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terça-feira, 31 de agosto de 2004

 
Cartas de Paris (1)
Les guerres ont de tous temps suscité l’intérêt des artistes, et leurs images celui du public.


Combatente, 1855.

A Guerra da Crimeia esteve na origem da ascensão ao trono do Czar Nicolau I em 1825. Em 1852, afirmando a sua vontade de desmantelar o Império Otomano, e prevendo a queda de Constantinopla, envia tropas para a invasão das províncias semi-autónomas da Moldavia. Em 23 de Outubro de 1853, o Império Otomano declara guerra à Rússia. Cinco meses mais tarde, a França e a Inglaterra aliam-se aos turcos. A primeira fase da guerra situa-se nas províncias romenas. Mas, rápidamente, as hostilidades concentram-se na Crimeia, à volta de Sebastopol, defendida pelos russos. O cerco à cidade começa em Março de 1854.


Combatente, Crimeia, 1855.

Na sequência do impacto negativo que a guerra tem na opinião pública inglesa, manipulada pelo Times, a raínha Victoria envia para a Crimeia o repórter fotográfico Roger Fenton para cobrir o conflito. Fenton opta por uma amostragem da diversidade étnica das forças aliadas e por uma visão calma e falsamente pacífica da guerra.



Combatentes do Montenegro, 1855.

O cerco de Sebastopol dura três meses de intensos combates. Sebastopol cai a 8 de Setembro de 1855. Fenton abandona a Crimeia antes da queda de Sebastopol. Um outro fotógrafo, James Robertson, entra naquilo que resta da cidade depois de um cerco de 340 dias. O último bastião - a torre Malakoff - é o lugar que escolhe para fotografar Sebastopol devastada.
Por sua vez, Napoleão III envia para a Crimeia Jean-Charles Langlois, militar de carreira e pintor. A partir de um conjunto de fotografias de Sebastopol tiradas da torre Malakoff formando uma imagem única panorâmica de 360 graus, Langlois pinta Panorama de Sebastopol num edifício circular construído para esse fim pelo arquitecto Gabriel Davioud no rond-point dos Champs-Élysées e que inaugura em 1860. Nada resta dessas pinturas. Hoje o edifício é o teatro do Rond-Point.



Sebastopol, vista da torre Malakoff, 1855.

A guerra aqui ainda não tem o carácter pornográfico dos nossos dias com a permanente exposição dos corpos e das partes. A visão de Fenton e de Robertson é ainda uma visão romântica.



Sebastopol, vista da torre Malakoff, 1855.


segunda-feira, 30 de agosto de 2004

 
Há 1925 anos, Pompeia

Pompeia morre entre a tarde do dia 24 e a manhã do dia 25 de Agosto, de 79 d. C. Imprevistamente, no dia 24, o Vesúvio lança uma enorme quantidade de lapili, lava e gás venenoso que destruiriam para sempre a cidade, juntamente com Ercolano, Satbia e Oplontis.
Ainda que pareça estranho, o acontecimento colhe desprevenidos os habitantes de Pompeia. Eles sabiam que viviam numa zona sísmica: 17 anos antes, em 62 d. C., um forte terramoto tinha provocado o desabamento e danificado muitos edifícios que estavam ainda ou fechados ou a ser restaurados. Nos anos subsequentes outros tremores de terra teriam provavelmente ocorrido na zona, provocando outros danos que tais como os de 62 eram ainda visíveis no momento da erupção. Nesta data de facto a colunata da Basílica continuava por terra e dos edifícios termais só estava aberto ao público a secção masculina das termas do Foro; dos três edifícios dedicados a espectáculos só o anfiteatro, a Palestra Grande, estava em via de restauro. Os terramotos, em suma, eram uma calamidade anunciada.
Mas a erupção do Vesúvio não era esperada por ninguém, pois a última erupção tinha tido lugar antes de Pompeia ter começado a existir, no séc. VII a. C.
Quando o longo sono do vulcão terminou naquele dia 24 de Agosto, a explosão foi espectacular, como se verifica quer através da análise dos materiais lançados pelo vulcão quer pela leitura de dois documentos absolutamente extraordinários, as duas cartas de Plínio, o Jovem, que descrevem as diferentes fases da erupção.

