sábado, 13 de setembro de 2008
O sentimento
Mitchell
Milan Kundera in A Imortalidade, 1990.
Mitchell
O sentimento, por definição, surge em nós sem que disso nos apercebamos e muitas vezes contra a nossa vontade. A partir de momento em que queremos experimentá-lo (a partir do momento em que decidimos experimentá-lo, como Dom Quixote decidiu amar Dulcineia), o sentimento já não é sentimento, mas imitação de sentimento, sua exibição. É o que correntemente se chama histeria. É por isso que o homo sentimentalis (ou por outras palavras, o homem que erigiu o sentimento em valor) é na realidade idêntico ao homo hystericus.
O que não quer dizer que o homem que imita um sentimento o não experimente. O actor que desempenha o papel do velho rei Lear sente no palco, frente aos espectadores, a autêntica tristeza de um homem abandonado e traído, mas esta tristeza evapora-se no preciso instante em que a peça termina. É por isso que o homo sentimentalis, logo a seguir a ter-nos assombrado com os seus grandes sentimentos, nos desconcerta com a sua inexplicável indiferença.
O que não quer dizer que o homem que imita um sentimento o não experimente. O actor que desempenha o papel do velho rei Lear sente no palco, frente aos espectadores, a autêntica tristeza de um homem abandonado e traído, mas esta tristeza evapora-se no preciso instante em que a peça termina. É por isso que o homo sentimentalis, logo a seguir a ter-nos assombrado com os seus grandes sentimentos, nos desconcerta com a sua inexplicável indiferença.
Milan Kundera in A Imortalidade, 1990.