sábado, 31 de dezembro de 2005
6.36311
Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, quer dizer, não sabemos se nascerá.
Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.
(...)
O mundo é independente da minha vontade.
L. Wittgenstein in Tratado Lógico-Filosófico, 6.36311, 6.37, 6.373, 1922.
Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, quer dizer, não sabemos se nascerá.
Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.
(...)
O mundo é independente da minha vontade.
L. Wittgenstein in Tratado Lógico-Filosófico, 6.36311, 6.37, 6.373, 1922.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2005
O espelho de um momento
Foto de Lylia Corneli
Dissipa o dia,
Mostra aos homens as leves imagens da aparência,
Retira aos homens a possibilidade de se distraírem
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E o seu brilho é tal que todas as armaduras, todas as máscaras, se tornam falsas.
O que a mão tomou desdenha tomar a forma da mão.
O que foi compreendido já não existe.
A ave confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.
Paul Eluard in Capitale de la douleur, 1926.
Foto de Lylia Corneli
Dissipa o dia,
Mostra aos homens as leves imagens da aparência,
Retira aos homens a possibilidade de se distraírem
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E o seu brilho é tal que todas as armaduras, todas as máscaras, se tornam falsas.
O que a mão tomou desdenha tomar a forma da mão.
O que foi compreendido já não existe.
A ave confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.
Paul Eluard in Capitale de la douleur, 1926.
Terra Nova
Sem Natal nem Ano Novo, sem compras, presenças, nostalgias e memórias, a paisagem de Marte vista pela Opportunity: verdadeiramente Terra Nova.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2005
Adam Cast Forth
Foto de Lylia Corneli
Houve um Jardim ou tal Jardim foi sonho?
Na vaga luz me tenho perguntado
Quase como um consolo, se o passado
De que este Adão, já mísero, foi dono,
Não foi mais do que mágica impostura
Desse Deus que sonhei. É impreciso
Na memória o brilhante Paraíso,
Mas eu sei que ele existe e que perdura,
Embora não pra mim. A dura terra
É o meu castigo e a incestuosa guerra
De Cains e Abéis e sua cria.
E, no entanto, é muito ter amado,
Haver sido feliz e ter tocado
O vivente Jardim, mesmo um só dia.
J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.
Foto de Lylia Corneli
Houve um Jardim ou tal Jardim foi sonho?
Na vaga luz me tenho perguntado
Quase como um consolo, se o passado
De que este Adão, já mísero, foi dono,
Não foi mais do que mágica impostura
Desse Deus que sonhei. É impreciso
Na memória o brilhante Paraíso,
Mas eu sei que ele existe e que perdura,
Embora não pra mim. A dura terra
É o meu castigo e a incestuosa guerra
De Cains e Abéis e sua cria.
E, no entanto, é muito ter amado,
Haver sido feliz e ter tocado
O vivente Jardim, mesmo um só dia.
J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2005
Informale
Jean Dubuffet e l'Arte Europea 1945-1970 é a nova grande exposição organizada pela Fondazione Cassa di Risparmio di Modena. Na sequência da exposição Action Painting - Arte Americana 1940-1970 que decorreu de Novembro de 2004 a Fevereiro deste ano (exposição falada neste blog), desta vez, e uma vez mais em colaboração com a Colecção Peggy Guggenheim de Veneza, estará até 9 de Abril em Modena uma das mais significativas exposições da arte produzida no século XX. Do Grupo CoBrA de Asger Jorn, Pierre Alechinsky, Karel Appel, Corneille, aos pintores do Informalismo europeu como Antoni Tàpies, Yves Klein, Hans Hartung, passando pela arte italiana informal de Lucio Fontana, Alberto Burri, Gastone Novelli, Emilio Vedova, Toti Scialoja, Tancredi bem como outros protagonistas que permitem percorrer o clima artístico revolucionário e irreverente de 25 anos da arte do século XX. Muito curiosa a publicação, pela primeira vez, da correspondência entre Jackson Pollock e Jean Dubuffet, considerado por Pollock como um dos mestres da arte abstracta.
terça-feira, 27 de dezembro de 2005
Self-Timer
O Kunsthalle Fridericianum inaugurou no passado dia 21 esta exposição de cinco jovens fotógrafos finlandeses: Elina Brotherus, Aino Kannisto, Sanna Kannisto, Fanni Niemi-Junkola e Salla Tykkä. Excepto Fanni Niemi-Junkola (1962), todos os outros nasceram nos anos 70. As propostas são sensívelmente idênticas, trabalhando todos sobre o retrato e o auto-retrato. Até 26 de Fevereiro em Kassel .
