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domingo, 29 de novembro de 2009

 

Os robalos

Aos jornalistas que o aguardavam à saída do DIAP de Aveiro, Armando Vara inventariou enfim as oferendas de Manuel Godinho: uma caixa de robalos. Nesta fase dos acontecimentos, já é complicado perceber se o dr. Vara está a ser sincero ou apenas a contribuir empenhadamente para a galhofa em que a "Face Oculta" e derivados se transformaram. O certo, a acreditar nos jornais, é que além dos peixes do sucateiro, o dr. Vara recebeu informações privilegiadas, incluindo o aviso, nos idos de Junho, de que o seu telefone se encontrava sob escuta.

Curiosamente, nenhum dos bastiões ambulantes do "estado de direito" se indignou com esta particular violação do segredo de justiça. Ainda há dias, os bastiões rebentavam de fúria ao evocar as "fugas" do processo vindas a público. Se bem percebo, as "fugas" são medonhas quando chegam ao conhecimento geral e divulgam uma imagem desagradável do dr. Vara e sobretudo do eng. Sócrates. As "fugas" são aceitáveis quando permitem aos envolvidos precaverem-se contra as malfeitorias que um ou dois juízes teimosos lhes preparam. O venerável segredo, pois, só deve ser mantido enquanto tal para o cidadão comum, assim poupado a notícias que, em última instância, o levariam a questionar a infinita honestidade dos senhores que nos tutelam.

O engraçado é que não questionam. Ou, se questionam, o resultado é igualmente nulo. Em lugares menos folclóricos, insignificâncias assim já teriam causado a queda de alguma coisa, ou da imprensa que divulga mentiras ou dos visados nos factos que a imprensa relata. Aqui, tudo permanece intacto, provavelmente graças à firme e justificada convicção de que não resta cair mais nada e não há nada para salvar, excepto, suponho, a caixa de robalos.

Alberto Gonçalves (Aqui).

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

 
Páginas notáveis (15)



Voici que les hommes s'échangent maintenant les mots comme des idoles invisibles, ne s'en forgeant plus qu'une monnaie: nous finirons un jour muets à force de communiquer; nous deviendrons enfin égaux aux animaux, car les animaux n'ont jamais parlé mais toujours communiqué très-très bien. Il n'y a que le mystère de parler qui nous séparait d'eux. A la fin, nous deviendrons des animaux: dressés par les images, hébétés par l'échange de tout, redevenus des mangeurs du monde et une matière pour la mort. La fin de l'histoire est sans parole.
A l'image mécanique et instrumentale du langage que nous propose le grand système marchand qui vient étendre son filet sur notre Occident désorienté, à la religion des choses, à l'hypnose de l'objet, à l'idolâtrie, à ce temps qui semble s'être condamné lui-même à n'être plus que le temps circulaire d'une vente à perpétuité, à ce temps où le matérialisme dialectique, effondré, livre passage au matérialisme absolu — j'oppose notre descente en langage muet dans la nuit de la matière de notre corps par les mots et l'expérience singulière que fait chaque parlant, chaque parleur d'ici, d'un voyage dans la parole; j'oppose le savoir que nous avons, qu'il y a, tout au fond de nous, non quelque chose dont nous serions propriétaire (notre parcelle individuelle, notre identité, la prison du moi), mais une ouverture intérieure, un passage parlé.

Chaque terrien d'ici le sait bien, qu'il n'est pas fait que de terre. Et s'il le sait, c'est parce qu'il parle. Nous le savons tous très bien, tout au fond, que l'intérieur est le lieu non du mien, non du moi, mais d'un passage, d'une brèche par où nous saisit un souffle étranger. A l'intérieur de nous, au plus profond de nous, est une voie grande ouverte: nous sommes pour ainsi dire troués, à jour, à ciel ouvert — comme les toitures des cabanes à la fête de soukkot. Nous le savons tous très bien, tout au fond, que la parole existe en nous, hors de tout échange, hors des choses, et même hors de nous.



