segunda-feira, 11 de junho de 2007
Direitos do homem
Foto de Henri Zerdoun
A noção de direitos do homem data de há dois séculos, mas só atingiu o apogeu da sua glória na segunda metade dos anos setenta do nosso século. Foi nessa altura que Alexandre Soljenitsyne foi banido da Rússia: a personagem extraordinária que ele era, enfeitada com uma barba e um par de algemas, hipnotizou os intelectuais do Ocidente com falta de grandes destinos. Graças a ele, com cinquenta anos de atraso, acabaram por reconhecer a existência de campos de concentração na Rússia comunista; até os homens progressistas reconheceram, subitamente, que prender pessoas por causa do que elas pensam não era justo. E para conforto da sua nova atitude, descobriram um excelente argumento: os comunistas russos atentavam contra os direitos do homem, solenemente proclamados pela própria Revolução Francesa!
Assim, graças a Soljenitsyne, a expressão "direitos do homem" redescobriu o seu lugar no vocabulário do nosso tempo; não conheço nenhum político que não invoque dez vezes por dia "a luta pelos direitos do homem" ou "os direitos do homem que foram violados". Mas como no Ocidente não se vive sob a ameaça dos campos de concentração, como se pode dizer ou escrever o que se quiser, à medida que a luta pelos direitos do homem ganhava em popularidade perdia todo o conteúdo concreto, para se transformar finalmente na atitude comum de todos perante tudo, uma espécie de estratégia que converte todos os desejos em direitos. O mundo tornou-se um direito do homem e tudo se transformou em direito: o desejo de amor em direito ao amor, o desejo de repouso em direito ao repouso, o desejo de amizade em direito à amizade, o desejo de guiar depressa de mais em direito de guiar depressa de mais, o desejo de felicidade em direito à felicidade, o desejo de publicar um livro em direito de publicar um livro, o desejo de se gritar à noite nas ruas em direito de gritar à noite nas ruas.
Milan Kundera in A imortalidade, 1990.
Foto de Henri Zerdoun
A noção de direitos do homem data de há dois séculos, mas só atingiu o apogeu da sua glória na segunda metade dos anos setenta do nosso século. Foi nessa altura que Alexandre Soljenitsyne foi banido da Rússia: a personagem extraordinária que ele era, enfeitada com uma barba e um par de algemas, hipnotizou os intelectuais do Ocidente com falta de grandes destinos. Graças a ele, com cinquenta anos de atraso, acabaram por reconhecer a existência de campos de concentração na Rússia comunista; até os homens progressistas reconheceram, subitamente, que prender pessoas por causa do que elas pensam não era justo. E para conforto da sua nova atitude, descobriram um excelente argumento: os comunistas russos atentavam contra os direitos do homem, solenemente proclamados pela própria Revolução Francesa!
Assim, graças a Soljenitsyne, a expressão "direitos do homem" redescobriu o seu lugar no vocabulário do nosso tempo; não conheço nenhum político que não invoque dez vezes por dia "a luta pelos direitos do homem" ou "os direitos do homem que foram violados". Mas como no Ocidente não se vive sob a ameaça dos campos de concentração, como se pode dizer ou escrever o que se quiser, à medida que a luta pelos direitos do homem ganhava em popularidade perdia todo o conteúdo concreto, para se transformar finalmente na atitude comum de todos perante tudo, uma espécie de estratégia que converte todos os desejos em direitos. O mundo tornou-se um direito do homem e tudo se transformou em direito: o desejo de amor em direito ao amor, o desejo de repouso em direito ao repouso, o desejo de amizade em direito à amizade, o desejo de guiar depressa de mais em direito de guiar depressa de mais, o desejo de felicidade em direito à felicidade, o desejo de publicar um livro em direito de publicar um livro, o desejo de se gritar à noite nas ruas em direito de gritar à noite nas ruas.
Milan Kundera in A imortalidade, 1990.