Correio da Cassini
Iapetus, esta lua de Saturno, tem estranhas propriedades: aparentemente, mesmo no lado iluminado pelo Sol, há uma zona de sombra. Por outro lado, "riscado" na superfície uma espécie de cicatriz que cruza todo o corpo esférico. Ambas as particularidades estão por explicar. Dissecações...
domingo, 25 de dezembro de 2005
Natividade
De acordo com o meu querer vim revelar a glória aos meus parentes e aos meus companheiros espirituais.
Estavam, de facto, preparados, os que estavam no mundo pela vontade da nossa irmã Sabedoria, a que é uma impetuosa por causa da sua candidez, a que nem foi enviada, nem pediu nada do Todo, nem da grandeza da assembleia, nem do Pleroma, quando saíu primeiramente para preparar moradas e lugares do Filho da Luz e dos companheiros de tarefa. Tomou os elementos de baixo para a construção dos habitáculos corporais para eles. Mas existindo eles numa glória vazia liquidaram a sua destruição nos habitáculos em que estavam. Uma vez que estavam preparados pela Sabedoria, estão preparados para receber a palavra que salva, da Mónada inefável e da grandeza da assembleia de todos os que esperam e dos que estão em mim. Visitei um habitáculo corporal. Desalojei o que residia anteriormente e eu entrei nele.
in Segundo Tratado do Grande Seth, Origem e encarnação do Salvador, Códice VII de Nag Hammadi.
De acordo com o meu querer vim revelar a glória aos meus parentes e aos meus companheiros espirituais.
Estavam, de facto, preparados, os que estavam no mundo pela vontade da nossa irmã Sabedoria, a que é uma impetuosa por causa da sua candidez, a que nem foi enviada, nem pediu nada do Todo, nem da grandeza da assembleia, nem do Pleroma, quando saíu primeiramente para preparar moradas e lugares do Filho da Luz e dos companheiros de tarefa. Tomou os elementos de baixo para a construção dos habitáculos corporais para eles. Mas existindo eles numa glória vazia liquidaram a sua destruição nos habitáculos em que estavam. Uma vez que estavam preparados pela Sabedoria, estão preparados para receber a palavra que salva, da Mónada inefável e da grandeza da assembleia de todos os que esperam e dos que estão em mim. Visitei um habitáculo corporal. Desalojei o que residia anteriormente e eu entrei nele.
in Segundo Tratado do Grande Seth, Origem e encarnação do Salvador, Códice VII de Nag Hammadi.
Votos
sábado, 24 de dezembro de 2005
João I: 14
Foto de Lylia Corneli
Não será menos um enigma esta folha
do que as dos Meus livros sagrados
nem essas outras repetidas
pelas bocas ignorantes
julgando serem de um homem e não espelhos
obscuros do Espírito.
Eu que sou o É, o Foi e o Será,
volto a condescender com a linguagem,
que é tempo sucessivo e emblema.
Quem brinca com uma criança brinca com algo
próximo e misterioso;
eu quis brincar com os Meus filhos.
Estive entre eles com espanto e ternura.
por uma obra de magia
nasci curiosamente de um ventre.
Vivi enfeitiçado, encarcerado num corpo
e na humildade de uma alma.
Conheci a memória,
essa moeda que nunca é a mesma.
Conheci a esperança e o temor,
esses dois rostos do incerto futuro.
Conheci a vigília, o sono, os sonhos,
a ignorância, a carne,
os torpes labirintos da razão,
a amizade dos homens,
a misteriosa devoção dos cães.
Fui amado, compreendido, louvado e pendurado numa cruz.
Bebi a taça até às fezes.