Valère Novarina
in Devant la parole, 1999.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

 
Para juntar à colecção

Mais um jornalista afastado por "delito de opinião": Pedro Lomba.
Aqui.


 
Livros esquecidos (25)




Marc Augé não é propriamente um autor esquecido, muito menos desconhecido, pelo menos nos círculos académicos. Ilustre professor de antropologia na Sorbonne, autor de Non-lieux (teoria da super-modernidade), Augé é de leitura obrigatória, mais não seja para os estudantes de antropologia. Les Formes de l'oubli é, no entanto, um interessantíssimo livro — editado em 1998 — que ficou, por assim dizer, um tanto ou quanto perdido na vasta obra académica do autor. Aqui, Augé fala-nos da necessidade de esquecer. O esquecimento é tratado como elemento essencial das sociedades e dos indivíduos. Augé define três formas ou figuras do esquecimento: o regresso, em que a ambição primeira é a de reencontrar o passado perdido, esquecendo o presente; a suspensão, em que se pretende uma redescoberta do presente isolando-o provisoriamente do passado e do futuro; o recomeço cuja ambição é a de reencontrar o futuro esquecendo o passado e criando condições, através do esquecimento, para todos os futuros possíveis, sem previligiar nenhum. Num mundo em que os tempos — passado, presente e futuro — se encontram relativizados e em que memória e esquecimento são protagonistas que trocam de papéis a cada instante, Les Formes de l'oubli é, sem dúvida, uma obra a não esquecer.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

 
A ler

Paulo Marcelo no Cachimbo de Magritte: Aumento de impostos?

 
A ler

Tiago Moreira Ramalho no Corta-fitas: Apanha balas.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

 
Páginas notáveis (14)



Todos os seres humanos se fazem acompanhar de um conjunto de palavras que empregam para justificar as suas acções, as suas crenças e as suas vidas. São as palavras nas quais formulamos o louvor dos nossos amigos e atacamos os nossos inimigos ou nas quais formulamos os nossos projectos a longo prazo, as nossas dúvidas pessoais mais profundas e as nossas mais elevadas esperanças. São as palavras nas quais, por vezes prospectivamente e por vezes retrospectivamente, contamos a história das nossas vidas. Chamarei a essas palavras o «vocabulário final» de uma pessoa.
Esse vocabulário é «final» no sentido em que, se se lançar dúvida sobre o valor dessas palavras, o seu utilizador não tem qualquer recurso argumentativo não circular. Tais palavras constituem o ponto até onde ele pode ir com a linguagem: além delas não há mais do que uma passividade desamparada ou um recurso à força. Uma pequena parte de um vocabulário final é feita de termos delgados, flexíveis e ubíquos, tais como «verdadeiro», «bom», «certo» e «belo». A maior parte contém termos mais espessos, mais rígidos e mais locais, tais como, por exemplo, «Cristo», «Inglaterra», «padrões profissionais», «decência», «amabilidade», «a Revolução», «a Igreja», «progressista», «rigoroso» ou «criativo». Os termos mais locais fazem a maior parte do seviço.


Richard Rorty in Contingência, Ironia e Solidariedade - (4) Ironia privada e esperança liberal, 1989.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

 
Monumenta 2010

Nous sommes des êtres de mémoire. Chaque individu est habité par son passé, comme chaque peuple est hanté par son histoire. Comment ces mémoires s’interpénètrent ? Comment passer des souvenirs singuliers, les nôtres, ceux qui ne ressemblent qu’à nous, à la mémoire collective, celle que l’on partage ? Comment ces mémoires se construisent, en s’appuyant l’une sur l’autre, sans que l’on ne sache jamais qui, de l’une ou de l’autre, prend la main sur notre avenir ?