Quando a erupção começou, ele encontrava-se na Campânia com o seu célebre tio Plínio, o Velho, comandante da frota que estava em Miseno. Plínio o Velho perdeu a vida durante a erupção e o historiador Tácito — que tencionava relatar a morte duma tão ilustre personagem — pede ao sobrinho para lhe descrever com exactidão os acontecimentos. E Plínio, o Jovem, responde com a famosa Epístola VI, 16.
“Eram cerca das 13:00 horas do dia 24 de Agosto quando a minha mãe mostrou a Plínio (o Velho) uma nuvem estranha quer pelo tamanho quer pela forma... Calçando as sandálias, ele sai procurando um sítio alto de onde se possa observar melhor o fenómeno. De um monte difícil de identificar, dada a distância (soube depois que era o Vesúvio) elevava-se uma nuvem cuja forma só pode ser bem descrita se comparada com um pinheiro. Com um fortíssimo tronco ramificava-se no alto, creio que com o formato de uma poderosa âncora, que se dividia ainda, e depois desvanecendo-se esta força ou forças, a nuvem alargava-se ora limpa, ora suja e manchada segundo a quantidade de cinza ou terra que tinha erguido no ar.”
Como bom naturalista, Plínio, o Velho decidiu embarcar para poder observar o fenómeno de mais perto. Mas como o sobrinho tem o cuidado de dar a conhecer, a sua atitude foi também um nobre gesto de amizade: a mulher de um amigo seu, bloqueada na sua casa de campo na encosta do monte tinha mandado uma mensagem a pedir-lhe ajuda. A situação era grave: “Já sobre os navios caíam cinzas, cada vez mais quentes e densas à medida que se iam aproximando da zona e caíam mesmo pedras ardentes ou incendiadas.” Plínio desembarcou no litoral estabiano (de Stabia) enquanto “no monte Vesúvio em vários pontos brilhavam vastíssimas chamas e altas línguas de fogo, cujo brilho se tornava ainda mais forte na escuridão da noite.” Depois de ter tentado convencer os amigos de que se tratava de fogos feitos pelos proprietários rurais, Plínio foi deitar-se, aparentemente tranquilo. Mas quando se levantou “o quintal para o qual dava o quarto tinha-se enchido de cinza e lapili a tal ponto que se tivesse permanecido mais uns minutos não teria conseguido sair.” Além disso “com os frequentes e fortes abalos telúricos a casa tremia e como liberta dos alicerces parecia andar de um lado para o outro: na aflição temia-se a chuva de lapili ligeiro e corrosivo que não cessava.”
Esperando proteger-se do lapili com capas sobre a cabeça, Plínio e os amigos saíram e embora fosse dia tinha caído uma escuridão muito negra e densa. É a madrugada de 25 de Agosto e Plínio tenta juntar-se à armada para ver se era possível fazerem-se ao mar, mas as águas estavam muito agitadas para o permitirem. Era o fim: “deitou-se sobre um lençol esticado no chão pediu duas vezes água fria e bebeu dum trago... Apoiando-se em dois escravos tentou levantar-se, mas, de repente, caiu, creio porque tinha a garganta bloqueada pelo ar cheio de densa cinza e não podia respirar. Quando voltou o dia, o seu corpo foi transportado ileso e íntegro, vestido como estava e mais com o aspecto de alguém que dorme do que de um morto.”

