quarta-feira, 27 de abril de 2011
Flaubert
A ligação de toda a vida de Flaubert ao Egipto parece convidar-nos a aprofundar e a respeitar a atracção que podemos sentir por certos países. Da sua adolescência em diante, Flaubert insistiu em que não era francês. O ódio em que tinha o seu país e as suas gentes era tão entranhado que o fazia troçar da sua própria identidade cívica. E, assim, chegaria a propor um novo processo de atribuição da nacionalidade: o critério não seria o do país onde se nascesse nem o do país a que se pertenceria por herança familiar, mas o dos lugares cuja atracção se experimentasse mais intensamente. (Por isso era perfeitamente coerente e lógica a sua intenção de tornar extensiva ao género e à espécie esta concepção mais flexível da identidade, o que o fez declarar em certa ocasião que, ao contrário do que poderia parecer, ele próprio era de facto uma mulher, um camelo e um urso. "Quero comprar um belo urso, o quadro emoldurado de um urso que hei-de pendurar no meu quarto, tendo escrito por baixo Retrato de Gustave Flaubert, para assim dar uma melhor ideia das minhas disposições morais e dos meus hábitos sociais.")
Alain de Botton in A arte de viajar, 2004.