Vi com os Meus olhos o que nunca tinha visto:
a noite e as suas estrelas.
Conheci o brilhante, o arenoso, o ímpar, o áspero,
o sabor do mel e das maçãs,
a água numa garganta de sede,
o peso de um metal na palma da mão,
a voz humana, o rumor de uns passos sobre a erva,
o cheiro da chuva na Galileia,
o alto grito dos pássaros.
Conheci também a amargura.
Encomendei esta escritura a um homem qualquer;
nunca será o que quero dizer,
não deixará de ser o seu reflexo.
Da Minha eternidade tombam estes sinais.
Que outro, não o que é agora o seu amanuense, escreva o poema.
Amanhã serei tigre entre tigres
e pregarei a Minha lei à sua selva,
a uma grande árvore na Ásia.
Por vezes penso com nostalgia
no cheiro dessa carpintaria.
J. L. Borges in Elogio da Sombra, 1969.
Foto de Lylia Corneli
Não será menos um enigma esta folha
do que as dos Meus livros sagrados
nem essas outras repetidas
pelas bocas ignorantes
julgando serem de um homem e não espelhos
obscuros do Espírito.
Eu que sou o É, o Foi e o Será,
volto a condescender com a linguagem,
que é tempo sucessivo e emblema.
Quem brinca com uma criança brinca com algo
próximo e misterioso;
eu quis brincar com os Meus filhos.
Estive entre eles com espanto e ternura.
por uma obra de magia
nasci curiosamente de um ventre.
Vivi enfeitiçado, encarcerado num corpo
e na humildade de uma alma.
Conheci a memória,
essa moeda que nunca é a mesma.
Conheci a esperança e o temor,
esses dois rostos do incerto futuro.
Conheci a vigília, o sono, os sonhos,
a ignorância, a carne,
os torpes labirintos da razão,
a amizade dos homens,
a misteriosa devoção dos cães.
Fui amado, compreendido, louvado e pendurado numa cruz.
Bebi a taça até às fezes.
Vi com os Meus olhos o que nunca tinha visto:
a noite e as suas estrelas.
Conheci o brilhante, o arenoso, o ímpar, o áspero,
o sabor do mel e das maçãs,
a água numa garganta de sede,
o peso de um metal na palma da mão,
a voz humana, o rumor de uns passos sobre a erva,
o cheiro da chuva na Galileia,
o alto grito dos pássaros.
Conheci também a amargura.
Encomendei esta escritura a um homem qualquer;
nunca será o que quero dizer,
não deixará de ser o seu reflexo.
Da Minha eternidade tombam estes sinais.
Que outro, não o que é agora o seu amanuense, escreva o poema.
Amanhã serei tigre entre tigres
e pregarei a Minha lei à sua selva,
a uma grande árvore na Ásia.
Por vezes penso com nostalgia
no cheiro dessa carpintaria.
J. L. Borges in Elogio da Sombra, 1969.
terça-feira, 20 de dezembro de 2005
Vergonha...
Mário Soares. Quando é que acaba este país do passado?
Mário Soares. Quando é que acaba este país do passado?
Ecos do realismo
Proh pudor!
Foto de Lylia Corneli
Todas as noites ela me cingia
Nos braços, com brandura gasalhosa;
Todas as noites eu adormecia,
Sentindo-a desleixada e languorosa.
Todas as noites uma fantasia
Lhe emanava da fronte imaginosa;
Todas as noites tinha uma mania
Aquela concepção vertiginosa.
Agora, há quase um mês, modernamente,
Ela tinha um furor dos mais soturnos,
Furor original, impertinente...
Todas as noites ela, ah! sordidez!
Descalçava-me as botas, os coturnos,
E fazia-me cócegas nos pés...
Cesário Verde
Lisboa
Porto, Diário da Tarde, 22 de Janeiro de 1874
Proh pudor!
Foto de Lylia Corneli
Todas as noites ela me cingia
Nos braços, com brandura gasalhosa;
Todas as noites eu adormecia,
Sentindo-a desleixada e languorosa.
