segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006
Party
Foto de Bogdan Jarocki
Corri as mãos pela blusa vermelha e apoiei-me ao seu ombro. À nossa volta as pessoas conversavam ou sorriam apenas. As mulheres afloravam com as pontas dos dedos os braços nus, acendiam os cigarros na chama curta e azul dos isqueiros de gáz que os homens lhes estendiam ou que elas tiravam das malas pequenas.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Bogdan Jarocki
Corri as mãos pela blusa vermelha e apoiei-me ao seu ombro. À nossa volta as pessoas conversavam ou sorriam apenas. As mulheres afloravam com as pontas dos dedos os braços nus, acendiam os cigarros na chama curta e azul dos isqueiros de gáz que os homens lhes estendiam ou que elas tiravam das malas pequenas.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006
Movimentos 10
Foto de Nadav Kander
Era pequeno, preto, com uma espécie de crista. Ficava-se a olhá-lo durante muito tempo esquecida de tudo numa estranha amnésia consciente, quase que construída de propósito, os olhos fixos no aquário de vidro grosso, uma bola enorme, transparente, a um canto, quase encostado ao cinzeiro do lado esquerdo da parede perto da varanda mergulhada no sol. Fixava-o absorta e imóvel como se tudo dependesse daqueles movimentos circulares em redor do vidro ou do ruído quase imperceptível da água. Atenta, as mãos mergulhadas nos cabelos; apoiadas nos malares salientes; tinha nos olhos um ar perdido, absorto, ávido. Por isso mesmo ávido.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Nadav Kander
Era pequeno, preto, com uma espécie de crista. Ficava-se a olhá-lo durante muito tempo esquecida de tudo numa estranha amnésia consciente, quase que construída de propósito, os olhos fixos no aquário de vidro grosso, uma bola enorme, transparente, a um canto, quase encostado ao cinzeiro do lado esquerdo da parede perto da varanda mergulhada no sol. Fixava-o absorta e imóvel como se tudo dependesse daqueles movimentos circulares em redor do vidro ou do ruído quase imperceptível da água. Atenta, as mãos mergulhadas nos cabelos; apoiadas nos malares salientes; tinha nos olhos um ar perdido, absorto, ávido. Por isso mesmo ávido.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006
LOS ANGELES 1955-1985
O Centro Pompidou inaugura no próximo dia 8 de Março a grande exposição LOS ANGELES 1955-1985 que mostrará o panorama da cena artística em Los Angeles durante as décadas de 50, 60, 70 e 80. A exposição conta com 350 obras de 85 artistas. Trata-se de uma das maiores exposições organizadas pelo Pompidou. Poderá ser vista, em Paris, até 17 de Julho.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2006
A ler
Obrigatóriamente, A nobre arte de comer restos, texto hilariante de Tiago de Oliveira Cavaco no Comedor de gafanhotos.
Obrigatóriamente, A nobre arte de comer restos, texto hilariante de Tiago de Oliveira Cavaco no Comedor de gafanhotos.
Silvio Wolf
A Galleria Gottardo, em Lugano, é o espaço cultural da Banca del Gottardo, parceiro de referência da Fundação Peggy Guggenheim. A exposição Paradiso de Silvio Wolf é constituída por dois núcleos: The Truth, um conjunto de fotografias e The Treasure, um vídeo. Ambas as situações interagem com o espaço interior desenhado por Mario Botta e participam dos conceitos, já explorados anteriormente por Wolf, de vazio e ausência. Até 6 de Maio.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006
Anselm Kiefer
No Musée d'art contemporain de Montréal a primeira grande retrospectiva da obra de Anselm Kiefer no Canadá. A exposição Ciel et Terre é constituída por cerca de 50 obras, de 1969 a 2005, de pintura, escultura, livros e obras sobre papel. Anselm Kiefer é, sem dúvida um dos maiores artistas contemporâneos vivos. Para os meus leitores do Canadá e dos Estados Unidos aqui fica esta sugestão. Obrigatório ver até 11 de Abril.