Christian Boltanski interroge à travers ses œuvres ces processus de la mémoire, processus qui ne sont pas linéaires, mécanismes qui nous échappent, fuite du temps et dérives de la mémoire. Il place au cœur de cette réflexion un seul point fixe, la mort, celle autour duquel la mémoire individuelle et la mémoire collective se nouent, tragiquement. Elle devient le point à partir duquel chaque mémoire se reconstruit, à la charge de ceux, les contemporains, qui sont les garants d’une survie bien fragile, celle des traces que nous laissons dans leurs souvenirs.

Se souvenir des inconnus



L’œuvre de Christian Boltanski est riche de visages, d’expressions, de regards. Tous, peu ou prou, sont des visages d’anonymes. Des gens que ni l’artiste ni le public ne connaissent. Si l’on considère une œuvre comme Menschlich exposée au Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris en 1998, ce sont des centaines de photos d’individus dont, comme le souligne l’artiste, « on ne savait rien, tous uniques et sans mémoire, sans identité, pas remplaçables et remplacés. » Et pourtant. L’impact de ces visages sur le public est immense. Comme si on se retrouvait face à une famille disparue, la sienne dont on aurait exhumé les derniers vestiges photographique. Ils sont des centaines, mais leur nombre ne fait qu’accentuer la force de chacun d’entre eux pris individuellement. L’artiste réussit un tour de passe-passe métaphysique : les inconnus deviennent familiers.

Cette familiarité est celle de l’universel que l’artiste recherche explicitement : « Il reste seulement des gens dont on peut seulement dire: menschlich, humain. Ils ont été des humains. » Cette humanité qui affleure à la surface de ces nombreux visages met le visiteur dans une situation de recueillement : il est concerné par l’œuvre, pris au piège de sa propre humanité. L’œuvre d’art devient une instance de convocation, elle rappelle chacun à son devoir de mémoire, par-delà ses proches, à l’échelle du genre humain. Cette visée universaliste passe par la multitude pour retrouver le prix de l’unique. A ceux qui ont perdu toute identité, l’artiste redonne une famille, le public.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

 
A ler

No 4R - Quarta república: O último a saber!...

 
Finalmente... alguém parte a loiça!

«(...) Mas agora não é possível, agora perdi qualquer receio nessa matéria: porque há de facto um problema de carácter do Primeiro Ministro José Sócrates de que ele próprio é o autor e é o réu confesso.»

António Lobo Xavier na Quadratura do Círculo.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

 
Páginas notáveis (13)



Ela estava tão profundamente implantada na minha consciência que durante o meu primeiro ano de escola eu julguei, tanto quanto me lembro, que cada uma das minhas professoras era a minha mãe disfarçada. Assim que soava o último toque eu precipitava-me para casa, perguntando a mim próprio, enquanto corria, se seria possível chegar ao nosso apartamento antes de ela conseguir transformar-se. Mas ela já estava invariavelmente na cozinha quando eu chegava, pronta a servir-me o leite e as bolachas. Em vez de pôr fim ao meu delírio, no entanto, tal proeza limitou-se a intensificar o meu respeito pelos seus poderes. Aliás, era sempre um alívio não a apanhar entre encarnações, se bem que eu nunca deixasse de tentar; sabia que o meu pai e a minha irmã ignoravam a verdadeira natureza da minha mãe, e o peso da traição que — imaginava eu — recairia sobre mim se alguma vez a apanhasse desprevenida era mais do que eu me sentia capaz de suportar aos cinco anos de idade. Acho que receava mesmo ser morto se porventura a avistasse, vinda a voar da escola, a entrar pela janela do quarto, ou a aparecer membro após membro, saindo de um estado invisível e preenchendo o seu avental.
Quando ela me pedia que lhe contasse tudo o que fizera durante o dia no jardim-escola, eu, é claro, fazia-o escrupulosamente. Não tinha a pretensão de entender todas as implicações da sua ubiquidade, mas que esta se destinava a descobrir que género de rapazinho eu era quando julgava que ela não estava presente — eis o que era indiscutível. Uma consequência desta fantasia, que subsistiu (sob esta forma particular) até à primeira classe, foi que, verificando não ter alternativa, eu me tornei honesto.


