quinta-feira, 20 de março de 2008
A Deus, a Deus!
Foto de Angelicatas.
Se eu fixar o céu atentamente
e no céu um ponto apenas e só lá,
se me esquecer de mim e do trajecto
voando como a luz ao meu encontro,
se me deixar suspenso nesse ponto
tão esquecido que desapareça,
perderei nessa escolha o Universo,
cavalo de nebulosas espantado,
mas se estender a mão para tocar a terra
sentindo em mim a vida a fervilhar,
mil esporões no sangue e sobre a erva
o corpo de Eva, a fonte em minha cara,
ah, bato então a esta porta negra
que no silêncio por cima se desprende
impelindo-me mais longe que o olhar
à terra estranha do berço descuidado,
ah, — grito eu neste silêncio sem fim
de casa abandonada e seus confins solitários,
sabendo que jamais um eco voltará
como um cavalo a beber na mesma fonte,
ah, — que brado imenso que a minha alma grita
com a garganta em voz e olhos de silêncio,
e fico-me perdido nos corredores do céu
nas salas abandonadas do imenso
e digo Eu! sabendo ali ninguém,
e digo Eu! sabendo que é assim,
e que por mim a mim chego e testemunho,
tão eterno o momento como o mundo,
tão eterno o olhar como o pressentimento,
tão eterno o saber como o repúdio,
a Agonia como a Anunciação,
ah, eu só quero parar o momento!
Eu só quero dizer agora! e nada mais,
e basta que o diga e que o compreenda
para que o tempo não me prenda ao inferno
da sua corrente sem amanhãs,
mas neste grito que sobre a terra eu lanço
a Deus, a Deus! aberto em toda a parte,
ah como eu sinto este segredo intenso
que por dentro ressoa nas quebradas da morte,
a Deus! a Deus, que até no mal
que a cara desfigura em forma de pecado
se transforma em sinal, para que tudo
se desfaça do sentido até à alma!
24/6/87, Herdade do Sobrado
Jorge Guimarães in Odes Nocturnas, 1990.
Foto de Angelicatas.
Se eu fixar o céu atentamente
e no céu um ponto apenas e só lá,
se me esquecer de mim e do trajecto
voando como a luz ao meu encontro,
se me deixar suspenso nesse ponto
tão esquecido que desapareça,
perderei nessa escolha o Universo,
cavalo de nebulosas espantado,
mas se estender a mão para tocar a terra
sentindo em mim a vida a fervilhar,
mil esporões no sangue e sobre a erva
o corpo de Eva, a fonte em minha cara,
ah, bato então a esta porta negra
que no silêncio por cima se desprende
impelindo-me mais longe que o olhar
à terra estranha do berço descuidado,
ah, — grito eu neste silêncio sem fim
de casa abandonada e seus confins solitários,
sabendo que jamais um eco voltará
como um cavalo a beber na mesma fonte,
ah, — que brado imenso que a minha alma grita
com a garganta em voz e olhos de silêncio,
e fico-me perdido nos corredores do céu
nas salas abandonadas do imenso
e digo Eu! sabendo ali ninguém,
e digo Eu! sabendo que é assim,
e que por mim a mim chego e testemunho,
tão eterno o momento como o mundo,
tão eterno o olhar como o pressentimento,
tão eterno o saber como o repúdio,
a Agonia como a Anunciação,
ah, eu só quero parar o momento!
Eu só quero dizer agora! e nada mais,
e basta que o diga e que o compreenda
para que o tempo não me prenda ao inferno
da sua corrente sem amanhãs,
mas neste grito que sobre a terra eu lanço
a Deus, a Deus! aberto em toda a parte,
ah como eu sinto este segredo intenso
que por dentro ressoa nas quebradas da morte,
a Deus! a Deus, que até no mal
que a cara desfigura em forma de pecado
se transforma em sinal, para que tudo
se desfaça do sentido até à alma!
24/6/87, Herdade do Sobrado
Jorge Guimarães in Odes Nocturnas, 1990.