O odor
O seu perfume estende-se por toda a casa. Não o perfume exterior, fictício, que dentro dos pequenos frascos se detém, se concentra, ou que nos grandes se dilui, se subtiliza. É antes um odor forte, intenso: um perfume inconfundível, obcecante. Ergue a cabeça, move os braços, as pernas, e ele solta-se, devagar, envolvente, macio. Escapava-se-lhe da pele, da vagina, para se enroscar nos outros, nas coisas, para invadir a casa, aveludado, tenso, vibrante.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
sábado, 18 de fevereiro de 2006
Hans Bellmer
Anatomie du désir é o título da exposição que o Centro Pompidou consagra a Hans Bellmer (1902-1975), um dos artistas importantes do movimento surrealista. Constituída por cerca de 250 obras — esculturas-objectos, fotografia, pintura e, sobretudo, desenhos — esta exposição centra-se na anatomia do desejo, temática cara a Hans Bellmer que desenvolve uma obra violenta e subversiva com uma escrita gráfica digna dos grandes desenhadores maneiristas. Inaugura a 1 de Março e pode ser vista até 22 de Maio.
Questão curiosa
Levantada ontem pelo Blasfémias: Se um cidadão tiver no quintal um poço e utilizar essencialmente energia solar, poderá a sua habitação ser considerada «devoluta», para efeitos fiscais?
Levantada ontem pelo Blasfémias: Se um cidadão tiver no quintal um poço e utilizar essencialmente energia solar, poderá a sua habitação ser considerada «devoluta», para efeitos fiscais?
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006
Correio da Cassini
Dione perseguida pelos dois irmãos, Prometeus e Epimeteus. Alinhados nos anéis de Cronos. Intimidades...
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006
Memória
Aplicável a diversos problemas da actualidade, o magnífico post de Tiago de Oliveira Cavaco no Voz do deserto:
O homem que se esquecia que tinha uma adundante vida sexual
Havia um homem que padecia de um problema: após ter relações sexuais esquecia-se. Ou seja. Com o orgasmo vinha não o sono mas a desmemória. A sua esposa, que até apreciava adormecer à mesma velocidade do homem, começava a preocupar-se. Isto porque durante o dia o marido vivia infeliz. Apesar de ter uma abundante vida sexual estava convencido do oposto. Que não praticava. Como a maioria dos católicos do país.
No emprego o homem pensava na noite anterior procurando vestígios de efervescência carnal e nada. Perante uma recordação nula o homem julgava-se portador de um corpo por satisfazer. Resultado: ao chegar a casa recriminava a mulher. A mulher julgava estar no meio de uma charada. Mas como era paciente atendia os pedidos e proporcionava ao queixoso marido noites de ímpar desfrute dos sentidos. No dia seguinte a cena repetia-se.
Este casal tinha, como pode ser antecipado, um índice de actividade sexual verdadeiramente invulgar. Acima de qualquer família chilena na Primavera. A ironia era a inexistência de consenso entre os próprios praticantes da modalidade. O marido, campeão de infinitas erecções, ao olhar-se ao espelho via-se pré-adolescente. Rabiscando nas valas do quotidiano possibilidades de maturação libidinal. A sua infelicidade era crescente.
Um dia o homem que se esquecia que tinha uma abundante vida sexual divorciou-se da sua mulher. Ambos à beira de esgotamentos nervosos. Junto dos seus amigos o homem justificava a quebra matrimonial por razões de incompatibilidade física. Junto das suas amigas a mulher justificava a quebra matrimonial por razões de incompatibilidade mental. Casar pode ser um acto colectivo. O divórcio é sempre individual. Uma coisa da modernidade e dos efeitos do existencialismo nas sociedades ocidentais.
Claro que há uma moral nesta história. E não tem nada a ver com supostamente o cérebro ser o verdadeiro orgão sexual. Em verdade, em verdade vos digo que o corpo é importante mas a memória é sagrada. Como teria sido diferente o destino do homem que se esquecia que tinha uma abundante vida sexual se o soubesse.