Philip Roth in O Complexo de Portnoy, 1967.




terça-feira, 17 de novembro de 2009

 
Fala-se pouco mas... e as asneiras da diplomacia portuguesa?

Aqui, a conferência de imprensa sobre o relatório (conflito de Gaza). E aqui, a votação do relatório. A grande maioria dos países da União Europeia vota contra ou abstem-se (até a Espanha). Veja-se em que "distinta" companhia ficamos.

 
Cartão do cidadão ou o delírio da modernidade socialista

Trata-se de um pequeno plástico para controlar todos os tratamentos médicos que se recebem, onde se recebem, quem os concede e como o faz. Para saber em que escola se andou, durante quanto tempo se andou e designar para que estabelecimento de ensino se irá a seguir. Quanto se declara em termos fiscais, que tipo de trabalho se tem, e para quem é feito. Que propriedades, veículos e contas bancárias podemos ter em nosso nome. Que tipo de compras tentamos apresentar como deduções e em que quantidades. Quem são os progenitores e quanto devem eles receber por existirmos. Quanto devemos nós receber por termos filhos e a quanto teremos direito quando nos reformarmos. Quanto se deve obrigar o nosso empregador a pagar por nos empregar. Onde moramos, onde nascemos, quando nascemos – e, em conjugação com o cada vez mais idêntico irmão passaporte, por onde andamos e por quanto tempo o fazemos. E porquê. As relações amorosas que temos. Onde e quantas vezes votamos. Em que eleições votamos. Quanto mede a nossa estrutura óssea. Como é a nossa geometria facial, a cor do nosso cabelo, da nossa pele, dos nossos olhos. Como assinamos. Num futuro talvez não muito distante, a identificação inconfundível do veículo que conduzimos e da sua exacta localização. Para além das retinas, das íris e das impressões digitais, o nosso código genético. E com isso, as nossas doenças congénitas, as nossas propensões para doenças, comportamentos de dependência, tendências sexuais. Potenciais capacidades cognitivas e problemas psiquiátricos. Prováveis traços de personalidade…

(Sérgio Santos no Insurgente, vindo do My guide to your galaxy)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

 
Páginas notáveis (12)



Para que o horror seja perfeito, César, acossado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais dos seus amigos, descobre entre as caras e as lâminas a de Marco Júnio Bruto, seu protegido, talvez seu filho, e deixa de se defender, exclamando: "Também tu, meu filho!" Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.
Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezanove séculos depois, no Sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e diz-lhe com mansa reconvenção e lenta surpresa (estas palavras têm de ser ouvidas, não lidas): "Pero, che!" Matam-no e não sabe que morre para que se repita uma cena.


Jorge Luis Borges, A trama in O Fazedor, 1960.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

 
Repetição até à exaustão

Einstein afirmou que a melhor definição de loucura é fazer a mesma coisa, uma e outra vez, e ficar à espera de um resultado diferente.

O país é pobre? Obras públicas. A dívida cresce? Obras públicas. A desigualdade? Obras públicas. Crise? Obras públicas. Corrupção? Obras públicas. O país é pobre? Obras públicas.

É só isto o que resta ao governo de Sócrates. Calar os juizes, pressionar os jornais, e obras públicas.

Escreve Luis M. Jorge no Vida breve.


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

 
Vamos todos fingir

...que, dado que as escutas são nulas e foram conhecidas via violação do segredo de justiça, vamos todos ter que fingir que não elas não existem.

Vamos fingir que não sabemos que há autoridades judiciais que acham que determinadas conversas do primeiro-ministro podem ser criminalmente relevantes. Vamos fingir que não sabemos que um primeiro-ministro, que já era suspeito de interferir na comunicação social, falou com o vice-presidente de um banco nominalmente privado sobre como ajudar um grupo de comunicação social aliado do governo. Vamos fingir que não ouvimos dizer que Vara e Sócrates discutiram o negócio da TVI.

