quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
Ainda os painéis
"de Nuno Gonçalves"
S. Tomaz de Cantuária?
Recapitulando:
— Tomaz (ou Tomé) assim se chamou por ter nascido no dia de S. Tomé Apóstolo;
— foi diácono;
— retirou-se para uma abadia da Ordem de Cister;
— usava invulgar cilício, milagrosamente recosido por Nossa Senhora;
— um fiolo, ou delgado tubo de vidro, com óleo santo destinado à unção dos Reis, foi-lhe milagrosamente confiado;
— ao pregar, durante as Festas do Natal, anunciou a sua morte — por defender o direito divino contra o poder real;
— a sua cabeça, quebrada com lançadas (os miolos espalharam-se pelo chão), foi a mais venerada das suas relíquias.
_____ _ _____
Qual o étimo de Tomé (ou Tomaz)?
De origem aramaica: tôma, Tomé significa irmão gémeo (em grego: didymus).
S. João assim se refere ao Apóstolo: "Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Didymo" (XXI-2).
Quem era o gémeo do Apóstolo?
_____ _ _____
Procuremos relacionar o enunciado com a discutida obra do desconhecido e genial pintor.
São nítidos na alva do Santo os "regaços" ou "quadratos"; igualmente a aposição do mesmo tecido nos punhos e gola. Tal uso é, na época, particular do clero inglês.
Onde, representação de clérigos portugueses envergando alvas semelhantes?
Segundo a leitura feita, e nunca contestada, das páginas do livro (que não é um evangeliário) mostrado pelo Santo, nelas está escrito:
"O Pai é maior do que eu. E eu vo-lo digo agora antes que aconteça,
para que quando acontecer o acrediteis. Já não falarei muito convosco,
porque vem o Príncipe deste Mundo e ele em mim não tem poder.
Mas para que o mundo conheça que amo o Pai e faço como Ele me
ordenou".
Não está o Arcebispo de Cantuária "falando", tal como o fez nas festas do Natal de 1170, quando profetizou a sua morte, gerada pelo conflito aberto entre ele e o "Príncipe deste Mundo"? (O Santo apresenta-se de manípulo; em 1959 o Revº Padre Dr. António Leite havia lembrado que desde há muitos séculos o manípulo "só se usa nas missas ou cerimónias com ela relacionadas").
Apontámos já as omissões havidas na transcrição dos versículos: o princípio do 28, o final do 31. Se eles estivessem completos (tal deveria verificar-se se o intuito fosse o de mostrar o Evangelho), bem diferente seria a interpretação.
No princípio do 28 está escrito: "Eu vou e venho a vós" — palavras de Jesus anunciando a Sua ressurreição; não podiam ser usadas pelo Arcebispo, nem por outro.
Termina assim o vers. 31: "Levantai-vos, vamo-nos daqui", expressão alheia ao anúncio da morte, estranha ao conflito.
As supressões são sinal certo de que, do Evangelho, só importou transcrever o que foi pintado, não o Evangelho.
As figuras centrais são iguais. Belard da Fonseca afirmou mesmo (1957) que o pintor reproduziu o retrato do Santo "por meio de decalque invertido para outro painel".
Tal duplicidade tem confundido os estudiosos. G. Kaptal escreveu não conhecer outro retábulo onde se repita uma figura em semelhante situação icónica.
As figuras, pois, são iguais, irmãs, gémeas. Mas os estudiosos ainda poderão encontrar, ao mesmo tempo, outra razão para a duplicidade. Por exemplo: dois actos, de rito ou drama.
Nossa Senhora recoseu o cilício do Arcebispo, milagre proclamado. E aos pés do Santo se pintou a corda (o cilício), não para o identificar, mas para memória do facto milagroso. (O pintor — qualquer que ele haja sido — não podia desconhecer a "Legenda Dourada", até ao Concílio de Trento cânone respeitado e seguido por pintores e escultores).
O óleo santo ao Arcebispo entregue, continha-se num fiolo ou delgado tubo de vidro; não é este, revestido de ouro, ou em estojo de ouro, a "vara" que o Santo empunha? (A "vara", símbolo de autoridade, só pode — segundo as convenções iconográficas — ser ostentada por Cristo, Moisés ou S. Pedro.).
Na mesma tábua (consideramos o facto significativo) o pintor deixou memória dos únicos milagres ligados à vida do Arcebispo.
O bocado de crâneo (a "relíquia") não é a corona ou caput sancti Thome, o mais venerado dos restos?
