domingo, 29 de novembro de 2009
Os robalos
Curiosamente, nenhum dos bastiões ambulantes do "estado de direito" se indignou com esta particular violação do segredo de justiça. Ainda há dias, os bastiões rebentavam de fúria ao evocar as "fugas" do processo vindas a público. Se bem percebo, as "fugas" são medonhas quando chegam ao conhecimento geral e divulgam uma imagem desagradável do dr. Vara e sobretudo do eng. Sócrates. As "fugas" são aceitáveis quando permitem aos envolvidos precaverem-se contra as malfeitorias que um ou dois juízes teimosos lhes preparam. O venerável segredo, pois, só deve ser mantido enquanto tal para o cidadão comum, assim poupado a notícias que, em última instância, o levariam a questionar a infinita honestidade dos senhores que nos tutelam.
O engraçado é que não questionam. Ou, se questionam, o resultado é igualmente nulo. Em lugares menos folclóricos, insignificâncias assim já teriam causado a queda de alguma coisa, ou da imprensa que divulga mentiras ou dos visados nos factos que a imprensa relata. Aqui, tudo permanece intacto, provavelmente graças à firme e justificada convicção de que não resta cair mais nada e não há nada para salvar, excepto, suponho, a caixa de robalos.
Alberto Gonçalves (Aqui).
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
A l'image mécanique et instrumentale du langage que nous propose le grand système marchand qui vient étendre son filet sur notre Occident désorienté, à la religion des choses, à l'hypnose de l'objet, à l'idolâtrie, à ce temps qui semble s'être condamné lui-même à n'être plus que le temps circulaire d'une vente à perpétuité, à ce temps où le matérialisme dialectique, effondré, livre passage au matérialisme absolu — j'oppose notre descente en langage muet dans la nuit de la matière de notre corps par les mots et l'expérience singulière que fait chaque parlant, chaque parleur d'ici, d'un voyage dans la parole; j'oppose le savoir que nous avons, qu'il y a, tout au fond de nous, non quelque chose dont nous serions propriétaire (notre parcelle individuelle, notre identité, la prison du moi), mais une ouverture intérieure, un passage parlé.
Chaque terrien d'ici le sait bien, qu'il n'est pas fait que de terre. Et s'il le sait, c'est parce qu'il parle. Nous le savons tous très bien, tout au fond, que l'intérieur est le lieu non du mien, non du moi, mais d'un passage, d'une brèche par où nous saisit un souffle étranger. A l'intérieur de nous, au plus profond de nous, est une voie grande ouverte: nous sommes pour ainsi dire troués, à jour, à ciel ouvert — comme les toitures des cabanes à la fête de soukkot. Nous le savons tous très bien, tout au fond, que la parole existe en nous, hors de tout échange, hors des choses, et même hors de nous.
Valère Novarina in Devant la parole, 1999.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Nous sommes des êtres de mémoire. Chaque individu est habité par son passé, comme chaque peuple est hanté par son histoire. Comment ces mémoires s’interpénètrent ? Comment passer des souvenirs singuliers, les nôtres, ceux qui ne ressemblent qu’à nous, à la mémoire collective, celle que l’on partage ? Comment ces mémoires se construisent, en s’appuyant l’une sur l’autre, sans que l’on ne sache jamais qui, de l’une ou de l’autre, prend la main sur notre avenir ?
Christian Boltanski interroge à travers ses œuvres ces processus de la mémoire, processus qui ne sont pas linéaires, mécanismes qui nous échappent, fuite du temps et dérives de la mémoire. Il place au cœur de cette réflexion un seul point fixe, la mort, celle autour duquel la mémoire individuelle et la mémoire collective se nouent, tragiquement. Elle devient le point à partir duquel chaque mémoire se reconstruit, à la charge de ceux, les contemporains, qui sont les garants d’une survie bien fragile, celle des traces que nous laissons dans leurs souvenirs.
Se souvenir des inconnus
L’œuvre de Christian Boltanski est riche de visages, d’expressions, de regards. Tous, peu ou prou, sont des visages d’anonymes. Des gens que ni l’artiste ni le public ne connaissent. Si l’on considère une œuvre comme Menschlich exposée au Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris en 1998, ce sont des centaines de photos d’individus dont, comme le souligne l’artiste, « on ne savait rien, tous uniques et sans mémoire, sans identité, pas remplaçables et remplacés. » Et pourtant. L’impact de ces visages sur le public est immense. Comme si on se retrouvait face à une famille disparue, la sienne dont on aurait exhumé les derniers vestiges photographique. Ils sont des centaines, mais leur nombre ne fait qu’accentuer la force de chacun d’entre eux pris individuellement. L’artiste réussit un tour de passe-passe métaphysique : les inconnus deviennent familiers.
Cette familiarité est celle de l’universel que l’artiste recherche explicitement : « Il reste seulement des gens dont on peut seulement dire: menschlich, humain. Ils ont été des humains. » Cette humanité qui affleure à la surface de ces nombreux visages met le visiteur dans une situation de recueillement : il est concerné par l’œuvre, pris au piège de sa propre humanité. L’œuvre d’art devient une instance de convocation, elle rappelle chacun à son devoir de mémoire, par-delà ses proches, à l’échelle du genre humain. Cette visée universaliste passe par la multitude pour retrouver le prix de l’unique. A ceux qui ont perdu toute identité, l’artiste redonne une famille, le public.
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Quando ela me pedia que lhe contasse tudo o que fizera durante o dia no jardim-escola, eu, é claro, fazia-o escrupulosamente. Não tinha a pretensão de entender todas as implicações da sua ubiquidade, mas que esta se destinava a descobrir que género de rapazinho eu era quando julgava que ela não estava presente — eis o que era indiscutível. Uma consequência desta fantasia, que subsistiu (sob esta forma particular) até à primeira classe, foi que, verificando não ter alternativa, eu me tornei honesto.