Recebida esta primeira carta, Tácito pede outra informação: queria saber o que se tinha passado em Miseno, onde Plínio, o Jovem tinha ficado. A resposta de Plínio descreve a sua aventura até à salvação e fornece outras informações importantes sobre a catástrofe (Epístola VI, 20).
“Já há alguns dias a terra tremia, mas como estávamos na Campânia o fenómeno era comum e a preocupação não era excessiva. Naquela noite porém tremia de tal modo que tínhamos a sensação de que as coisas não se moviam apenas mas que iriam desabar.” Quando a situação se tornou insustentável o Jovem Plínio (era a manhã de 25 de Agosto, e o seu tio estava a morrer ou tinha já morrido) decide deixar a cidade com a sua mãe: “ uma multidão atónita segue-os ... os carros que muitos levavam ainda que estivessem em locais perfeitamente planos moviam-se e não conseguiam estar parados. Enquanto este tremor de terra decorria, o mar afastava-se e deixava sobre as praias muitos animais marinhos. Do lado da terra uma nuvem negra e aterradora, rasgada de relâmpagos sinuosos e acampanhada de vapores escaldantes lançava-se sobre nós em longas com grandes chamas semelhantes a fogueiras mas enormes.” Plínio então agarra a mãe pela mão e incita-a a apear-se do carro tentando a fuga a pé.” Caíam cinzas mas naquele momento eram ainda pouco densas. Olhei para trás. Uma nuvem densíssima aproximava-se.” A noite caiu de novo. ”Ouviam-se gemidos de mulheres, choro e gritos de crianças, gritos de homens que chamavam em altos brados os pais ou os filhos ou os esposos para se reconhecerem pela voz. Muitos havia que com medo da morte pediam para morrer. Muitos erguiam as mãos aos deuses, outros diziam que não havia deuses e que aquela era a última e eterna noite do mundo.” Depois finalmente a chuva de cinza começou a rarear, a ver-se a espaços a luz do sol que brilhava pálido como se fosse um eclipse: “tudo aparecia mudado e coberto de um espesso estrato de cinza.”

Documento impressionante e cientificamente relevante, esta descrição de Plínio, o Jovem, passou a ser utilizada pelos vulcanólogos para compreender as várias fases da erupção, juntamente com a análise do restante material vulcânico.
Na 1ª carta descreve Plínio o “pinheiro” vulcânico e é identificada com a fase eruptiva que os vulcanólogos chamam de “pliniana” caracterizada pela emissão de um jacto de cinza e gás que se ergue no ar formando uma enorme coluna magmática. Esta coluna tomba no chão sob a forma de pedra pomes como o confirma Plínio e a sequência de estratos encontrados em Pompeia. O tamanho das pedras vai aumentando com o avanço da erupção. Isto significa que a energia vai aumentando com o tempo e a coluna aumenta em força de expulsão e em tamanho. Como o vento soprava naquele momento para sudeste, a coluna cai sobretudo sobre as encostas oriental e meridional do Vesúvio e atinge Pompeia. Esta fase durou cerca de doze horas e depois as condições da erupção mudaram drasticamente.

Na segunda carta Plínio testemunha outros fenómenos incríveis como o “ mar que se afasta” — isto precede a fase mais desastrosa da erupção —, o cair das cinzas que obscurece a luz do dia, fenómenbos típicos da última fase do fenómeno eruptivo. Quando a erupção parecia abrandar porque a pressão do gás tinha diminuído criaram-se violentos jactos de vapor alimentados pela água do mar que tinha entrado na câmara magmática. Os vapores espalhando-se com a velocidade de um furacão destruíram tudo o que se encontrava no caminho. São estes os terríveis surgex, fluxos de vapor escaldante e cheios de cinza que asfixiaram Plínio, o Velho e com ele muitos pompeanos que teimosamente permaneceram nas suas casas ou que tinham regressado no momento em que a erupção parecia acalmar-se para recuperar os bens que tinham deixado em suas casas ou para roubar as casas dos ricos. Outros foram vítimas do desabamento dos telhados das casas sob o peso do lapili. É difícil fazer uma estimativa de mortos. Talvez um milhar numa população de cerca de dez mil habitantes.


domingo, 22 de agosto de 2004

 
Para breve, cartas de Paris.


Eric Fischl, "Why the french fear americans", 1992.

terça-feira, 17 de agosto de 2004

 
O Sol, alheio às novas descobertas da Cassini, alheio a nós, alheio aos nossos pretensos entendimentos da ordem oculta.



 
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Correio da Cassini

Cassini continues to uncover new wonders within the Saturn system with its discovery of two new moons orbiting between Mimas and Enceladus. This movie shows the tiny "worldlet," temporarily dubbed S/2004 S2, as it makes its way around the planet. A white box frames the moon's location in the image. The image is part of a sequence specifically designed to search for new moons in the inner saturnian system. The image has not been cleaned of imaging artifacts but has been greatly enhanced in contrast to increase visibility. Consequently, the background scattered light from the nearby rings, as well as many cosmic ray hits and noise patterns, are clearly apparent. The size of S/2004 S2 is estimated to be 4 kilometers (about 2.5 miles) across. Because the moon is small and not resolved it appears as a faint point of light just barely visible above the background.

