sexta-feira, 26 de março de 2004
Euclides, Oitavo Teorema, Optica, pag.164: «Quando colocados a distâncias diferentes, dois objectos não são vistos de acordo com a proporção entre as suas distâncias.»
A prova desta proposição está na demonstração de que a diferença entre as distâncias é superior à que existe entre os ângulos.
Curiosa a forma como, na Antiguidade, a imagem bidimensional, no plano, é tratada. Vitrúvio fala de scenographia como o método de representação perspética dos edifícios numa superfície plana, tanto com objectivos arquitectónicos como teóricos. Vitrúvio distingue, aliás, três termos, a saber: ichonographia, que é a representação de um edifício num plano; orthographia, que é o alçado do edifício; scenographia, que é a sua representação perspética. E, em relação a isto, Panofsky faz um comentário formidável: “Segundo esse texto (Vitrúvio, Cenografia), (...) o arquitecto, esforçando-se por chegar à «pros opsin euruthmia» (proporção de acordo com a impressão visual), ou seja, a forma agradável enquanto impressão subjectiva, deverá debruçar-se sobre os enganos do olhar.”
A prova desta proposição está na demonstração de que a diferença entre as distâncias é superior à que existe entre os ângulos.
Curiosa a forma como, na Antiguidade, a imagem bidimensional, no plano, é tratada. Vitrúvio fala de scenographia como o método de representação perspética dos edifícios numa superfície plana, tanto com objectivos arquitectónicos como teóricos. Vitrúvio distingue, aliás, três termos, a saber: ichonographia, que é a representação de um edifício num plano; orthographia, que é o alçado do edifício; scenographia, que é a sua representação perspética. E, em relação a isto, Panofsky faz um comentário formidável: “Segundo esse texto (Vitrúvio, Cenografia), (...) o arquitecto, esforçando-se por chegar à «pros opsin euruthmia» (proporção de acordo com a impressão visual), ou seja, a forma agradável enquanto impressão subjectiva, deverá debruçar-se sobre os enganos do olhar.”
quinta-feira, 25 de março de 2004
Bom dia.
Curiosidade sobre curiosidade...:
Matila C. Ghyka na sua obra fundamental "O Número de Ouro", Vol. I - Os Ritmos, Cap. IV (A orquestração dos Volumes e a Harmonia Arquitectónica-Números Sólidos e a Duplicação do Cubo), Paris, 1927, dá-nos uma leitura diferente desta aparente oposição entre o sistema euclidiano e o sistema perspético artificial. Com efeito, M. C. Ghyka desvaloriza a contribuição de Euclides, focando a sua atenção nos estudos de Hambidge para concluír que os teóricos do Renascimento, nomeadamente Lucca Paccioli e Alberti, mais não fizeram que recuperar uma tradição pitagórica:
Euclides, cuja teoria das proporções foi copiada em bloco de Eudoxio de Cnido (408-353 a.C.), herdeiro directo do sistema de Teéteto e de Platão, não entendia de outro modo quando distinguia as proporções racionais que se expressam por números das outras que se representam por linhas, superfícies ou sólidos. Esta concepção pitagórico-platónica que Hambidge descobrirá e baptizará de novo com o nome de simetria dinâmica vê-se claramente em Paccioli e Alberti, ao ponto de não parecer uma redescoberta mas uma transmissão contínua.
Curiosamente, mais adiante num sub-capítulo denominado Deformações Ópticas, M. C Ghyka reconhece que «A cadeia de razões e de ritmo poderão ser influenciados por um corte ou ocultação de um elemento, senão mesmo por uma verdadeira deformação perspética», e continua mais à frente, reconhecendo o problema, tropeçando na visão esferóide e tentando substituí-la por uma multitude de planos: A verdade, que os antigos conheciam e que foi redescoberta por Eugène-E. Viollet-le-Duc, é que - excepto se o observador está bastante longe do monumento ou objecto considerado - a imagem discernida não corresponde (como na perspectiva clássica) a uma projecção sobre um plano vertical perpendicular a uma linha que une o olho ao centro da figura ou de simetria do objecto em questão. Segundo a expressão de Borissavlievitch, há deformações óptico-fisiológicas que derivam do facto do olho não ser uma câmara escura, nem sequer uma objectiva fotográfica que capta numa só imagem o objecto formado na retina. A visão não é simultânea; é uma operação composta por imagens sucessivas, e à medida que o olho se eleva, por exemplo, para examinar a fachada vertical de um edifício, não há já um plano vertical de projecção mas uma série de planos perpendiculares aos eixos momentâneos da visão (cada vez mais inclinados, por conseguinte), que dão para esta visão óptico-fisiológica (que ocorre tanto no tempo, ou melhor dito, na duração como no espaço) uma imagem composta pelas projecções fragmentárias sobre estes planos giratórios cuja envolvente é uma superfície curva, cilíndrica, ou melhor, esférica.