Philip Roth in O Complexo de Portnoy, 1967.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezanove séculos depois, no Sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e diz-lhe com mansa reconvenção e lenta surpresa (estas palavras têm de ser ouvidas, não lidas): "Pero, che!" Matam-no e não sabe que morre para que se repita uma cena.
Jorge Luis Borges, A trama in O Fazedor, 1960.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Einstein afirmou que a melhor definição de loucura é fazer a mesma coisa, uma e outra vez, e ficar à espera de um resultado diferente.
O país é pobre? Obras públicas. A dívida cresce? Obras públicas. A desigualdade? Obras públicas. Crise? Obras públicas. Corrupção? Obras públicas. O país é pobre? Obras públicas.
É só isto o que resta ao governo de Sócrates. Calar os juizes, pressionar os jornais, e obras públicas.
Escreve Luis M. Jorge no Vida breve.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
...que, dado que as escutas são nulas e foram conhecidas via violação do segredo de justiça, vamos todos ter que fingir que não elas não existem.
Vamos fingir que não sabemos que há autoridades judiciais que acham que determinadas conversas do primeiro-ministro podem ser criminalmente relevantes. Vamos fingir que não sabemos que um primeiro-ministro, que já era suspeito de interferir na comunicação social, falou com o vice-presidente de um banco nominalmente privado sobre como ajudar um grupo de comunicação social aliado do governo. Vamos fingir que não ouvimos dizer que Vara e Sócrates discutiram o negócio da TVI.
Para que o fingimento seja credível seremos forçados a fingir que não sabemos que o tal banco nominalmente privado foi tomado por quadros ligados ao Partido Socialista com a ajuda da Caixa Geral de Depósitos. E devemos fingir que o primeiro-ministro não mentiu ao Parlamento sobre o negócio da TVI. No fundo teremos que fingir que José Sócrates não usa o poder de primeiro-ministro para defender os interesses políticos do Partido Socialista e os interesses económicos dos grupos empresariais seus aliados.
(Hoje no Blasfémias)quarta-feira, 11 de novembro de 2009
terça-feira, 10 de novembro de 2009
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobres de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilinguidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé.
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabas, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos infelizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!
Oxford, 1939
Vinicius de Moraes, Balada do Mangue in Poemas , Sonetos e Baladas, 1946.
sábado, 7 de novembro de 2009
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sexta-feira, 6 de novembro de 2009
O processo da indução consiste no facto de supormos válida a lei mais simples, a que se harmoniza com as nossas experiências.
6.3631
Mas a fundamentação deste processo não é lógica, é apenas psicológica.
É óbvio que não existe qualquer razão para se acreditar que ocorrerá de facto o caso mais simples.
6.36311
Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, quer dizer, não sabemos se nascerá.
6.37
Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.
6.371
A concepção moderna do mundo fundamenta-se na ilusão de que as chamadas leis da natureza são a explicação dos fenómenos da natureza.
6.372
Hoje fica-se pelas leis da natureza como algo de intocável, como os antigos ficavam diante de Deus e do Destino.
Ambos têm e não têm razão. A ideia dos antigos era mais clara uma vez que reconheciam um limite claro, enquanto que no novo sistema se tem que dar a aparência de estar tudo esclarecido.
6.373
O mundo é independente da minha vontade.
6.374
Ainda que tudo o que desejamos acontecesse, isto seria apenas, por assim dizer, uma graça do destino, uma vez que não existe uma conexão lógica entre a vontade e o mundo que a garantisse, e a suposta conexão física também não a poderíamos por sua vez desejar.
6.375
Como só há uma necessidade lógica, assim também só há uma impossibilidade lógica.
6.3751
Por exemplo, é impossível que duas cores estejam simultâneamente no mesmo ponto do campo visual, e de facto logicamente impossível, uma vez que isso é excluído pela estrutura lógica das cores.
Vejamos como esta contradição se apresenta na Física: mais ou menos sob a forma de uma partícula não poder simultâneamente ter duas velocidades, i.e., que não pode estar simultâneamente em dois pontos diferentes, i.e., que partículas que estejam em lugares diferentes ao mesmo tempo não podem ser idênticas.
(É óbvio que o produto de duas proposições elementares não pode ser nem uma tautologia nem uma contradição. A proposição segundo a qual um ponto do campo visual tem simultâneamente duas cores diferentes é uma contradição.)
6.4
Todas as proposições têm o mesmo valor.
6.41
O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor — e se existisse não tinha qualquer valor.
Se existe um valor que tenha valor então tem que estar fora do que acontece e do que é. Porque tudo o que acontece e tudo o que é o é por acaso.
Não pode estar no mundo o que o tornaria em não acaso, porque senão seria de novo acaso.
Tem que estar fora do mundo.
6.42
Por isso não pode haver proposições da Ética. As proposições não podem exprimir nada do que é mais elevado.
6.421
É óbvio que a Ética não se pode pôr em palavras.
A Ética é transcendental.
(A Ética e a Estética são Um.)
Ludwig Wittgenstein in Tratado Lógico-Filosófico, 1922.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Era facto que, na altura, a Despesa Pública seria inferior a 10% do PIB.
Lembrei-me desta doutrina de Keynes quando vi hoje, mais uma vez, porventura pela trigésima ou quadragésima vez, este ano, uma brigada a reparar a linha do eléctrico de Sintra para a Praia das Maçãs. Palpita-me mesmo que a brigada estaciona por lá todos os dias.
É verdade que o eléctrico funciona só em dias de grande festa que, por junto, são dois ou três no ano. O préstimo essencial do eléctrico não é transportar gente, é justificar os permanentes arranjos da linha.