Todas as noites uma fantasia
Lhe emanava da fronte imaginosa;
Todas as noites tinha uma mania
Aquela concepção vertiginosa.
Agora, há quase um mês, modernamente,
Ela tinha um furor dos mais soturnos,
Furor original, impertinente...
Todas as noites ela, ah! sordidez!
Descalçava-me as botas, os coturnos,
E fazia-me cócegas nos pés...
Cesário Verde
Lisboa
Porto, Diário da Tarde, 22 de Janeiro de 1874
segunda-feira, 19 de dezembro de 2005
Inatingível
Foto de Lylia Corneli
O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Rio de Janeiro, 1933
Vinicius de Moraes
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
Foto de Lylia Corneli
O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Rio de Janeiro, 1933
Vinicius de Moraes
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
sábado, 17 de dezembro de 2005
O instante
Foto de Lylia Corneli
Onde estarão os séculos, onde o sonho
Das espadas que os tártaros sonharam,
Onde os sólidos muros que aplanaram,
Onde a árvore de Adão e o outro Lenho?
O presente está só. Mas a memória
Constrói o tempo. Sucessão e engano
É a rotina do relógio. O ano
Nunca é menos vão do que a vã história.
Entre a aurora e a noite há um abismo
De agonias, de luzes, de cuidados;
O rosto que se vê nos desgastados
Espelhos da noite já não é o mesmo.
O hoje é fugaz é ténue e é eterno;
Não esperes outro Céu nem outro Inferno.
J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.
Foto de Lylia Corneli
Onde estarão os séculos, onde o sonho
Das espadas que os tártaros sonharam,
Onde os sólidos muros que aplanaram,
Onde a árvore de Adão e o outro Lenho?
O presente está só. Mas a memória
Constrói o tempo. Sucessão e engano
É a rotina do relógio. O ano
Nunca é menos vão do que a vã história.
Entre a aurora e a noite há um abismo
De agonias, de luzes, de cuidados;
O rosto que se vê nos desgastados
Espelhos da noite já não é o mesmo.
O hoje é fugaz é ténue e é eterno;
Não esperes outro Céu nem outro Inferno.
J. L. Borges in O Outro, o Mesmo, 1964.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2005
quarta-feira, 14 de dezembro de 2005
A testemunha
Foto de Lylia Corneli
Num estábulo que fica quase à sombra da nova igreja de pedra, um homem de olhos cinzentos e barba cinzenta, estendido entre o cheiro dos animais, procura humildemente a morte como quem procura o sono. O dia, fiel a vastas leis secretas, vai deslocando e confundindo as sombras no pobre recinto; lá fora estão as terras aradas e uma vala atulhada de folhas mortas e um rasto de lobo no barro negro onde começam os bosques. O homem dorme e sonha, esquecido. O toque da oração acorda-o. Nos reinos de Inglaterra o som dos sinos é já um dos hábitos da tarde, mas o homem, desde pequeno, viu a cara de Woden, o horror divino e a exultação, o torpe ídolo de madeira recamado de moedas romanas e de vestimentas pesadas, o sacrifício de cavalos, cães e prisioneiros. Antes do alvorecer morrerá, e com ele morrerão e não voltarão as últimas imagens imediatas dos ritos pagãos; o mundo será um pouco mais pobre quando este saxão tiver morrido.
Feitos que povoam o espaço e que chegam ao fim quando alguém morre podem maravilhar-nos, mas uma coisa, ou um número infinito de coisas, morre em cada agonia, a não ser que exista uma memória do universo, como conjecturaram os teósofos. No tempo houve um dia que apagou os últimos olhos que viram Cristo; a batalha de Junín e o amor de Helena morreram com a morte de um homem. Que morrerá comigo quando eu morrer, que forma patética ou inconsistente perderá o mundo? A voz de Macedonio Fernández, a imagem de um cavalo rubro no baldio de Serrano e de Charcas, uma barra de enxofre na gaveta de uma secretária de mogno?