Nas soluções que a seguir propõe, o Oitavo Teorema de Euclides continua a ser omitido. Nota-se que Ghyka defende o sistema normativo do Renascimento e, fundamentalmente, a tradição pitagórico-platónica relativamente à qual encontra, de forma fascinante, toda uma cadeia de transmissão até ao séc. XVI.
Curiosidade sobre curiosidade...:
Matila C. Ghyka na sua obra fundamental "O Número de Ouro", Vol. I - Os Ritmos, Cap. IV (A orquestração dos Volumes e a Harmonia Arquitectónica-Números Sólidos e a Duplicação do Cubo), Paris, 1927, dá-nos uma leitura diferente desta aparente oposição entre o sistema euclidiano e o sistema perspético artificial. Com efeito, M. C. Ghyka desvaloriza a contribuição de Euclides, focando a sua atenção nos estudos de Hambidge para concluír que os teóricos do Renascimento, nomeadamente Lucca Paccioli e Alberti, mais não fizeram que recuperar uma tradição pitagórica:
Euclides, cuja teoria das proporções foi copiada em bloco de Eudoxio de Cnido (408-353 a.C.), herdeiro directo do sistema de Teéteto e de Platão, não entendia de outro modo quando distinguia as proporções racionais que se expressam por números das outras que se representam por linhas, superfícies ou sólidos. Esta concepção pitagórico-platónica que Hambidge descobrirá e baptizará de novo com o nome de simetria dinâmica vê-se claramente em Paccioli e Alberti, ao ponto de não parecer uma redescoberta mas uma transmissão contínua.
Curiosamente, mais adiante num sub-capítulo denominado Deformações Ópticas, M. C Ghyka reconhece que «A cadeia de razões e de ritmo poderão ser influenciados por um corte ou ocultação de um elemento, senão mesmo por uma verdadeira deformação perspética», e continua mais à frente, reconhecendo o problema, tropeçando na visão esferóide e tentando substituí-la por uma multitude de planos: A verdade, que os antigos conheciam e que foi redescoberta por Eugène-E. Viollet-le-Duc, é que - excepto se o observador está bastante longe do monumento ou objecto considerado - a imagem discernida não corresponde (como na perspectiva clássica) a uma projecção sobre um plano vertical perpendicular a uma linha que une o olho ao centro da figura ou de simetria do objecto em questão. Segundo a expressão de Borissavlievitch, há deformações óptico-fisiológicas que derivam do facto do olho não ser uma câmara escura, nem sequer uma objectiva fotográfica que capta numa só imagem o objecto formado na retina. A visão não é simultânea; é uma operação composta por imagens sucessivas, e à medida que o olho se eleva, por exemplo, para examinar a fachada vertical de um edifício, não há já um plano vertical de projecção mas uma série de planos perpendiculares aos eixos momentâneos da visão (cada vez mais inclinados, por conseguinte), que dão para esta visão óptico-fisiológica (que ocorre tanto no tempo, ou melhor dito, na duração como no espaço) uma imagem composta pelas projecções fragmentárias sobre estes planos giratórios cuja envolvente é uma superfície curva, cilíndrica, ou melhor, esférica.
Nas soluções que a seguir propõe, o Oitavo Teorema de Euclides continua a ser omitido. Nota-se que Ghyka defende o sistema normativo do Renascimento e, fundamentalmente, a tradição pitagórico-platónica relativamente à qual encontra, de forma fascinante, toda uma cadeia de transmissão até ao séc. XVI.
quarta-feira, 24 de março de 2004
Mais uma pequena curiosidade:
Considerando a máxima de Viator (Jean Pélerin) - "Les quantitez et les distances ont concordables différences" (Toul, 1505/Paris, 1860) - que é fundamentação teórica subjacente à representação perspética moderna desde o Renascimento, sabemos que Euclides, no Oitavo Teorema, previa e anulava esta fundamentação afirmando que a diferença verificada entre duas grandezas iguais, vistas de distâncias diferentes, não era determinada pela proporção dessas distâncias mas sim pela proporção dos ângulos de visão.
