente "polar", estabelecendo uma evidente relação com a letra I, que representa o primeiro nome de Deus na iniciação medieval dos Fedeli d'Amore. Aliás, não deixa de ser curioso que a evocação de Deus, nos antigos manuais da maçonaria operativa, através da palavra God, representava, não literalmente a palavra inglesa que significa Deus, como a maioria dos leitores profanos consideraram mas, mais propriamente, as iniciais das palavras hebraicas Gamal, 'Oz, Dabar, que significam Beleza, Força, Sabedoria.
Mas a letra G está também associada aos interrogatórios maçónicos dos antigos catecismos, nomeadamente, no interrogatório para o grau de Companheiro, quando à pergunta "What does that G denote?" se responde expressamente "Geometry". Ora, aqui o termo Geometry, expresso também através da letra G, é um substituto do equivalente grego gamma. Assim, o conjunto de quatro gammas colocados em ângulo recto desenha a suástica que surgia como o nome divino Iah e em relação com o primeiro dos três Grandes Mestres do sétimo grau da antiga maçonaria operativa. A suástica era também chamada de gammádion. Na tradição iniciática do ocidente, este traçado tinha verdadeiramente um valor ecuménico.
Consideradas estas breves notas relativamente à suástica, entender-se-à o ridículo em que incorrem os parlamentares europeus nesta proposta de proibição do símbolo.
Na semana em que se comemora sessenta anos sobre o fim do Holocausto, com a libertação, pelas tropas russas, do campo de Auschwitz que ocorreu a 27 de Janeiro de 1945, veio a lume a ideia, apresentada no parlamento europeu, da proibição do uso do símbolo da suástica na Europa para quaisquer efeitos, inclusivé de carácter religioso, o que, muito naturalmente, sobressaltou a comunidade hindu residente no Ocidente. Com efeito, a suástica é um símbolo da maior importancia no hinduísmo, com leituras a vários níveis, sempre no plano da espiritualidade.
A ideia dos parlamentares europeus, nomeadamente ingleses (mas não só), de propôr a proibição de um símbolo ancestral e primordial, revela, por si só, o nível de aculturação e de total e completa ignorância a que se chegou relativamente à tradição cultural do Ocidente e, mais genéricamente, à tradição de uma ciência simbólica com raízes à escala planetária e disseminações de carácter exotérico, a nível religioso, quer no Oriente, quer no Ocidente. Com estes níveis de ignorância relativamente à tradição e à cultura, perguntar-se-à, legítimamente, que Europa estará a ser construída? Pois, como é óbvio, passando apenas ligeiramente a linha da infantilidade, a utilização de um símbolo como a suástica pelo III Reich, não desvirtua nem desqualifica o símbolo, nem muito menos o transforma, demonstrando apenas o carácter abusivo e profano de tal utilização. Aliás, isto é verdade não só para o símbolo da suástica, mas para todos os outros símbolos de carácter tradicional que são hoje usados e abusados, a maioria das vezes, funcionando apenas como meras sinalécticas de marcas industriais ou comerciais. Estas utilizações profanas não desvirtuam o "lado interno" dos símbolos, confirmando apenas a sua característica mais profunda: a capacidade de velarem ou revelarem, consoante a capacidade e o nível de conhecimento de quem os lê.
Se, por um lado, ao longo da história do Ocidente, assistimos por mais de uma vez à condenação radical da utilização profana de elementos simbólicos, no mundo contemporâneo assistimos agora à posição de sinal contrário, ou seja, à condenação dessa simbólica por ter sido utilizada de modo profano. Quer uma quer outra posição nos remetem para tempos culturalmente obscuros e, se a primeira se caracterizava por um fundamentalismo desenfreado, embora, pontualmente, com resultados eficazes, mais não fosse pela aniquilação física dos profanadores, a segunda pauta-se pela mais profunda irracionalidade e infantilismo, pretendendo minar e destruir um edifício que, como diria o nosso Pessoa, está defendido ab origine symboli, por condições e forças muito especiais que o tornam indestrutível de fora.
Com efeito, a suástica - ou svástika, termo sânscrito, com a derivação sauvástika - é um traçado geométrico ancestral que se inscreve, simbólicamente, no vasto grupo que poderemos classificar de símbolos de centralidade. Ainda hoje, o termo original sânscrito (svástika) é usado nos meios rurais da Lituânia e o símbolo traçado pelos agricultores nas suas casas como talismã protector. É de notar, aliás, que o lituano é, de todas as línguas europeias, a que mais semelhanças tem com o sânscrito.
A suástica, embora com grande difusão no Oriente, está longe de ser um símbolo de carácter oriental. Encontramo-lo difundido um pouco por todo o lado, do extremo Oriente ao extremo Ocidente e também muito comum aos povos índios norte-americanos. Na Antiguidade, encontramo-lo particularmente entre os Celtas e na Grécia pré-helénica. No Ocidente, a suástica foi primitivamente um dos signos de Cristo e foi usado na simbólica cristã até à Idade Média.