Teria vindo para Portugal tal relíquia? Não sabemos, nem sabê-lo importa muito. Mas sabe-se, por exemplo, que o anel "de oiro com safiras" que ao mártir pertencera, o possui D. Pedro, irmão de D. Afonso II, falecido no ano de 1255. (D. Pedro nasceu em 1187 e faleceu em 1255: No seu testamento, de 9 de Outubro de 1255, entre outras dádivas, deixa a sua "dilectíssima irmã D. Mafalda" todas as pedras preciosas e anéis, menos um "de oiro com safira, que pertencera a S. Tomaz de Cantuária, o qual destina ao Bispo de Maiorca".).
Que pode opor-se à hipótese de ser S. Tomaz, Arcebispo de Cantuária (antes diácono) a dupla figura central dos painéis? O livro do "judeu"? Talvez tal livro não seja mais do que o Talmud ou Bíblia hebraica, como já foi sugerido por alguns investigadores. Só o saberemos quando se ler o que nele está escrito, admitindo que o texto foi pintado para ser entendido. A leitura feita por Belard da Fonseca não é convincente, pois os caracteres pintados são semitas. E não entendemos os impedimentos que se têm posto à representação de um judeu entre cristãos, em Portugal no século XV. À objecção comum: não se pintava um judeu em quadro exposto num templo cristão, responderemos não haver elemento algum que permita afirmar ser o políptico destinado a uma igreja. (E é importante saber se o políptico foi pintado em Portugal, para Portugal (por encomenda), ou ofertado. Sobre estas hipóteses, sabe-se, concretamente, o quê?).
"de Nuno Gonçalves"
S. Tomaz de Cantuária?
(parte 2)
A vida de S. Tomaz é narrada por Jacques de Voragine na "Lenda Dourada" (ou "Legenda Áurea"), célebre agiológio medieval. Escrita no ano de 1255, segundo se presume, cópias manuscritas circularam pelas mãos dos crentes, pobres e ricos. Quando impressa, a obra foi lida apaixonadamente. Em 1917 ainda era reeditada em Paris!
Na "Legenda Dourada" conta-se, do mártir, certo hábito que esteve na origem de milagre retumbante. Macerava-se Tomaz com invulgar cilício, pois com ele não só envolvia o tronco, mas também as pernas, até aos joelhos. Um dia, determinado sacerdote foi injustamente acusado perante o Arcebispo e por este suspenso do seu munus. Tomaz naquele dia deixara o cilício sob o leito, com a intenção de o recoser. Nossa Senhora apareceu então ao sacerdote, e assim lhe falou: vai ter com o Arcebispo, e diz-lhe que Aquela por amor de quem tu celebras missas, lhe recoseu ela própria o cilício que está sob o seu leito.
Apressou-se o sacerdote em contar a Tomaz a visão que tivera. Verificada a verdade, confirmado o prodígio, a interdição foi levantada.
Outro milagre, menos divulgado, preocupou a cristandade no primeiro quartel do séc. XIV, pois serviu a conhecida rivalidade entre Plantagenetas e Capetos — as cortes inglesa e francesa. Contêmo-lo.
Quando se exilou, Tomaz teve no seu retiro uma rara "visita": Nossa Senhora. Na Sua aparição miraculosa, não só lhe predisse a morte por violência, como lhe revelou oculto desígnio de Deus: — um Príncipe inglês (que viria a ser o quinto Rei após Henrique II) deveria ser ungido com um óleo santo, cuja virtude lhe daria poder para conquistar a Terra Santa; os sucessores daquele monarca seriam também ungidos com o precioso e divino óleo. E Nossa Senhora deu ao Arcebispo um fiolo, ou tubo de vidro, contendo o óleo santo.
O fiolo passou das mãos de Tomaz para as de um monge de Saint-Cyprien de Poitiers; aí foi cautelosamente escondido sob uma pedra, na Igreja de S. Jorge, acabando nas mãos de D. João II, duque de Barbante, cunhado de Eduardo II de Inglaterra.
No ano de 1307 o duque foi a Londres assistir à coroação, levando com ele o sagrado óleo.
Sobre a unção real está históricamente documentada a consulta então feita ao Papa João XXII por um enviado do Rei de Inglaterra: Nicolau de Stratton, dominicano, antigo provincial e depois penitenciário da diocese de Winchester.
S. Tomaz está pois ligado a um dos mais importantes actos da idade-média: a unção dos Reis.
Os milagres que sucintamente contámos, são os únicos — ao Santo referidos — que a lenda e a história registaram.
_____ _ _____Na "Legenda Dourada" conta-se, do mártir, certo hábito que esteve na origem de milagre retumbante. Macerava-se Tomaz com invulgar cilício, pois com ele não só envolvia o tronco, mas também as pernas, até aos joelhos. Um dia, determinado sacerdote foi injustamente acusado perante o Arcebispo e por este suspenso do seu munus. Tomaz naquele dia deixara o cilício sob o leito, com a intenção de o recoser. Nossa Senhora apareceu então ao sacerdote, e assim lhe falou: vai ter com o Arcebispo, e diz-lhe que Aquela por amor de quem tu celebras missas, lhe recoseu ela própria o cilício que está sob o seu leito.
