domingo, 13 de setembro de 2009
Fragmentos de um evangelho apócrifo
3. Infeliz o pobre de espírito, porque debaixo da terra será o que é agora na terra.
4. Infeliz o que chora, porque já tem o hábito desgraçado do pranto.
5. Ditosos os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz o que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz o que perdoa aos outros e o que se perdoa a si mesmo.
9. Bem-aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.
10. Bem-aventurados os que têm fome de justiça, porque sabem que a nossa sorte, adversa ou afortunada, é obra do acaso, que é imperscrutável.
11. Bem-aventurados os misericordiosos, porque a felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prémio.
12. Bem-aventurados os de coração limpo, porque vêem Deus.
13. Bem-aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça que o seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento da sua vida, não o é.
15. Que a luz de um candeeiro se acenda, mesmo que nenhum homem a veja. Deus vê-la-á.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, incluindo os que digo e os que os profetas disseram.
17. O que matar por causa da justiça, ou por causa que ele crê justa, não tem culpa.
18. Os actos dos homens não merecem o fogo nem os céus.
19. Não odeies o teu inimigo, porque, se o fizeres, és de algum modo o seu escravo. O teu ódio nunca será melhor que a tua paz.
20. Se te ofender a tua mão direita, perdoa-a; és o teu corpo e és a tua alma e é árduo ou impossível fixar a fronteira que os separa...
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque qualquer juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem espanto e sem ira. A quem te ferir na face direita podes voltar-lhe a outra, desde que não te mova o temor.
27. Eu não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é difícil; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer bem ao teu inimigo é o melhor modo de comprazer a tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio e este último da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são ou serão justos, e se não for assim, o erro não é teu.
32. Deus é mais generoso que os homens e medi-los-á com outra bitola.
33. Dá o santo aos cães, deita as tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
34. Procura pelo prazer de procurar, não pelo de encontrar...
39. A porta é que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore pelos seus frutos nem o homem pelas suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se constrói sobre a pedra e tudo sobre a areia, mas o nosso dever é construir como se a areia fosse pedra...
47. Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.
48. Felizes os valentes, os que aceitam com o mesmo ânimo a derrota ou as palmas.
49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgílio ou de Cristo, porque elas irão dar luz aos seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.
3. Infeliz o pobre de espírito, porque debaixo da terra será o que é agora na terra.
4. Infeliz o que chora, porque já tem o hábito desgraçado do pranto.
5. Ditosos os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz o que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz o que perdoa aos outros e o que se perdoa a si mesmo.
9. Bem-aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.
10. Bem-aventurados os que têm fome de justiça, porque sabem que a nossa sorte, adversa ou afortunada, é obra do acaso, que é imperscrutável.
11. Bem-aventurados os misericordiosos, porque a felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prémio.
12. Bem-aventurados os de coração limpo, porque vêem Deus.
13. Bem-aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça que o seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento da sua vida, não o é.
15. Que a luz de um candeeiro se acenda, mesmo que nenhum homem a veja. Deus vê-la-á.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, incluindo os que digo e os que os profetas disseram.
17. O que matar por causa da justiça, ou por causa que ele crê justa, não tem culpa.
18. Os actos dos homens não merecem o fogo nem os céus.
19. Não odeies o teu inimigo, porque, se o fizeres, és de algum modo o seu escravo. O teu ódio nunca será melhor que a tua paz.
20. Se te ofender a tua mão direita, perdoa-a; és o teu corpo e és a tua alma e é árduo ou impossível fixar a fronteira que os separa...
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque qualquer juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem espanto e sem ira. A quem te ferir na face direita podes voltar-lhe a outra, desde que não te mova o temor.
27. Eu não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é difícil; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer bem ao teu inimigo é o melhor modo de comprazer a tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio e este último da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são ou serão justos, e se não for assim, o erro não é teu.
32. Deus é mais generoso que os homens e medi-los-á com outra bitola.
33. Dá o santo aos cães, deita as tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
34. Procura pelo prazer de procurar, não pelo de encontrar...
39. A porta é que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore pelos seus frutos nem o homem pelas suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se constrói sobre a pedra e tudo sobre a areia, mas o nosso dever é construir como se a areia fosse pedra...
47. Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.
48. Felizes os valentes, os que aceitam com o mesmo ânimo a derrota ou as palmas.
49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgílio ou de Cristo, porque elas irão dar luz aos seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.
Jorge Luis Borges in Elogio da Sombra, 1969.