Pertencendo ao grupo de símbolos de centralidade, a suástica é, mais específicamente, um símbolo dito polar. Geométricamente é um símbolo cujo traçado se prende com o círculo e com a cruz. Certas escolas do esoterismo islâmico atribuem à cruz um valor simbólico da maior importância, apelidando de "estação divina" (el-maqâmu-l-ilâhi) o centro da cruz, o qual é designado como o lugar onde se unificam todos os contrários e onde se resolvem todas as oposições. A ideia expressa é a ideia de equilíbrio, embora, de um ponto de vista externo, se confunda com a ideia de justiça. Esse centro da cruz, lugar do cruzamento dos dois eixos, relaciona-se com a ideia platónica de virtude, ou seja, com o que Platão qualificava como o justo termo entre dois extremos. Este lugar é também, na concepção platónica, apelidado de "invariável meio", ideia retomada por Aristóteles ao falar do "motor imóvel", centro que resume todos os estados da existência e é, por assim dizer, como que um reflexo do Princípio. Esta concepção de "invariável meio" surge-nos também na tradição iniciática ocidental, por exemplo, na forma maçónica de "câmara do meio", lugar onde se reúnem os mestres.
A rotação destes eixos desenha naturalmente a circunferência, permanecendo imóvel o centro o que explica a expressão hindú de "ordenador interno" (antaryâmî). Esse centro imóvel corresponde ao Princípio imutável, origem de todo o movimento, governado por ele, conservado por ele, sendo a conservação da ordem do Mundo, de certa forma, considerada como um prolongamento do acto criador.
Se considerarmos o nosso traçado tridimensional, é fácil visualizarmos uma esfera rodando sobre os seus eixos, um pouco como o que acontece com o nosso globo terrestre. Quando esta esfera cumpre a sua rotação, há, para além do centro, dois outros pontos que permanecem fixos: são os pólos. É por isto que a ideia simbólica de Pólo é correspondente à ideia de Centro. Este simbolismo polar, no contexto mais vasto dos símbolos de centralidade, reveste-se de múltiplas formas e podemos encontrá-lo igualmente em quase todas as culturas antigas.
Ora, uma das figuras mais notáveis que expressa justamente as ideias expostas é a suástica. A suástica ou svástika é essencialmente um símbolo polar. Foi, ao longo dos séculos, associado ao fogo, sendo por isso considerado por alguns autores como um símbolo solar e não pertencendo aos símbolos de centralidade. Mas as suas relações com a família dos símbolos solares só pode ser lida pontualmente e de forma indirecta. A suástica é essencialmente um símbolo do movimento mas não de um movimento qualquer. Trata-se do movimento dos eixos relativamente a um centro imutável. Só que aqui a rotação dos eixos não desenha uma circunferência. O movimento rotacional dos eixos relativamente ao centro é expresso através de traços perpendiculares aos eixos e que indicam a direcção do movimento. Sendo a circunferência uma representação do Mundo, a suástica, não sendo uma figura do Mundo, indica a acção do Princípio sobre o Mundo.
Geométricamente, se considerarmos a esfera e não a circunferência, o traçado do símbolo sobrepõe-se ao plano equatorial e então o ponto central será a projecção do eixo sobre esse plano, que lhe é perpendicular.
Relativamente ao sentido da rotação, indicado pelas linhas perpendiculares aos eixos, este tem, do ponto de vista simbólico, apenas um significado secundário, sendo uma o contrário da outra. Este fenómeno é comum a muitos símbolos, podendo dar-se o exemplo do crisma constantino, P ("ro") que muitas vezes se encontra invertido.
Outras informações fundamentais relativamente à importância da suástica nas tradições iniciáticas do Ocidente prendem-se com a sua relação íntima, enquanto símbolo polar com a letra G, cuja posição normal, no simbolismo maçónico, é igualmente "polar", estabelecendo uma evidente relação com a letra I, que representa o primeiro nome de Deus na iniciação medieval dos Fedeli d'Amore. Aliás, não deixa de ser curioso que a evocação de Deus, nos antigos manuais da maçonaria operativa, através da palavra God, representava, não literalmente a palavra inglesa que significa Deus, como a maioria dos leitores profanos consideraram mas, mais propriamente, as iniciais das palavras hebraicas Gamal, 'Oz, Dabar, que significam Beleza, Força, Sabedoria.
Mas a letra G está também associada aos interrogatórios maçónicos dos antigos catecismos, nomeadamente, no interrogatório para o grau de Companheiro, quando à pergunta "What does that G denote?" se responde expressamente "Geometry". Ora, aqui o termo Geometry, expresso também através da letra G, é um substituto do equivalente grego gamma. Assim, o conjunto de quatro gammas colocados em ângulo recto desenha a suástica que surgia como o nome divino Iah e em relação com o primeiro dos três Grandes Mestres do sétimo grau da antiga maçonaria operativa. A suástica era também chamada de gammádion. Na tradição iniciática do ocidente, este traçado tinha verdadeiramente um valor ecuménico.
Consideradas estas breves notas relativamente à suástica, entender-se-à o ridículo em que incorrem os parlamentares europeus nesta proposta de proibição do símbolo.