Curiosamente, deparamos com o facto de, durante o Renascimento, a tradução de Euclides feita por Zamberto, publicada em Veneza em 1503, ter "corrigido" de maneira subtil a ideia euclidiana e, mais tarde, a tradução de Johannes Pena, publicada em Paris em 1557, ter omitido por completo o Oitavo Teorema substituindo-o pela premissa de que os ângulos não são proporcionais às distâncias. Ora, o que o Oitavo Teorema diz é que a proporção dos tamanhos aparentes é determinada apenas pela proporção dos ângulos e não pelas distâncias.
Curioso...
Considerando a máxima de Viator (Jean Pélerin) - "Les quantitez et les distances ont concordables différences" (Toul, 1505/Paris, 1860) - que é fundamentação teórica subjacente à representação perspética moderna desde o Renascimento, sabemos que Euclides, no Oitavo Teorema, previa e anulava esta fundamentação afirmando que a diferença verificada entre duas grandezas iguais, vistas de distâncias diferentes, não era determinada pela proporção dessas distâncias mas sim pela proporção dos ângulos de visão.
Curiosamente, deparamos com o facto de, durante o Renascimento, a tradução de Euclides feita por Zamberto, publicada em Veneza em 1503, ter "corrigido" de maneira subtil a ideia euclidiana e, mais tarde, a tradução de Johannes Pena, publicada em Paris em 1557, ter omitido por completo o Oitavo Teorema substituindo-o pela premissa de que os ângulos não são proporcionais às distâncias. Ora, o que o Oitavo Teorema diz é que a proporção dos tamanhos aparentes é determinada apenas pela proporção dos ângulos e não pelas distâncias.
Curioso...
Um dia, o meu gato ensinou-me que o tempo não existe.
Bom dia.
Bom dia.
segunda-feira, 22 de março de 2004
CADERNOS DA GRAVURA (6)
Do que ficou dito antes, poder-se-ía (talvez) deduzir: existem dois momentos (ou movimentos) presenciais. Um primeiro que remete para uma atitude pré-filosófica, simples constatação da(s) existência(s) e assumpção da marca. "Estou aqui e isto está aqui comigo". Neste primeiro momento, o mundo é ainda o suporte, a matriz. A marcação dos lugares e a sua sacralização pode eventualmente ser "retirada" e tornada móvel; mais tarde, pessoal.
Mas a própria marcação do lugar suscita "vontade artística". Essa marcação é importante. Aquele lugar é importante. O lugar torna-se suporte dessa intenção. Mas, nesta alteração, perde o seu carácter matricial. Há que inventar outra matriz. Uma matriz anónima, lugar da narrativa.
Mas a própria marcação do lugar suscita "vontade artística". Essa marcação é importante. Aquele lugar é importante. O lugar torna-se suporte dessa intenção. Mas, nesta alteração, perde o seu carácter matricial. Há que inventar outra matriz. Uma matriz anónima, lugar da narrativa.
domingo, 21 de março de 2004
CADERNOS DA GRAVURA (5)
Ainda a multiplicação de imagens.
Num determinado sentido, a coisa gravada desloca-se originalmente do âmbito do objecto estético para ser antes e apenas presença testemunhal. E embora possamos encontrar alguma representação do mundo, não temos relação com nenhum sistema de representação. Só muito mais tarde, o objecto gravado se poderá enquadrar no universo dos objectos estéticos representativos. De início, tem apenas valor simbólico. Há, na sua origem uma espécie de incompatibilidade “fisiológica” com o objecto artístico. A coisa gravada é usada para marcar o lugar mas sem ostentar “vontade artística” no sentido em que Riegl usou este termo. E, como Panofsky observaria mais tarde, a existência de Kunstwollen obriga à criação de sistemas de representação. É interessante também reflectir sobre o carácter determinantemente simbólico da visão psicofisiológica primária, anterior ao desenvolvimento da representação artificial. E, se é verdade que os sistemas de representação artificial do mundo, descrições ao serviço de uma eventual narrativa, inventam um universo normalizado e matemático, também é verdade que este processo nega a visão esferóide e, embora creditando novos conceitos (infinitude, valoração homogénea, quantum continuum), pode ser lido como um processo funcional que, embora não destituído de relação com a aptidão original, de alguma forma a subjuga a um mecanismo normativo.
