sábado, 1 de abril de 2006
In memoriam J. F. K.
Foto de Lilya Corneli
Esta bala é antiga.
Em 1897 disparou-a contra o presidente do Uruguai um rapaz de Montevideu, Arredondo, que passara muito tempo sem ver ninguém para que o soubessem sem cúmplices. Trinta anos antes, o mesmo projéctil matou Lincoln, por obra criminosa ou mágica de um actor que as palavras de Shakespeare tinham convertido em Marco Bruto, assassino de César. Em meados do século XVII a vingança serviu-se dela para dar morte a Gustavo Adolfo da Suécia, a meio da hecatombe de uma batalha.
Antes, a bala foi outras coisas, porque a transmigração pitagórica não é apenas própria dos homens. Foi o cordão de seda que no Oriente recebem os vizires, foi a fuzilaria e as baionetas que destroçaram os defensores do Álamo, foi o punhal triangular que ceifou o colo de uma rainha, foi os obscuros cravos que atravessaram a carne do Redentor e o lenho da Cruz, foi o veneno que o chefe cartaginês guardava num anel de ferro, foi a serena taça que Sócrates bebeu num entardecer.
No dealbar do tempo foi a pedra que Caim lançou contra Abel e será muitas coisas que hoje nem sequer imaginamos e que poderão acabar com os homens e com o seu prodigioso e frágil destino.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
Foto de Lilya Corneli
Esta bala é antiga.
Em 1897 disparou-a contra o presidente do Uruguai um rapaz de Montevideu, Arredondo, que passara muito tempo sem ver ninguém para que o soubessem sem cúmplices. Trinta anos antes, o mesmo projéctil matou Lincoln, por obra criminosa ou mágica de um actor que as palavras de Shakespeare tinham convertido em Marco Bruto, assassino de César. Em meados do século XVII a vingança serviu-se dela para dar morte a Gustavo Adolfo da Suécia, a meio da hecatombe de uma batalha.
Antes, a bala foi outras coisas, porque a transmigração pitagórica não é apenas própria dos homens. Foi o cordão de seda que no Oriente recebem os vizires, foi a fuzilaria e as baionetas que destroçaram os defensores do Álamo, foi o punhal triangular que ceifou o colo de uma rainha, foi os obscuros cravos que atravessaram a carne do Redentor e o lenho da Cruz, foi o veneno que o chefe cartaginês guardava num anel de ferro, foi a serena taça que Sócrates bebeu num entardecer.
No dealbar do tempo foi a pedra que Caim lançou contra Abel e será muitas coisas que hoje nem sequer imaginamos e que poderão acabar com os homens e com o seu prodigioso e frágil destino.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.