Aplicável a diversos problemas da actualidade, o magnífico post de Tiago de Oliveira Cavaco no Voz do deserto:
O homem que se esquecia que tinha uma adundante vida sexual
Havia um homem que padecia de um problema: após ter relações sexuais esquecia-se. Ou seja. Com o orgasmo vinha não o sono mas a desmemória. A sua esposa, que até apreciava adormecer à mesma velocidade do homem, começava a preocupar-se. Isto porque durante o dia o marido vivia infeliz. Apesar de ter uma abundante vida sexual estava convencido do oposto. Que não praticava. Como a maioria dos católicos do país.
No emprego o homem pensava na noite anterior procurando vestígios de efervescência carnal e nada. Perante uma recordação nula o homem julgava-se portador de um corpo por satisfazer. Resultado: ao chegar a casa recriminava a mulher. A mulher julgava estar no meio de uma charada. Mas como era paciente atendia os pedidos e proporcionava ao queixoso marido noites de ímpar desfrute dos sentidos. No dia seguinte a cena repetia-se.
Este casal tinha, como pode ser antecipado, um índice de actividade sexual verdadeiramente invulgar. Acima de qualquer família chilena na Primavera. A ironia era a inexistência de consenso entre os próprios praticantes da modalidade. O marido, campeão de infinitas erecções, ao olhar-se ao espelho via-se pré-adolescente. Rabiscando nas valas do quotidiano possibilidades de maturação libidinal. A sua infelicidade era crescente.
Um dia o homem que se esquecia que tinha uma abundante vida sexual divorciou-se da sua mulher. Ambos à beira de esgotamentos nervosos. Junto dos seus amigos o homem justificava a quebra matrimonial por razões de incompatibilidade física. Junto das suas amigas a mulher justificava a quebra matrimonial por razões de incompatibilidade mental. Casar pode ser um acto colectivo. O divórcio é sempre individual. Uma coisa da modernidade e dos efeitos do existencialismo nas sociedades ocidentais.
Claro que há uma moral nesta história. E não tem nada a ver com supostamente o cérebro ser o verdadeiro orgão sexual. Em verdade, em verdade vos digo que o corpo é importante mas a memória é sagrada. Como teria sido diferente o destino do homem que se esquecia que tinha uma abundante vida sexual se o soubesse.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
Movimentos 1
Apertei mais a tua mão presa na minha e senti-te súbitamente longe. Dobrei mais ainda os dedos sobre os teus quase fincando as unhas, sentindo a pele quente, os dedos compridos, firmes, toda a tua mão como que todo o teu corpo. A saudade, a distância do teu corpo, a distância da tua mão ali na minha. O teu perfil recorta-se na quase total escuridão da sala. Desvio os olhos de ti e fixo-os no écran brilhante, luminoso; o teu perfil persiste sobrepondo-se à rapariga que canta, de pés mus, com umas calças justas, prateadas, e um boné igual no alto da cabeça. Súbitamente distante encolho-me e sinto-me tão só que aperto mais os dedos sobre os teus numa espécie de arrepio e torno-te a olhar o perfil correcto desenhado e frio na obscuridade da sala. Nos meus ombros a ausência do teu braço cria um vazio, uma ferida, uma cicatriz dolorosa. Aliso com uma das mãos a saia sobre as coxas e com a outra aperto mais a tua, presa na minha.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Apertei mais a tua mão presa na minha e senti-te súbitamente longe. Dobrei mais ainda os dedos sobre os teus quase fincando as unhas, sentindo a pele quente, os dedos compridos, firmes, toda a tua mão como que todo o teu corpo. A saudade, a distância do teu corpo, a distância da tua mão ali na minha. O teu perfil recorta-se na quase total escuridão da sala. Desvio os olhos de ti e fixo-os no écran brilhante, luminoso; o teu perfil persiste sobrepondo-se à rapariga que canta, de pés mus, com umas calças justas, prateadas, e um boné igual no alto da cabeça. Súbitamente distante encolho-me e sinto-me tão só que aperto mais os dedos sobre os teus numa espécie de arrepio e torno-te a olhar o perfil correcto desenhado e frio na obscuridade da sala. Nos meus ombros a ausência do teu braço cria um vazio, uma ferida, uma cicatriz dolorosa. Aliso com uma das mãos a saia sobre as coxas e com a outra aperto mais a tua, presa na minha.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006
Diferenças
Neste momento, em Madrid, no ARCO está exposta esta obra de Oscar Seco. O único comentário que merece é que é uma obra menor, um verdadeiro cócó, que nada traz de novo a não ser uma má entendida leitura da linguagem do simbólico. Que eu saiba ninguém deu quilos de ouro pela cabeça de Oscar Seco.
