quarta-feira, 12 de outubro de 2005
História da noite
Foto de Delphine LeBerre
Sempre ao longo das suas gerações
os homens foram construindo a noite.
Ao princípio era só cegueira e sono
e espinhos que laceram o pé nu
e receio dos lobos.
Nunca saberemos quem forjou a palavra
para o intervalo de sombra
que divide os dois crepúsculos;
nunca saberemos em que século foi sinal
do espaço das estrelas.
Outros engendraram o mito.
Fizeram-na mãe das Parcas tranquilas
que tecem o destino
e sacrificavam-lhe as ovelhas negras
e o galo que adivinha o seu fim.
Doze casas lhe deram os Caldeus;
inifinitos mundos, o Pórtico.
Hexâmetros latinos a moldaram
e o terror de Pascal.
Luis de Léon viu nela a pátria
da sua alma estremecida.
Agora sentimo-la inesgotável
como um vinho velho
e ninhuém pode contemplá-la sem vertigens
e o tempo carregou-a de eternidade.
E pensarmos que não existiria
sem esses frágeis instrumentos, os olhos.
J. L. Borges in História da noite, 1977.
Foto de Delphine LeBerre
Sempre ao longo das suas gerações
os homens foram construindo a noite.
Ao princípio era só cegueira e sono
e espinhos que laceram o pé nu
e receio dos lobos.
Nunca saberemos quem forjou a palavra
para o intervalo de sombra
que divide os dois crepúsculos;
nunca saberemos em que século foi sinal
do espaço das estrelas.
Outros engendraram o mito.
Fizeram-na mãe das Parcas tranquilas
que tecem o destino
e sacrificavam-lhe as ovelhas negras
e o galo que adivinha o seu fim.
Doze casas lhe deram os Caldeus;
inifinitos mundos, o Pórtico.
Hexâmetros latinos a moldaram
e o terror de Pascal.
Luis de Léon viu nela a pátria
da sua alma estremecida.
Agora sentimo-la inesgotável
como um vinho velho
e ninhuém pode contemplá-la sem vertigens
e o tempo carregou-a de eternidade.
E pensarmos que não existiria
sem esses frágeis instrumentos, os olhos.
J. L. Borges in História da noite, 1977.