Para que o fingimento seja credível seremos forçados a fingir que não sabemos que o tal banco nominalmente privado foi tomado por quadros ligados ao Partido Socialista com a ajuda da Caixa Geral de Depósitos. E devemos fingir que o primeiro-ministro não mentiu ao Parlamento sobre o negócio da TVI. No fundo teremos que fingir que José Sócrates não usa o poder de primeiro-ministro para defender os interesses políticos do Partido Socialista e os interesses económicos dos grupos empresariais seus aliados.

(Hoje no Blasfémias)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

 
Obrigatório ler

Excelente retrato da actual "lama" por Luciano Amaral no Gato do Cheshire: Como se eu fosse muito burro.

 
Livros esquecidos (24)



Poucos dias depois da morte de Lévi-Strauss aqui fica a memória deste Pensamento Selvagem editado em 1962. Aqui, Lévi-Strauss fala-nos do pensamento em estado selvagem em sociedades sem escrita e sem máquinas. Curiosamente, este dito pensamento selvagem não é nem confuso nem desordenado e é possível encontrá-lo muito perto de nós, operando na poesia e na arte e também em diversas formas de cultura popular. Por outro lado, os mitos, os ritos e as crenças surgem-nos como entidades fora dos limites da linguagem mas, ainda assim, geradoras de uma lógica que permite aos homens exercerem domínio e controle sobre o real.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

 
A ler

Hoje, JPP no Abrupto: A decadência do Ocidente.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

 
Berlim

A melhor celebração: a de Miguel Marujo no E Deus criou a mulher. Aqui.

 
Páginas notáveis (11)



Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobres de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilinguidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé.
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabas, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos infelizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!


Oxford, 1939


Vinicius de Moraes, Balada do Mangue in Poemas , Sonetos e Baladas, 1946.

sábado, 7 de novembro de 2009

 
Correio da Cassini



Since the discovery of the plume in 2005, scientists have been captivated by the enigmatic jets. Previous flybys detected water vapor, sodium and organic molecules, but scientists need to know more about the plume's composition and density to characterize the source, possibly a liquid ocean under the moon's icy surface. It would also help them determine whether Enceladus has the conditions necessary for life.

Ler mais aqui.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

 
Porreiro, pá!




 
Páginas notáveis (10)



6.363
O processo da indução consiste no facto de supormos válida a lei mais simples, a que se harmoniza com as nossas experiências.

6.3631
Mas a fundamentação deste processo não é lógica, é apenas psicológica.
É óbvio que não existe qualquer razão para se acreditar que ocorrerá de facto o caso mais simples.

6.36311
Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, quer dizer, não sabemos se nascerá.

6.37
Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.

6.371
A concepção moderna do mundo fundamenta-se na ilusão de que as chamadas leis da natureza são a explicação dos fenómenos da natureza.

6.372
Hoje fica-se pelas leis da natureza como algo de intocável, como os antigos ficavam diante de Deus e do Destino.
Ambos têm e não têm razão. A ideia dos antigos era mais clara uma vez que reconheciam um limite claro, enquanto que no novo sistema se tem que dar a aparência de estar tudo esclarecido.

6.373
O mundo é independente da minha vontade.

6.374
Ainda que tudo o que desejamos acontecesse, isto seria apenas, por assim dizer, uma graça do destino, uma vez que não existe uma conexão lógica entre a vontade e o mundo que a garantisse, e a suposta conexão física também não a poderíamos por sua vez desejar.

6.375
Como só há uma necessidade lógica, assim também só há uma impossibilidade lógica.

6.3751
Por exemplo, é impossível que duas cores estejam simultâneamente no mesmo ponto do campo visual, e de facto logicamente impossível, uma vez que isso é excluído pela estrutura lógica das cores.
Vejamos como esta contradição se apresenta na Física: mais ou menos sob a forma de uma partícula não poder simultâneamente ter duas velocidades, i.e., que não pode estar simultâneamente em dois pontos diferentes, i.e., que partículas que estejam em lugares diferentes ao mesmo tempo não podem ser idênticas.
(É óbvio que o produto de duas proposições elementares não pode ser nem uma tautologia nem uma contradição. A proposição segundo a qual um ponto do campo visual tem simultâneamente duas cores diferentes é uma contradição.)