Podemos encontrar na história do múltiplo dois momentos que se comportam como parentes afastados. Antes de mais, a marcação simbólica do lugar é muito anterior à vontade descritiva do mesmo. E, num primeiro momento, o múltiplo, por transposição (por decalque) apodera-se do carácter simbólico do lugar e provoca a sua “mobilidade” imaginária. Num segundo momento, a descrição ou narrativa do lugar (e aqui o lugar considerado como fenómeno histórico) ganha protagonismo. Esse protagonismo existe até préviamente na marcação histórico-cronológica do lugar enquanto suporte de uma narrativa exterior. Mas, por outro lado, a descrição do lugar suscita a formação de um suporte outro e situa-se no contexto da réplica.
Num determinado sentido, a coisa gravada desloca-se originalmente do âmbito do objecto estético para ser antes e apenas presença testemunhal. E embora possamos encontrar alguma representação do mundo, não temos relação com nenhum sistema de representação. Só muito mais tarde, o objecto gravado se poderá enquadrar no universo dos objectos estéticos representativos. De início, tem apenas valor simbólico. Há, na sua origem uma espécie de incompatibilidade “fisiológica” com o objecto artístico. A coisa gravada é usada para marcar o lugar mas sem ostentar “vontade artística” no sentido em que Riegl usou este termo. E, como Panofsky observaria mais tarde, a existência de Kunstwollen obriga à criação de sistemas de representação. É interessante também reflectir sobre o carácter determinantemente simbólico da visão psicofisiológica primária, anterior ao desenvolvimento da representação artificial. E, se é verdade que os sistemas de representação artificial do mundo, descrições ao serviço de uma eventual narrativa, inventam um universo normalizado e matemático, também é verdade que este processo nega a visão esferóide e, embora creditando novos conceitos (infinitude, valoração homogénea, quantum continuum), pode ser lido como um processo funcional que, embora não destituído de relação com a aptidão original, de alguma forma a subjuga a um mecanismo normativo.
Podemos encontrar na história do múltiplo dois momentos que se comportam como parentes afastados. Antes de mais, a marcação simbólica do lugar é muito anterior à vontade descritiva do mesmo. E, num primeiro momento, o múltiplo, por transposição (por decalque) apodera-se do carácter simbólico do lugar e provoca a sua “mobilidade” imaginária. Num segundo momento, a descrição ou narrativa do lugar (e aqui o lugar considerado como fenómeno histórico) ganha protagonismo. Esse protagonismo existe até préviamente na marcação histórico-cronológica do lugar enquanto suporte de uma narrativa exterior. Mas, por outro lado, a descrição do lugar suscita a formação de um suporte outro e situa-se no contexto da réplica.
sábado, 6 de março de 2004
Continuando a estudar Marc Augé e a sua Teoria da supermodernidade, sinto-me, por vezes, obrigado a regressar a casa e a repôr tudo sob perspectiva:
Diz-se muitas vezes que, em rigor, a filosofia não progride, que ainda nos ocupamos dos mesmos problemas filosóficos de que já se ocupavam os Gregos. Mas os que o dizem não compreendem porque é que isto tem de ser assim. O motivo reside no facto de a nossa linguagem ser a mesma e de continuar a conduzir-nos à formulação dos mesmos problemas. Enquanto continuar a existir um verbo «ser» que parece funcionar como «comer» ou «beber», enquanto tivermos os adjectivos «idêntico», «verdadeiro», «falso», «possível», enquanto continuarmos a falar de um fluir do tempo, de uma vastidão do espaço, etc., etc., continuaremos a tropeçar nas mesmas perplexidades e a olhar espantados para algo que nenhuma explicação parece ser capaz de esclarecer.
L. Wittgenstein, Cultura e Valor, 1931
Diz-se muitas vezes que, em rigor, a filosofia não progride, que ainda nos ocupamos dos mesmos problemas filosóficos de que já se ocupavam os Gregos. Mas os que o dizem não compreendem porque é que isto tem de ser assim. O motivo reside no facto de a nossa linguagem ser a mesma e de continuar a conduzir-nos à formulação dos mesmos problemas. Enquanto continuar a existir um verbo «ser» que parece funcionar como «comer» ou «beber», enquanto tivermos os adjectivos «idêntico», «verdadeiro», «falso», «possível», enquanto continuarmos a falar de um fluir do tempo, de uma vastidão do espaço, etc., etc., continuaremos a tropeçar nas mesmas perplexidades e a olhar espantados para algo que nenhuma explicação parece ser capaz de esclarecer.
L. Wittgenstein, Cultura e Valor, 1931