A ler
No Blasfémias:
Erro de casting
Ontem em entrevista à Sic, Freitas do Amaral disse que quis abalar as consciências e atacar o políticamente incorrecto com o seu comunicado. Não sendo essa a função do Ministro dos Negócios Estrangeiros, agradece-se ao Sr. Ministro que pare de brincar com assuntos de estado e sugere-se que abra um blog.
No Blasfémias:
Erro de casting
Ontem em entrevista à Sic, Freitas do Amaral disse que quis abalar as consciências e atacar o políticamente incorrecto com o seu comunicado. Não sendo essa a função do Ministro dos Negócios Estrangeiros, agradece-se ao Sr. Ministro que pare de brincar com assuntos de estado e sugere-se que abra um blog.
Se bem me lembro...
Nunca vi demonstrações de repúdio ou manifestações de qualquer espécie por parte do mundo islâmico quando, em nome de Maomé, se atiraram com dois aviões cheios de gente contra as Torres Gémeas. Estranho, não é?
Nunca vi demonstrações de repúdio ou manifestações de qualquer espécie por parte do mundo islâmico quando, em nome de Maomé, se atiraram com dois aviões cheios de gente contra as Torres Gémeas. Estranho, não é?
Cabeça a prémio
Todos nós corremos o risco de ter a cabeça a prémio. Principalmente se entendermos que estamos em guerra.
Injustiça e falta de solidariedade
Conta-se que, durante a Grande Guerra, quando meio mundo virava as costas aos judeus e o outro meio fazia de conta que eles nunca tinham existido, na Dinamarca ocupada pelas forças nazis foi decretado que, a partir de uma bela manhã, todos os judeus se deveriam identificar nas ruas usando uma estrela de David na lapela dos sobretudos. Nessa manhã, o rei da Dinamarca saíu para o seu matinal passeio de bicicleta pelas ruas de Copenhague com uma estrela de David na lapela do seu sobretudo. Para quem ainda não tenha percebido, fica a nota.
Conta-se que, durante a Grande Guerra, quando meio mundo virava as costas aos judeus e o outro meio fazia de conta que eles nunca tinham existido, na Dinamarca ocupada pelas forças nazis foi decretado que, a partir de uma bela manhã, todos os judeus se deveriam identificar nas ruas usando uma estrela de David na lapela dos sobretudos. Nessa manhã, o rei da Dinamarca saíu para o seu matinal passeio de bicicleta pelas ruas de Copenhague com uma estrela de David na lapela do seu sobretudo. Para quem ainda não tenha percebido, fica a nota.
A estratégia da guerra
"It was no big deal until the Islamic conference when the O.I.C. took a stance against it," said Muhammad el-Sayed Said, deputy director of the Ahram Center for Political and Strategic Studies in Cairo.
Aqui.
"It was no big deal until the Islamic conference when the O.I.C. took a stance against it," said Muhammad el-Sayed Said, deputy director of the Ahram Center for Political and Strategic Studies in Cairo.
Aqui.
O medo
Foto de Robert Wasinger
Soltou-se brandamente e correu pela escada de madeira velha, que estalou numa espécie de gemido contínuo sob a pressa irregular dos seus pés, ainda com a pressão quente das mãos quentes dele nos cabelos, nos seios, nas ancas, nas ancas através da saia; nas pernas o contorno firme das pernas dele, o sulco profundo dos seus dedos a tentar destruir-lhe o tremor quase inconsciente do corpo, o medo de recuar, voltar para trás.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Robert Wasinger
Soltou-se brandamente e correu pela escada de madeira velha, que estalou numa espécie de gemido contínuo sob a pressa irregular dos seus pés, ainda com a pressão quente das mãos quentes dele nos cabelos, nos seios, nas ancas, nas ancas através da saia; nas pernas o contorno firme das pernas dele, o sulco profundo dos seus dedos a tentar destruir-lhe o tremor quase inconsciente do corpo, o medo de recuar, voltar para trás.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006
E então a solidariedade?
