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terça-feira, 1 de maio de 2007

 
História da noite


Jack Vanarsky, Un envol de fulles mortes, 1991 (objectos pessoais de Borges).




Sempre ao longo das suas gerações
os homens foram construindo a noite.
Ao princípio era só cegueira e sono
e espinhos que laceram o pé nu
e receio dos lobos.
Nunca saberemos quem forjou a palavra
para o intervalo de sombra
que divide os dois crepúsculos;
nunca saberemos em que século foi sinal
do espaço das estrelas.
Outros engendraram o mito.
Fizeram-na mãe das Parcas tranquilas
que tecem o destino
e sacrificavam-lhe as ovelhas negras
e o galo que adivinha o seu fim.
Doze casas lhe deram os Caldeus;
inifinitos mundos, o Pórtico.
Hexâmetros latinos a moldaram
e o terror de Pascal.
Luis de Léon viu nela a pátria
da sua alma estremecida.
Agora sentimo-la inesgotável
como um vinho velho
e ninguém pode contemplá-la sem vertigens
e o tempo carregou-a de eternidade.

E pensarmos que não existiria
sem esses frágeis instrumentos, os olhos.


J. L. Borges in História da noite, 1977.



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