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
Foto de Lylia Corneli
Num estábulo que fica quase à sombra da nova igreja de pedra, um homem de olhos cinzentos e barba cinzenta, estendido entre o cheiro dos animais, procura humildemente a morte como quem procura o sono. O dia, fiel a vastas leis secretas, vai deslocando e confundindo as sombras no pobre recinto; lá fora estão as terras aradas e uma vala atulhada de folhas mortas e um rasto de lobo no barro negro onde começam os bosques. O homem dorme e sonha, esquecido. O toque da oração acorda-o. Nos reinos de Inglaterra o som dos sinos é já um dos hábitos da tarde, mas o homem, desde pequeno, viu a cara de Woden, o horror divino e a exultação, o torpe ídolo de madeira recamado de moedas romanas e de vestimentas pesadas, o sacrifício de cavalos, cães e prisioneiros. Antes do alvorecer morrerá, e com ele morrerão e não voltarão as últimas imagens imediatas dos ritos pagãos; o mundo será um pouco mais pobre quando este saxão tiver morrido.
Feitos que povoam o espaço e que chegam ao fim quando alguém morre podem maravilhar-nos, mas uma coisa, ou um número infinito de coisas, morre em cada agonia, a não ser que exista uma memória do universo, como conjecturaram os teósofos. No tempo houve um dia que apagou os últimos olhos que viram Cristo; a batalha de Junín e o amor de Helena morreram com a morte de um homem. Que morrerá comigo quando eu morrer, que forma patética ou inconsistente perderá o mundo? A voz de Macedonio Fernández, a imagem de um cavalo rubro no baldio de Serrano e de Charcas, uma barra de enxofre na gaveta de uma secretária de mogno?
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
terça-feira, 13 de dezembro de 2005
Mimmo Paladino
No Museo Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, inaugura no próximo dia 16 esta exposição de Mimmo Paladino, um dos mais interessantes artistas da Transvanguarda italiana. O meu primeiro contacto com a obra de Paladino foi há mais de vinte anos, numa exposição sua numa galeria de Florença. Por essa altura, Bonito Oliva lançava um livro em que se propunha como promotor de uma nova geração de pintores italianos, sensívelmente trabalhando sob as mesmas permissas conceptuais. Nomes como Chia, Cucchi, Clemente ou Paladino surgiam então. Desta vez, Paladino trabalha sobre a figura de D. Quijote, no 4º centésimo aniversário da primeira publicação de El Quijote de la Mancha de Miguel de Cervantes y Saavedra. A exposição é composta por um conjunto de quinze pinturas e quarenta aguarelas. Para além disto, Paladino estreia-se como realizador de um filme produzido por Ananas s.r.l. em colaboração com a Regione Campania em que explora a figura de Quijote, sendo este não o protagonista da história mas ele próprio a história. Por último é também lançado um livro de artista, editado pela Editalia, em que Paladino interage, com os seus desenhos, com poemas de Giuseppe Conte.
sábado, 10 de dezembro de 2005
Revolta
Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.
Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.
De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.
Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.
Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.
De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.
Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
La Dolce Crisi
Villa Manin Centro d’Arte Contemporanea, a uma hora de Veneza, acolhe esta exposição de fotografia contemporânea italiana. Andreoni-Fortugno, Stefano Arienti, Marina Ballo Charmet, Olivo Barbieri, Gabriele Basilico, Letizia Battaglia, Vincenzo Castella, Paola De Pietri, Paola Di Bello, Giuseppe Gabellone, Massimo Grimaldi, Luisa Lambri, Armin Linke, Marcello Maloberti, Tancredi Mangano, Walter Niedermayr, Diego Perrone, Francesco Raffaelli, Lorenzo Scotto di Luzio, Toni Thorimbert e Massimo Vitali, são os artistas representados numa exposição que se pretende abrangente das diversas posturas e opções que a fotografia contemporânea oferece. Inaugura amanhã.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2005
Argumentum ornithologicum
Foto de Marcus Claesson
Fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema envolve a existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros eu vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pode fazer a conta. Nesse caso vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco, etc. Esse número inteiro é inconcebível; ergo, Deus existe.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
Foto de Marcus Claesson
Fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema envolve a existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros eu vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pode fazer a conta. Nesse caso vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco, etc. Esse número inteiro é inconcebível; ergo, Deus existe.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
Olafur Eliasson
Se há artista a quem tenho estado particularmente atento desde há uns anos a esta parte é Olafur Eliasson. Jovem, nascido em Copenhagen em 1967, Eliasson tem produzido nos últimos anos das mais interessantes instalações contemporâneas, com cuidado e sustentado argumento conceptual e evidente impacto visual. É o caso de Notion Motion, uma instalação monumental que ocupa cerca de 1500 metros quadrados das salas do Museum Boijmans. Recentemente adquirida por este museu, esta instalação volta a focar a temática cara a Eliasson, a luz e a água, as relações entre fenómenos naturais e artificiais. Poderá ser vista até 8 de Janeiro e será remontada de 5 em 5 anos.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2005
Espadas
Foto de Anthony Indianos
Gram, Durendal, Joyeuse, Excalibur.