6.4
Todas as proposições têm o mesmo valor.

6.41
O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor — e se existisse não tinha qualquer valor.
Se existe um valor que tenha valor então tem que estar fora do que acontece e do que é. Porque tudo o que acontece e tudo o que é o é por acaso.
Não pode estar no mundo o que o tornaria em não acaso, porque senão seria de novo acaso.
Tem que estar fora do mundo.

6.42
Por isso não pode haver proposições da Ética. As proposições não podem exprimir nada do que é mais elevado.

6.421
É óbvio que a Ética não se pode pôr em palavras.
A Ética é transcendental.
(A Ética e a Estética são Um.)


Ludwig Wittgenstein in Tratado Lógico-Filosófico, 1922.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

 
Sócrates ou a vergonha da não-resposta


 
Perdas de identidade

As considerações pouco e mal pensadas de um sociólogo. Aqui.
O excerto de André Glucksmann que Vera Futscher publicou no Retrovisor.

 
O buraco negro

Pinho Cardão escreve hoje no Quarta república:
Nos tempos da Grande Depressão de 1929 a 1933, Keynes ensinava que era virtuosa a intervenção do Estado na dinamização do emprego e da economia, mesmo que os funcionários fossem pagos para, consecutivamente, abrir e tapar o mesmo buraco.
Era facto que, na altura, a Despesa Pública seria inferior a 10% do PIB.
Lembrei-me desta doutrina de Keynes quando vi hoje, mais uma vez, porventura pela trigésima ou quadragésima vez, este ano, uma brigada a reparar a linha do eléctrico de Sintra para a Praia das Maçãs. Palpita-me mesmo que a brigada estaciona por lá todos os dias.
É verdade que o eléctrico funciona só em dias de grande festa que, por junto, são dois ou três no ano. O préstimo essencial do eléctrico não é transportar gente, é justificar os permanentes arranjos da linha.
O eléctrico da Praia das Maçãs, melhor, a linha Sintra-Praia das Maçãs, é o buraco de Keynes!...
A comparação é, evidentemente, excessiva. O que corremos, de facto, é o risco de projectos irresponsáveis como o TGV (e não só) virem a ser o eléctrico da Praia das Maçãs mas aí o buraco já não é o de Keynes. É um buraco negro com características semelhantes ao fenómeno cósmico.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

 
A ler

Pierre Assouline: Les Goncourt sensibles à la puissance des femmes.

 
A ler

Veja-se com quem é quem. Operação face oculta no Classepolítica.

 
A ler

O muito interessante texto que Vitor Guerreiro escreveu sobre Cinema e tempo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

 
Livros esquecidos (23)



Originalmente publicada como separata do Boletim do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, As Novas Tecnologias, o Futuro dos Impérios e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, só chega ao público em 1991 nesta pequena edição da Discórdia Editores, edição apoiada pela Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia. Pequena e discreta edição, obra rapidamente esquecida, como não poderia deixar de ser num país que despreza o substancial da sua cultura e valoriza fenómenos acessórios e disléxicos como recentemente a polémica em torno de Saramago que continua, habilmente e sem nenhuma inocência, num tempo marcadamente relativista, a confundir ideias literárias com ideias publicitárias. O que fica para trás, esquecido? Tudo ou quase tudo. Em As Novas Tecnologias, o Futuro dos Impérios e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Fernando Carvalho Rodrigues expõe, de forma notável, a sua tese sobre a entropia da informação em estruturas militares, sociais e económicas, relacionando os valores da informação e a coesão das estruturas. Escrito há 20 anos mas mais actual que nunca, tendo em conta as sucessivas crises dos últimos tempos.

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