Tem sido espantoso verificar a falta de solidariedade entre a classe de jornalistas relativamente à publicação das caricaturas de Maomé. Há jornalistas escondidos, ameaçados de morte, com a cabeça a prémio, pelo simples exercício da liberdade de expressão. De facto, a hipocrisia não tem limites.
Tem sido espantoso verificar a falta de solidariedade entre a classe de jornalistas relativamente à publicação das caricaturas de Maomé. Há jornalistas escondidos, ameaçados de morte, com a cabeça a prémio, pelo simples exercício da liberdade de expressão. De facto, a hipocrisia não tem limites.
Em guerra
Há muito mais de um ano foi publicado neste blog uma carta de Bin Laden ao povo islâmico covocando-o para a guerra santa. Na altura ninguém no ocidente levou à letra essa carta. Dever-se-ía ter levado. Estamos em guerra. E a perdê-la pelo simples facto de não querermos acreditar que estamos em guerra.
Há muito mais de um ano foi publicado neste blog uma carta de Bin Laden ao povo islâmico covocando-o para a guerra santa. Na altura ninguém no ocidente levou à letra essa carta. Dever-se-ía ter levado. Estamos em guerra. E a perdê-la pelo simples facto de não querermos acreditar que estamos em guerra.
Pés de barro
Ouvimos por toda a imprensa falar da civilização islâmica a propósito das caricaturas de Maomé. Mas que civilização? Uma civilização que não sabe conviver com a blasfémia não é uma civilização.
Ouvimos por toda a imprensa falar da civilização islâmica a propósito das caricaturas de Maomé. Mas que civilização? Uma civilização que não sabe conviver com a blasfémia não é uma civilização.
Péter Forgács
The Danube Exodus é um filme de uma hora realizado por Péter Forgács em 1997 e baseado em documentos fílmicos em 8mm obtidos pelo Capitão Nándor Andrásovits (1894–1958), um cineasta amador, comandante da embarcação que transportou, em 1939, os judeus que fugiam à perseguição nazi, através do Danúbio, tentando chegar ao Mar Negro e, a partir daí, à Palestina. Nándor Andrásovits regista, igualmente, em 1940 a fuga, através do Danúbio, dos camponeses alemães quando as tropas soviéticas re-anexam a Bessarabia. O filme de Péter Forgács, projectado em cinco écrans é a peça central de uma instalação que conta com música composta por Tibor Szemzo. Esta obra que está a ser apresentada no Ludwig Museum, em Budapeste, virá, depois do Verão, para Bruxelas.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006
O encontro
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Sem se saber vigiada a mulher aguarda. Olha o relógio, a porta, encosta-se no sofá, olha as pernas sem meias, a porta, o cigarro, as pernas, o relógio e outra vez a porta, a porta da rua que vê através da porta entreaberta da sala.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2006
Hoje
Hoje também eu vou fugir. E não há sonho que me acompanhe. Apenas a vigília clara e opaca como o céu num dia de Verão.
Hoje também eu vou fugir. E não há sonho que me acompanhe. Apenas a vigília clara e opaca como o céu num dia de Verão.
Movimentos 1
Foto de Robert Wasinger
Olha-os fixamente, por segundos. Na claridade extenuante do dia os contornos quase que se dissolvem e as diferenças de plano quase que desaparecem. Não existem saliências curvas, mas sim agudas, ásperas. Olha-os fixamente. O ódio confunde-se-lhe às vezes nos olhos.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Robert Wasinger
Olha-os fixamente, por segundos. Na claridade extenuante do dia os contornos quase que se dissolvem e as diferenças de plano quase que desaparecem. Não existem saliências curvas, mas sim agudas, ásperas. Olha-os fixamente. O ódio confunde-se-lhe às vezes nos olhos.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006
Movimentos 4
Foto de Robert Kueppers
Deitada na cama grita ainda (nada mais a obriga a viver). A outra olha-lhe os peitos e as ancas e tenta reter-lhe as mãos desordenadas que procuram o vácuo à sua roda. Podiam-na ter abandonado lá fora, ao pé da grande árvore, que era o mesmo. Deitada grita ainda mais (nada a pode obrigar a viver). E a outra analisa-lhe o corpo, analisa-lhe o medo: o medo que conhece há anos.
