segunda-feira, 10 de outubro de 2005
História dos dois reis e dos dois labirintos
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Foto de Sabine Leve
Contam os homens dignos de fé (mas Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilónia que juntou os seus arquitectos e magos e os mandou construir um labirinto tão perplexo e subtil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar e os que entravam perdiam-se. Essa obra era um escândalo, porque a confusão e a maravilha são operações próprias de Deus e não dos homens. Com o andar do tempo veio à sua corte um rei dos Árabes, e o rei da Babilónia (para fazer troça da simplicidade do seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou aflito e confuso até ao declínio da tarde. Então implorou o socorro divino e deu com a porta. Os seus lábios não proferiram qualquer queixa, mas disse ao rei da Babilónia que na Arábia tinha um labirinto melhor, e que se Deus fosse servido, lho mostraria um dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus capitães e os seus alcaides e estragou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, rompeu as suas gentes e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o em cima de um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: "Oh, rei do tempo e essência e número do século! Na Babilónia quiseste que me perdesse num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que te mostrasse o meu, onde não há escadas para subir, nem portas para forçar, nem enormes galerias para percorrer, nem muros que te vedem a passagem."
Depois desatou-lhe as ligaduras e abandonou-o no meio do deserto, onde morreu de fome e de sede. A glória esteja com Aquele que não morre.
J. L. Borges in Textos cativos, 1986.
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Foto de Sabine Leve
Contam os homens dignos de fé (mas Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilónia que juntou os seus arquitectos e magos e os mandou construir um labirinto tão perplexo e subtil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar e os que entravam perdiam-se. Essa obra era um escândalo, porque a confusão e a maravilha são operações próprias de Deus e não dos homens. Com o andar do tempo veio à sua corte um rei dos Árabes, e o rei da Babilónia (para fazer troça da simplicidade do seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou aflito e confuso até ao declínio da tarde. Então implorou o socorro divino e deu com a porta. Os seus lábios não proferiram qualquer queixa, mas disse ao rei da Babilónia que na Arábia tinha um labirinto melhor, e que se Deus fosse servido, lho mostraria um dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus capitães e os seus alcaides e estragou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, rompeu as suas gentes e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o em cima de um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: "Oh, rei do tempo e essência e número do século! Na Babilónia quiseste que me perdesse num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que te mostrasse o meu, onde não há escadas para subir, nem portas para forçar, nem enormes galerias para percorrer, nem muros que te vedem a passagem."
Depois desatou-lhe as ligaduras e abandonou-o no meio do deserto, onde morreu de fome e de sede. A glória esteja com Aquele que não morre.
J. L. Borges in Textos cativos, 1986.