quarta-feira, 11 de agosto de 2004

 
O Sol hoje de manhã, neste dia chuvoso de Agosto.
Bom dia.


terça-feira, 10 de agosto de 2004

 
Artificial, metáfora do real

Para a discussão artificial/natural (Rui Tavares)




Francis Bacon: (...) For instance, in a painting I'm trying to do of a beach and a wave breaking on it, I feel that the only possibility of doing it will be to put the beach and the wave on a kind of structure which will show them so that you take them out of their position, as it were, and re-make the wave and a piece of the beach in a very artificial structure. In this painting, I have been trying to make the structure and then hope chance will throw down the beach and the wave for me. But I just hope that this painting, no matter how artificial it is, will be like a wave breaking on a seashore.
David Sylvester: You want to make it like?
Francis Bacon: I want to make it like but I don't know how to make it like.
David Sylvester: But you're sure that you can only make it like in a very oblique way?
Francis Bacon: Yes. That I'm sure of. Otherwise, I'd just do one more picture of a sea and a seashore.
David Sylvester: What will make it something that isn't just one more picture?
Francis Bacon: Only if I can take it far enough away from being another picture, if I can elevate, as it were, the shore and the wave - almost cut it out as a fragment and elevate it within the whole picture so that it looks so artificial and yet so much more real than if it were a painting of the sea breaking on the shore.
David Sylvester: You're wanting it to look both real and artificial?
Francis Bacon: Yes.
David Sylvester: You're looking for a certain unexpectedness? You're wanting to surprise yourself too?
Francis Bacon: Naturally. What else would you go on painting for?
David Sylvester: And what's the surprise? That the more artificial the thing gets, the more like it gets.
Francis Bacon: Yes. The more artificial you can make it, the grater chance you've got of its looking real.

David Sylvester in Interviews with Francis Bacon, Interview 6, March 1979, Alden Press, Oxford, 1985.


segunda-feira, 9 de agosto de 2004

 
O Sol hoje de manhã. Quase igual, sempre diferente.
Bom dia.



 
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Muito longe, do outro lado da nossa galáxia, havia um planeta onde viviam seres como nós - bípedes sem penas que construíram casas e bombas e escreveram poemas e programas de computador. Estes seres não sabiam que possuíam mentes. Possuíam noções como «querer» e «tencionar» e «acreditar que» e «sentir-se terrivelmente mal» e «sentir-se maravilhosamente bem». Mas não tinham qualquer noção de que estas significassem estados mentais - estados de uma espécie peculiar e distinta - bastante diferentes de «estar sentado», «ter frio» e «ser estimulado sexualmente». Muito embora utilizassem as noções de crer, saber, querer e estar mal disposto nos seus animais de estimação e robôs, tal como em si próprios, não consideravam os animais e robôs naquilo que pretendiam significar quando diziam «Todos nós acreditamos...» ou «Não fazemos coisas como...». Ou seja, somente os membros da sua espécie eram tratados como pessoas. Mas não explicavam a diferença entre pessoas e não-pessoas por meio de noções como «mente», «consciência», «espírito», ou qualquer outra deste género. Não a explicavam de todo; tratavam-na apenas como a diferença entre «nós» e tudo o resto. Acreditavam na imortalidade para si próprios, e alguns deles acreditavam que esta seria partilhada pelos animais ou pelos robôs, ou por ambos. Mas esta imortalidade não envolvia a noção de «alma» que se separasse do corpo. Era um claro assunto de ressurreição corporal, a que se seguia um misterioso e instantâneo movimento até aquilo a que eles se referiam como sendo «um lugar acima dos céus», para as boas pessoas, e até uma espécie de cave, abaixo da superfície do planeta, para os maus. Os seus filósofos preocupavam-se basicamente com quatro tópicos: a natureza do Ser, as provas da existência de um Ser Omnipotente e Benévolo que cuidaria da ressurreição, os problemas surgidos no discurso acerca de objectos não existentes, e a reconciliação das intuições morais conflituosas. Mas estes filósofos não haviam formulado o problema do sujeito e do objecto, nem o da mente e da matéria. (...)
Assim, sob a maior parte dos aspectos, a linguagem, a vida, a tecnologia e a filosofia desta raça pareciam-se em muito com as nossas.