O mesmo vício.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Robert Kueppers
Deitada na cama grita ainda (nada mais a obriga a viver). A outra olha-lhe os peitos e as ancas e tenta reter-lhe as mãos desordenadas que procuram o vácuo à sua roda. Podiam-na ter abandonado lá fora, ao pé da grande árvore, que era o mesmo. Deitada grita ainda mais (nada a pode obrigar a viver). E a outra analisa-lhe o corpo, analisa-lhe o medo: o medo que conhece há anos.
O mesmo vício.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
domingo, 5 de fevereiro de 2006
Things That Fall
Snowflakes
Teardrops
Flower petals
Dirt
Silence
Idols
Ballads
Sleep
Cubism
Coffins
Stores
Shipping Cartons
Utopias
Entropy
Commerce Books
Nesting Bookcases
Words
and
Love stories
Rain
Stars
...e quem quiser que vá acrescentando.
Snowflakes
Teardrops
Flower petals
Dirt
Silence
Idols
Ballads
Sleep
Cubism
Coffins
Stores
Shipping Cartons
Utopias
Entropy
Commerce Books
Nesting Bookcases
Words
and
Love stories
Rain
Stars
...e quem quiser que vá acrescentando.
2 anos
Quando começarmos a reparar que os gestos, cores e formas que os espelhos repetem incessantemente não correspondem exactamente, então as coisas estarão a mudar definitivamente.
Há dois anos atrás, este blog começou assim. No último ano, as quase vinte mil visitas de dezena de locais do mundo inteiro, são seguramente um incentivo. A todos os leitores mas particularmente aos leitores brasileiros e residentes nos Estados Unidos que tanta informação e palavras amáveis me têm feito chegar, o meu muito obrigado.
Quando começarmos a reparar que os gestos, cores e formas que os espelhos repetem incessantemente não correspondem exactamente, então as coisas estarão a mudar definitivamente.
Há dois anos atrás, este blog começou assim. No último ano, as quase vinte mil visitas de dezena de locais do mundo inteiro, são seguramente um incentivo. A todos os leitores mas particularmente aos leitores brasileiros e residentes nos Estados Unidos que tanta informação e palavras amáveis me têm feito chegar, o meu muito obrigado.
sábado, 4 de fevereiro de 2006
A ler
Como muito bem faz notar João Miguel Tavares, hoje no DN, a encíclica Deus Caritas Est é um texto notável de Bento XVI. Pode ser lido na íntegra aqui.
Como muito bem faz notar João Miguel Tavares, hoje no DN, a encíclica Deus Caritas Est é um texto notável de Bento XVI. Pode ser lido na íntegra aqui.
Enganos e desencontros
Foto de Francesca Woodman
(...)
Escrever-te é a maneira de te ter presente
deste satisfação a um amigo e companheiro
pagaste a dívida de amizade e de fraternidade
Por confiar em ti nada perdi
é a ti que quero e não abraços teus
adeus mulher amada mundo meu
Eu digo eu canto e logo o mundo faz-se
ó ave vida momentânea sobre as águas
Chorar eis tudo o que por fim me é possível
antes a sepultura para mim que para ti
eu prefiro seguir-te a enterrar-te
se morres despedimo-nos da vida
pensar-te morta é morte para mim
que a dor que for me chegue sem aviso
tudo menos o meio de ficar no receio
Mas se te perco tu que és a minha esperança
qual é então a esperança que me resta?
(...)
Ruy Belo in Despeço-me da terra da alegria, 1978.
Foto de Francesca Woodman
(...)
Escrever-te é a maneira de te ter presente
deste satisfação a um amigo e companheiro
pagaste a dívida de amizade e de fraternidade
Por confiar em ti nada perdi
é a ti que quero e não abraços teus
adeus mulher amada mundo meu
Eu digo eu canto e logo o mundo faz-se
ó ave vida momentânea sobre as águas
Chorar eis tudo o que por fim me é possível
antes a sepultura para mim que para ti
eu prefiro seguir-te a enterrar-te
se morres despedimo-nos da vida
pensar-te morta é morte para mim
que a dor que for me chegue sem aviso
tudo menos o meio de ficar no receio
Mas se te perco tu que és a minha esperança
qual é então a esperança que me resta?
