quinta-feira, 8 de junho de 2006
Das avaliações
Não quero participar neste debate da avaliação dos professores porque me parece absurdo o ponto de partida para a discussão. Se o objectivo é alterar a progressão da carreira docente ou, em última análise, quebrar os elos nefastos do corporativismo, parece-me óbvio existirem procedimentos mais adequados e, também, mais frontais para o fazer. Esta ideia peregrina de considerar que os professores devem ser avaliados do "exterior" do sistema só pode partir de alguém que não faz a menor ideia de como o sistema tem vindo a funcionar. Trinta e dois anos depois do 25 de Abril, apenas dois ministros da educação, em dezenas deles, cumpriram o seu mandato. O sistema tem sido, ao longo dos anos, desfeito e refeito por reformas que se reformam sem ter tempo de entrar em vigor com excepcional paciência e profissionalismo por parte do corpo docente numa exigência de permanente adaptação, por vezes, ultrapassando os limites do razoável. E se alguém se tem preocupado pouco com a qualidade e a estabilidade do sistema, numa desequilibrada procura experimentalista de soluções avulsas, esse alguém é o poder. Quaisquer pais que tenham vivido a escola dos seus filhos nos últimos anos sabe disto. Um dos elos mais fracos do sistema nos últimos anos é justamente a classe docente a quem o poder desautorizou e retirou todos os mecanismos razoáveis para o exercício da sua função. Não está aqui, obviamente, em causa a necessidade da participação dos pais nas estratégias educativas. A avaliação dos professores, por parte dos pais, há muitos anos que é feita, sempre que há reuniões de pais, sempre que há reuniões entre pais e professores mas sempre o foi a título de orientação, de colaboração. A diferença é que, agora, se pretende que essa avaliação seja de carácter profissional e tenha consequências na vida profissional dos professores. Poder-se-ía perguntar porque é que não cabe também aos professores avaliarem a qualidade dos pais e a medida do seu empenhamento ou do abandono a que votam os seus filhos. Poderia até, esta avaliação, ter consequências pecuniárias nas famílias. O que diriam as associações de pais se saísse tal regulamentação? E se transportassemos isto para outras áreas profissionais? A medicina, por exemplo? Existirá corporação mais forte? E se houvesse regulamentação para que os médicos fossem avaliados por alguém exterior ao sistema de saúde? E se isso tivesse consequências na progressão das suas carreiras? Na realidade, estamos no limiar daquele episódio relatado por Boris Vian no Outono em Pequim: o médico que tinha sobre a sua secretária duas pilhas de papéis: a dos doentes que tinha salvo e a dos doentes que tinham morrido. A sua carreira era definida pela altura destas pilhas. Talvez o sistema educativo e a avaliação dos professores por elementos exteriores ao sistema venha a dar nisto: a carreira de cada professor definir-se-à pela altura das pilhas de papéis: a dos alunos com sucesso e a dos alunos com insucesso escolar.
Não quero participar neste debate da avaliação dos professores porque me parece absurdo o ponto de partida para a discussão. Se o objectivo é alterar a progressão da carreira docente ou, em última análise, quebrar os elos nefastos do corporativismo, parece-me óbvio existirem procedimentos mais adequados e, também, mais frontais para o fazer. Esta ideia peregrina de considerar que os professores devem ser avaliados do "exterior" do sistema só pode partir de alguém que não faz a menor ideia de como o sistema tem vindo a funcionar. Trinta e dois anos depois do 25 de Abril, apenas dois ministros da educação, em dezenas deles, cumpriram o seu mandato. O sistema tem sido, ao longo dos anos, desfeito e refeito por reformas que se reformam sem ter tempo de entrar em vigor com excepcional paciência e profissionalismo por parte do corpo docente numa exigência de permanente adaptação, por vezes, ultrapassando os limites do razoável. E se alguém se tem preocupado pouco com a qualidade e a estabilidade do sistema, numa desequilibrada procura experimentalista de soluções avulsas, esse alguém é o poder. Quaisquer pais que tenham vivido a escola dos seus filhos nos últimos anos sabe disto. Um dos elos mais fracos do sistema nos últimos anos é justamente a classe docente a quem o poder desautorizou e retirou todos os mecanismos razoáveis para o exercício da sua função. Não está aqui, obviamente, em causa a necessidade da participação dos pais nas estratégias educativas. A avaliação dos professores, por parte dos pais, há muitos anos que é feita, sempre que há reuniões de pais, sempre que há reuniões entre pais e professores mas sempre o foi a título de orientação, de colaboração. A diferença é que, agora, se pretende que essa avaliação seja de carácter profissional e tenha consequências na vida profissional dos professores. Poder-se-ía perguntar porque é que não cabe também aos professores avaliarem a qualidade dos pais e a medida do seu empenhamento ou do abandono a que votam os seus filhos. Poderia até, esta avaliação, ter consequências pecuniárias nas famílias. O que diriam as associações de pais se saísse tal regulamentação? E se transportassemos isto para outras áreas profissionais? A medicina, por exemplo? Existirá corporação mais forte? E se houvesse regulamentação para que os médicos fossem avaliados por alguém exterior ao sistema de saúde? E se isso tivesse consequências na progressão das suas carreiras? Na realidade, estamos no limiar daquele episódio relatado por Boris Vian no Outono em Pequim: o médico que tinha sobre a sua secretária duas pilhas de papéis: a dos doentes que tinha salvo e a dos doentes que tinham morrido. A sua carreira era definida pela altura destas pilhas. Talvez o sistema educativo e a avaliação dos professores por elementos exteriores ao sistema venha a dar nisto: a carreira de cada professor definir-se-à pela altura das pilhas de papéis: a dos alunos com sucesso e a dos alunos com insucesso escolar.