Andam guerras antigas pelo verso
Que é única memória. O universo
Semeia-as pelo Norte e pelo Sul.
Nas espadas pwesiste a ousadia
Da direita viril, hoje pó, nada;
E no ferro ou no bronze essa estocada
Que foi sangue de Adão naquele dia.
Gestas enumerei de tão distantes
Espadas cujos homens deram morte
A reis e a serpentes. Outra sorte
De espadas há, murais, sempre constantes.
Deixa-me, espada, usar contigo a arte;
Eu, que não mereci nunca manejar-te.
J. L. Borges in O Ouro dos Tigres, 1972.
Foto de Anthony Indianos
Gram, Durendal, Joyeuse, Excalibur.
Andam guerras antigas pelo verso
Que é única memória. O universo
Semeia-as pelo Norte e pelo Sul.
Nas espadas pwesiste a ousadia
Da direita viril, hoje pó, nada;
E no ferro ou no bronze essa estocada
Que foi sangue de Adão naquele dia.
Gestas enumerei de tão distantes
Espadas cujos homens deram morte
A reis e a serpentes. Outra sorte
De espadas há, murais, sempre constantes.
Deixa-me, espada, usar contigo a arte;
Eu, que não mereci nunca manejar-te.
J. L. Borges in O Ouro dos Tigres, 1972.
terça-feira, 6 de dezembro de 2005
A ler
Com A Revelação de Pedro, a Ésquilo termina a edição em três volumes do conjunto completo dos códices de Nag Hammadi. Descobertos em 1945, a "biblioteca" de Nag Hammadi constitue o maior e mais significativo conjunto de manuscritos sobre a gnose e o cristianismo primitivo. Estes textos lançam também uma importante luz sobre os vários âmbitos culturais e filosóficos de diferentes épocas: o mundo da especulação filosófica e religiosa (judaica, cristã e pagã) em língua grega dos séculos I a IV, e no âmbito da cultura egípcia, copta, do século IV, no qual existiram interesses variados, não só gnósticos mas também herméticos, cristãos e maniqueístas.
A Ésquilo apresenta os códices de Nag Hammadi em três volumes, organizando a edição integral dos textos de forma lógica e compreensível: no primeiro volume, O Livro Secreto de João, são apresentados os textos de especulação teológica, filosófica, cosmogónica e antropológica. No segundo volume, Evangelhos Gnósticos, são reunidos os textos revelatórios de Jesus antes da ascenção bem como o Evangelho de Tomé, considerado pelos investigadores como anterior ou contemporâneo dos evangelhos sinópticos. Este terceiro volume recolhe os vários apocalipses e outros escritos sobre temas do Novo Testamento.
A edição foi organizada por António Piñero, José Montserrat Torrents e Francisco García Bazán com tradução de Luís Filipe Sarmento.
A Ésquilo apresenta os códices de Nag Hammadi em três volumes, organizando a edição integral dos textos de forma lógica e compreensível: no primeiro volume, O Livro Secreto de João, são apresentados os textos de especulação teológica, filosófica, cosmogónica e antropológica. No segundo volume, Evangelhos Gnósticos, são reunidos os textos revelatórios de Jesus antes da ascenção bem como o Evangelho de Tomé, considerado pelos investigadores como anterior ou contemporâneo dos evangelhos sinópticos. Este terceiro volume recolhe os vários apocalipses e outros escritos sobre temas do Novo Testamento.