(...)
Ruy Belo in Despeço-me da terra da alegria, 1978.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006
Muitas vezes só se reconhece a falta de estrada pela falta da ponte.
O vazio
Foto de Robert Asman
A areia havia tomado uma tonalidade baça, amarelada, de marfim, e era pesada e húmida, pesada sem o sol, como se a Lua pesasse nos ombros e nos dedos através dela: grossa, áspera, quase dolorosa, ao mesmo tempo que mole, esponjosa, peganhenta. Tentou sacudi-la do peito, das ancas, dos cabelos. Ajoelhada, via toda aquela extensão vazia... a areia agarrava-se-lhe à pele e ela via toda aquela extensão vazia... De pé voltou-se. De pé sem mesmo o olhar mas a fixá-lo muito como se o visse, como se tivesse de inventar as palavras, como se não soubesse qualquer gesto, afinal sem sequer o fixar mas apenas olhando na sua direcção, parecendo realmente olhá-lo, mas nem o vendo, porém sentindo toda e qualquer partícula do seu corpo, repugnada. Ergueu as mãos, finalmente ergueu as mãos e aproximou-as da cara, aproximou-as da boca, mecânicamente do cabelo, de novo da boca, e deixou-as caír a aflorar as ancas, para as tornar a erguer, indecisa, agora olhando-o realmente, e não a areia, nem o mar, nem os paus das barracas, olhando-o realmente, tendo a total consciência da sua presença, da sua presença estranha de desconhecido, da sua língua estranha a que cerrara os dentes, dos seus olhos estranhos que a fitaram enquanto ia e vinha dentro de si. Curvou-se então e quase sem ruído começou a vomitar sobre a areia.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
Foto de Robert Asman
A areia havia tomado uma tonalidade baça, amarelada, de marfim, e era pesada e húmida, pesada sem o sol, como se a Lua pesasse nos ombros e nos dedos através dela: grossa, áspera, quase dolorosa, ao mesmo tempo que mole, esponjosa, peganhenta. Tentou sacudi-la do peito, das ancas, dos cabelos. Ajoelhada, via toda aquela extensão vazia... a areia agarrava-se-lhe à pele e ela via toda aquela extensão vazia... De pé voltou-se. De pé sem mesmo o olhar mas a fixá-lo muito como se o visse, como se tivesse de inventar as palavras, como se não soubesse qualquer gesto, afinal sem sequer o fixar mas apenas olhando na sua direcção, parecendo realmente olhá-lo, mas nem o vendo, porém sentindo toda e qualquer partícula do seu corpo, repugnada. Ergueu as mãos, finalmente ergueu as mãos e aproximou-as da cara, aproximou-as da boca, mecânicamente do cabelo, de novo da boca, e deixou-as caír a aflorar as ancas, para as tornar a erguer, indecisa, agora olhando-o realmente, e não a areia, nem o mar, nem os paus das barracas, olhando-o realmente, tendo a total consciência da sua presença, da sua presença estranha de desconhecido, da sua língua estranha a que cerrara os dentes, dos seus olhos estranhos que a fitaram enquanto ia e vinha dentro de si. Curvou-se então e quase sem ruído começou a vomitar sobre a areia.
Maria Teresa Horta in Ambas as mãos sobre o corpo, 1970.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006
The Impossible Theatre
Tadeusz Kantor (1915 – 1990) foi um dos mais interessantes artista polacos do século XX. Trabalhando sempre de forma interdisciplinar, Kantor abordou áreas tão distintas como a direcção teatral, o design ou a teorização artística. O centro Barbican, em Londres, presta-lhe agora homenagem mostrando parte significativa da sua obra juntamente com obras de outros quatro artistas polacos contemporâneos: Pawel Althamer, Katarzyna Kozyra, Robert Kusmirowski e Artur Zmijewski.
Inaugura amanhã.
Inaugura amanhã.