R. Rorty in A Filosofia e o Espelho da Natureza, Cap. II, Pessoas sem mentes, 1979.

 
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Contingência e Realidade




Neste dia de chuva de Verão, dia encoberto, dia de neura absoluta, quando a contingência prevalece, afinal às 19:19 o Sol, na sua mais total realidade, era assim. Quem não vê é como quem não sabe.

sexta-feira, 6 de agosto de 2004

 
Perante estas últimas imagens e sons do "Correio da Cassini", as palavras vão perdendo sentido. Podemos tentar uma abordagem poética (como a do post anterior), aquilo que sentimos perante a imagem (tornando-se aqui o poético simplesmente patético), mas a realidade é que a força da imagem é tal que aumenta exponêncialmente o indizível e coloca-nos, mais uma vez neste circuito circular e obssessivo, como um criminoso que regressa sempre ao local do crime, o problema da linguagem. As palavras, a existirem, são sempre apêndice da imagem e perdem espessura, aquilo a que Wittgenstein chamava intenção. A imagem é, neste sentido, um facto atómico: não remete para nenhum juízo.

Suppose someone said: every familiar word, in a book for example, actually carries an atmosphere with it in our minds, a "corona" of lightly indicated uses. Just as if each figure in a painting were surrounded by delicate shadowy drawings of scenes, as it were in another dimension, and in them we saw the figures in different contexts. Only let us take this assumption seriously! Then we see that it is not adequate to explain intention.
For if it is like this, if the possible uses of a word do float before us in half-shades as we say or hear it - this simply goes for us. But we communicate with other people without knowing if they have this experience too.


The meaning of a word is not the experience one has in hearing or saying it, and the sense of a sentence is not a complex of such experiences. The sentence is composed of the words, and that is enough.

Though - one would like to say - every word has a different character in different contexts, at the same time there is one character it always has: a single physiognomy. It looks at us. But a face in a painting looks at us too.

L. Wittgenstein in Philosophical Investigations, Part II, VI


 
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Correio da Cassini


Excessivo frio, excessivo negro, excessiva solidão. Na sua órbita elíptica, a Cassini afasta-se e mergulha na escuridão indizível deixando para trás o seu anfitrião majestoso. Envia-nos fotografias da sua solidão.

 
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Alechinsky

"Dessiner, c'est s'interroger"
Pierre Alechinsky.

Até 27 de Setembro, 250 desenhos de Alechinsky no Centro Pompidou.



 
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Correio da Cassini

Sons. A sério. Os anéis de Saturno.

Sons. A sério. Vento solar colide com o campo magnético de Saturno.

quinta-feira, 5 de agosto de 2004

 

MY-muss

Correio da Cassini

A Cassini, afastando-se de Saturno, mergulha no mais puro e profundo negro. O invisível e o indizível são aqui sinónimos.


Looking beyond Saturn's magnificent rings, Cassini caught a glimpse of the moon Mimas in orbit about the gas giant. Parts of Saturn's F and A rings are visible in the upper right corner. Here the thin F ring exhibits some of the complex structure for which it is well-known. Cassini was, at the time, speeding away from the Saturn system on its initial long, looping orbit. Mimas, pronounced "MY-muss," has a diameter of 398 kilometers (247 miles).

 
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Uma das escolas de Tlön chega a negar o tempo: raciocina que o presente é indefinido, que o futuro não tem realidade senão como esperança presente (Russel - The Analysis of Mind, 1921, página 159 - supõe que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que «recorda» um passado ilusório). Outra escola declara que já decorreu todo o tempo e que a nossa vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável. Outra, que a história do universo - e nela as nossas vidas e o pormenor mais ténue das nossas vidas - é a escrita que produz um deus subalterno para se entender com um demónio. Outra, que o universo é comparável a essas criptografias em que não valem todos os símbolos e que só é verdade o que sucede de trezentas em trezentas noites. Outra, que enquanto dormimos aqui, estamos acordados noutro lado e que assim cada homem é dois homens.

J.L. Borges in Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, 1941.

 
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Do fundo remoto do corredor, espreitava-nos o espelho. Descobrimos (a altas horas da noite esta descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso. Então Bioy Casares recordou que um dos heresiarcas de Uqbar havia declarado que os espelhos e a cópula eram abomináveis, porque multiplicam o número dos homens.