A edição foi organizada por António Piñero, José Montserrat Torrents e Francisco García Bazán com tradução de Luís Filipe Sarmento.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2005
Os espelhos
Foto de Wiejewiatr
Eu, que senti o horror dos espelhos
Não só ante o cristal impenetrável
Onde acaba e começa, inabitável,
Um impossível espaço de reflexos,
Mas ante a água especular que imita
O outro azul no seu profundo céu
Que às vezes raia o ilusório voo
Da ave inversa ou que um tremor agita
E ante a superfície silenciosa
Do ébano subtil, cuja tersura
Repete como um sonho essa brancura
De um vago mármore ou uma vaga rosa,
Hoje, ao cabo de tantos e perplexos
Anos de errar sob a diversa lua,
Pergunto-me que acaso da fortuna
Determinou que temesse os espelhos.
Espelhos de metal, dissimulado
Espelho de acaju que pela bruma
Do seu crepúsculo vermelho esfuma
Esse rosto que olha e é olhado,
Infinitos os vejo, elementais
Executores de um antigo pacto,
Multiplicar o mundo como o acto
Genesíaco, insones e fatais.
Prolongam este mundo vão, incerto,
Na sua teia sempre fugidia;
às vezes pela tarde os embacia
O hálito de alguém que não está morto.
Espia-nos o cristal. E se entre as quatro
Paredes deste quarto houver um espelho,
Já não estou só. Há outro. Há o reflexo
Na alba erguendo um sigiloso teatro.
Tudo acontece e nada se recorda
Lá nesses gabinetes cristalinos
Onde, como fantásticos rabinos,
Lemos os livros da direita à esquerda.
Cláudio, rei de uma tarde, rei sonhado,
Não sentiu que era um sonho até ao dia
Em que um actor mimou sua felonia
Com arte silenciosa, num tablado.
Que haja sonhos é estranho, que haja espelhos,
Que o mais banal e gasto repertório
De cada dia inclua o ilusório
Orbe profundo que urdem os reflexos.
E Deus (pensei assim) põe um empenho
Em toda essa virtual arquitectura
Que edifica a sua luz com a tersura
Do cristal e a sombra com o sonho.
E Deus criou as noites, que se armam
De sonhos e as formas do espelho
Para que o homem saiba que é reflexo
E vaidade. Por isso nos alarmam.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
Foto de Wiejewiatr
Eu, que senti o horror dos espelhos
Não só ante o cristal impenetrável
Onde acaba e começa, inabitável,
Um impossível espaço de reflexos,
Mas ante a água especular que imita
O outro azul no seu profundo céu
Que às vezes raia o ilusório voo
Da ave inversa ou que um tremor agita
E ante a superfície silenciosa
Do ébano subtil, cuja tersura
Repete como um sonho essa brancura
De um vago mármore ou uma vaga rosa,
Hoje, ao cabo de tantos e perplexos
Anos de errar sob a diversa lua,
Pergunto-me que acaso da fortuna
Determinou que temesse os espelhos.
Espelhos de metal, dissimulado
Espelho de acaju que pela bruma
Do seu crepúsculo vermelho esfuma
Esse rosto que olha e é olhado,
Infinitos os vejo, elementais
Executores de um antigo pacto,
Multiplicar o mundo como o acto
Genesíaco, insones e fatais.
Prolongam este mundo vão, incerto,
Na sua teia sempre fugidia;
às vezes pela tarde os embacia
O hálito de alguém que não está morto.
Espia-nos o cristal. E se entre as quatro
Paredes deste quarto houver um espelho,
Já não estou só. Há outro. Há o reflexo
Na alba erguendo um sigiloso teatro.
Tudo acontece e nada se recorda
Lá nesses gabinetes cristalinos
Onde, como fantásticos rabinos,
Lemos os livros da direita à esquerda.
Cláudio, rei de uma tarde, rei sonhado,
Não sentiu que era um sonho até ao dia
Em que um actor mimou sua felonia
Com arte silenciosa, num tablado.
