segunda-feira, 20 de junho de 2005
Aos constantemente falhantes (e falhados): Águas, EDP, TLP, Netcabo, etc.
Carta de José Maria Eça de Queiróz ao Dr. Pinto Coelho, director da Companhia das Águas de Lisboa:
Ilmo. e Exmo. Senhor Pinto Coelho digno Director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista:
Dois factores igualmente importantes para mim me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças carlistas sobre as tropas republicanas, em Espanha, o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.
Abundaram os carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e do direito divino.
Se eu tiver a fortuna de exarcebar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa. que eu interponha o meu contador. Exmo. Senhor, que eu o interponha nas relações da sensibilidade de V. Exa. com o mundo externo! E que essas lágrimas benditas, de industrial e de político, caiam na minha banheira!
E pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V. Exa. e por mim, temos nós — um para com o outro — certo número de direitos e encargos.
Eu obriguei-me para com V. Exa. a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse. V. Exa., pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo. V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos evidentemete à fé deste contrato: eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.
Se eu não pagar, V. Exa. faz isto: corta-me a canalização. Quando V. Exa. não fornece, o que hei-de eu fazer, Exmo. Senhor?
É evidente que, para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a mim a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.... Oh! E hei-de cortar-lha!...
Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos!
Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Exa.!
Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptóriamente, sem evasias, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V. Exa.
Tenho a honra de ser.
De V. Exa.
Com muita consideração e com umas tesouras.
Eça de Queiróz.
Carta de José Maria Eça de Queiróz ao Dr. Pinto Coelho, director da Companhia das Águas de Lisboa:
Ilmo. e Exmo. Senhor Pinto Coelho digno Director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista:
Dois factores igualmente importantes para mim me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças carlistas sobre as tropas republicanas, em Espanha, o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.
Abundaram os carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e do direito divino.
Se eu tiver a fortuna de exarcebar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa. que eu interponha o meu contador. Exmo. Senhor, que eu o interponha nas relações da sensibilidade de V. Exa. com o mundo externo! E que essas lágrimas benditas, de industrial e de político, caiam na minha banheira!
E pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V. Exa. e por mim, temos nós — um para com o outro — certo número de direitos e encargos.
Eu obriguei-me para com V. Exa. a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse. V. Exa., pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água do meu consumo. V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos evidentemete à fé deste contrato: eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.
Se eu não pagar, V. Exa. faz isto: corta-me a canalização. Quando V. Exa. não fornece, o que hei-de eu fazer, Exmo. Senhor?
É evidente que, para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a mim a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.... Oh! E hei-de cortar-lha!...
Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos!
Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Exa.!
Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptóriamente, sem evasias, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V. Exa.
Tenho a honra de ser.
De V. Exa.
Com muita consideração e com umas tesouras.
Eça de Queiróz.