J.L. Borges in Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, 1941.

 
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O tempo, se pudermos intuir esta identidade é uma desilusão: bastam para o desintegrar a indiferença e inseparabilidade de um momento do seu aparente ontem e de outro momento do seu aparente hoje.

J.L. Borges in História da Eternidade, 1936.

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

 
Correio da Cassini

No Pólo Sul de Saturno.



Saturn's southern polar region exhibits concentric rings of clouds which encircle a dark spot at the pole. To the north and toward the right, wavy patterns are evident, resulting from the atmosphere moving with different speeds at different latitudes.

terça-feira, 3 de agosto de 2004

 


Jacek Malczewski, «Paysage avec Tobie», 1904


Foi debaixo de árvores inglesas que meditei nesse labirinto perdido: imaginei-o inviolado e perfeito no cume secreto de uma montanha, imaginei-o oculto por arrozais ou debaixo das águas, imaginei-o infinito, não já de quiosques oitavados e de caminhos em voltas, mas de rios e províncias e reinos... Pensei num labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abrangesse o passado e o porvir e que implicasse de algum modo os astros. Absorto nestas ilusórias imagens, esqueci-me do meu destino de perseguido. Senti-me, por um tempo indeterminado, conhecedor abstracto do mundo. O campo vago e vivo, a Lua, os restos da tarde, agiram sobre mim; igualmente o declive que eliminava qualquer possibilidade de cansaço. A tarde estava íntima, infinita. O caminho descia e bifurcava-se, por entre os prados já confusos. Uma música aguda e como que silábica aproximava-se e afastava-se no vaivém do vento, enfraquecida pelas folhas e pela distância. Pensei que um homem pode ser inimigo de outros homens, de outros momentos de outros homens, mas não de um país: não de pirilampos, palavras, jardins, cursos de água, poentes.


J. L. Borges in O jardim dos caminhos que se bifurcam, 1941.

 
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LOVE IT OR LEAVE IT, the 5th Biennial of Cetinje, will present 80 artistic positions from South-Eastern Europe and the Middle East. Cetinje Biennial V is realized by the National Museum of Montenegro in cooperation with Kunsthalle Fridericianum, Kassel, Germany.




Até 3 de Setembro.

 
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Sandorfi – A aparência é aparição



"L'Otage", 220x150 cm, 1984

A obra de Sandorfi resume-se a uma frase do autor: «a pintura existe unicamente para combater as palavras». Algum sentido isto tem quando nos confrontamos com o impacto paralizante, a luz dramática da sua representação das coisas e do mundo, a denúncia estridente da realidade. Quando olhamos as naturezas mortas, há, no entanto, que perguntar: mas que denuncia esta pintura que se ocupa apenas das coisas mortas em vez da essencial precaridade das matérias vivas?
A pintura de Sandorfi é, afinal, apenas aparência e jogo. Eventualmente, um jogo essencial e metafísico, mas antes de tudo, um jogo. Neste jogo, a relação com o objecto fotográfico é evidente. Mas este jogo joga-se numa relação preversa com o objecto fotográfico: a imagem tem uma aparência lúdica, parece-nos uma cópia ou um simples reflexo, uma mimética pictural do modelo fotográfico. Mas a sua característica de irrealidade advém da exposição permanente de evidências específicas da imagem fotográfica, há uma espécie de tensão nas coisas que normalmente são só reais. A exposição das evidências específicas do material fotográfico, provoca esse quadro dramático e, ao mesmo tempo teatral, como a imitação convencional de um drama. Mitifica-se o cenário, eleva-se os objecto a um nível superior ao das coisas quotidianas.


"Nature morte aux matières inconciliables", 160x190 cm, 1983

Esta pintura manifesta-se também na sua profunda seriedade. Não há aqui nenhum apanágio comercial, nenhuma tentativa de mostrar a realidade essencial das coisas. Ela vive de si mesma, num espaço de solidão e na relação interior com as coisas do mundo.
Nas palavras de Pierre Restany “o artista é literalmente absorvido pelas aparências, a arte é um jogo sem jogador”.


"Homage à Jacqueline", 130x162 cm, 1984

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