Que haja sonhos é estranho, que haja espelhos,
Que o mais banal e gasto repertório
De cada dia inclua o ilusório
Orbe profundo que urdem os reflexos.
E Deus (pensei assim) põe um empenho
Em toda essa virtual arquitectura
Que edifica a sua luz com a tersura
Do cristal e a sombra com o sonho.
E Deus criou as noites, que se armam
De sonhos e as formas do espelho
Para que o homem saiba que é reflexo
E vaidade. Por isso nos alarmam.
J. L. Borges in O Fazedor, 1960.
domingo, 4 de dezembro de 2005
William Kentridge
O Guggenheim de Berlim apresenta Black Box/Chambre Noire, uma instalação multimédia de William Kentridge. Black Box/Chambre Noire começou por ser um conjunto de desenhos de grande formato que Kentridge trabalhou para os cenários da Flauta Mágica de Mozart. Esse trabalho foi o ponto de partida para este filme em que Kentridge usa o desenho, objectos cinéticos e o teatro miniatura para registar um processo mais que um resultado. O conceito de Black Box/Chambre Noire está associado ao teatro, à fotografia mas também à caixa negra dos aviões em que ficam registados todos os momentos do voo e do acidente. Kentridge continua a trabalhar sobre a temática que lhe é cara: a História e o sentido da História, os processos de dor, culpa e expiação. Neste processo de criação de sentidos, Kentridge revela os processos construtivos da representação.
Até 15 de Janeiro.
O Guggenheim de Berlim apresenta Black Box/Chambre Noire, uma instalação multimédia de William Kentridge. Black Box/Chambre Noire começou por ser um conjunto de desenhos de grande formato que Kentridge trabalhou para os cenários da Flauta Mágica de Mozart. Esse trabalho foi o ponto de partida para este filme em que Kentridge usa o desenho, objectos cinéticos e o teatro miniatura para registar um processo mais que um resultado. O conceito de Black Box/Chambre Noire está associado ao teatro, à fotografia mas também à caixa negra dos aviões em que ficam registados todos os momentos do voo e do acidente. Kentridge continua a trabalhar sobre a temática que lhe é cara: a História e o sentido da História, os processos de dor, culpa e expiação. Neste processo de criação de sentidos, Kentridge revela os processos construtivos da representação.
Até 15 de Janeiro.
sábado, 3 de dezembro de 2005
Com as mãos
Foto de Jacques Leinnes
Com as mãos
construo
a saudade do teu corpo,
onde havia
uma porta
um jardim suspenso,
um rio,
um cavalo espantado à desfilada.
Com as mãos
descrevo o limiar,
os aromas subtis,
os largos estuários,
as crinas ardentes
fustigando-me o rosto,
a vertigem do apelo nocturno,
o susto.
Com as mãos procuro
(ainda) colher o tempo
de cada movimento do teu corpo
em seu voo.
E por fim destruo
todos os vestígios (com as mãos):
Brusca-
mente.
Eduíno de Jesus in Os silos do silêncio, 2005.
Foto de Jacques Leinnes
Com as mãos
construo
a saudade do teu corpo,
onde havia
uma porta
um jardim suspenso,
um rio,
um cavalo espantado à desfilada.
Com as mãos
descrevo o limiar,
os aromas subtis,
os largos estuários,
as crinas ardentes
fustigando-me o rosto,
a vertigem do apelo nocturno,
o susto.
Com as mãos procuro
(ainda) colher o tempo
de cada movimento do teu corpo
em seu voo.
E por fim destruo
todos os vestígios (com as mãos):
Brusca-
mente.
Eduíno de Jesus in Os silos do silêncio, 2005.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Anunciação
1
Só um
som
sem
sen
tido:
Fré
mito
d'asa?
Sú
bito
passa.
(Fugi-
dia.)
2
Vem
sem
avi
so:
su
ave.
Flu
tu
a.
Insond
ável
som de
longín
qua
(ambí
gua)
melo
dia.
3
Que futura
seara de tempestades
anuncia?
Frágil
semente
de vento:
Po
e
sia!
Eduíno de Jesus in Os silos do silêncio, 2005.