Apressou-se o sacerdote em contar a Tomaz a visão que tivera. Verificada a verdade, confirmado o prodígio, a interdição foi levantada.
Outro milagre, menos divulgado, preocupou a cristandade no primeiro quartel do séc. XIV, pois serviu a conhecida rivalidade entre Plantagenetas e Capetos — as cortes inglesa e francesa. Contêmo-lo.
Quando se exilou, Tomaz teve no seu retiro uma rara "visita": Nossa Senhora. Na Sua aparição miraculosa, não só lhe predisse a morte por violência, como lhe revelou oculto desígnio de Deus: — um Príncipe inglês (que viria a ser o quinto Rei após Henrique II) deveria ser ungido com um óleo santo, cuja virtude lhe daria poder para conquistar a Terra Santa; os sucessores daquele monarca seriam também ungidos com o precioso e divino óleo. E Nossa Senhora deu ao Arcebispo um fiolo, ou tubo de vidro, contendo o óleo santo.
O fiolo passou das mãos de Tomaz para as de um monge de Saint-Cyprien de Poitiers; aí foi cautelosamente escondido sob uma pedra, na Igreja de S. Jorge, acabando nas mãos de D. João II, duque de Barbante, cunhado de Eduardo II de Inglaterra.
No ano de 1307 o duque foi a Londres assistir à coroação, levando com ele o sagrado óleo.
Sobre a unção real está históricamente documentada a consulta então feita ao Papa João XXII por um enviado do Rei de Inglaterra: Nicolau de Stratton, dominicano, antigo provincial e depois penitenciário da diocese de Winchester.
S. Tomaz está pois ligado a um dos mais importantes actos da idade-média: a unção dos Reis.
Os milagres que sucintamente contámos, são os únicos — ao Santo referidos — que a lenda e a história registaram.
Recapitulando:
— Tomaz (ou Tomé) assim se chamou por ter nascido no dia de S. Tomé Apóstolo;
— foi diácono;
— retirou-se para uma abadia da Ordem de Cister;
— usava invulgar cilício, milagrosamente recosido por Nossa Senhora;
— um fiolo, ou delgado tubo de vidro, com óleo santo destinado à unção dos Reis, foi-lhe milagrosamente confiado;
— ao pregar, durante as Festas do Natal, anunciou a sua morte — por defender o direito divino contra o poder real;
— a sua cabeça, quebrada com lançadas (os miolos espalharam-se pelo chão), foi a mais venerada das suas relíquias.
Qual o étimo de Tomé (ou Tomaz)?
De origem aramaica: tôma, Tomé significa irmão gémeo (em grego: didymus).
S. João assim se refere ao Apóstolo: "Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Didymo" (XXI-2).
Quem era o gémeo do Apóstolo?
Procuremos relacionar o enunciado com a discutida obra do desconhecido e genial pintor.
São nítidos na alva do Santo os "regaços" ou "quadratos"; igualmente a aposição do mesmo tecido nos punhos e gola. Tal uso é, na época, particular do clero inglês.
Onde, representação de clérigos portugueses envergando alvas semelhantes?
Segundo a leitura feita, e nunca contestada, das páginas do livro (que não é um evangeliário) mostrado pelo Santo, nelas está escrito:
para que quando acontecer o acrediteis. Já não falarei muito convosco,
porque vem o Príncipe deste Mundo e ele em mim não tem poder.
Mas para que o mundo conheça que amo o Pai e faço como Ele me
ordenou".
Não está o Arcebispo de Cantuária "falando", tal como o fez nas festas do Natal de 1170, quando profetizou a sua morte, gerada pelo conflito aberto entre ele e o "Príncipe deste Mundo"? (O Santo apresenta-se de manípulo; em 1959 o Revº Padre Dr. António Leite havia lembrado que desde há muitos séculos o manípulo "só se usa nas missas ou cerimónias com ela relacionadas").
Apontámos já as omissões havidas na transcrição dos versículos: o princípio do 28, o final do 31. Se eles estivessem completos (tal deveria verificar-se se o intuito fosse o de mostrar o Evangelho), bem diferente seria a interpretação.
No princípio do 28 está escrito: "Eu vou e venho a vós" — palavras de Jesus anunciando a Sua ressurreição; não podiam ser usadas pelo Arcebispo, nem por outro.
Termina assim o vers. 31: "Levantai-vos, vamo-nos daqui", expressão alheia ao anúncio da morte, estranha ao conflito.
As supressões são sinal certo de que, do Evangelho, só importou transcrever o que foi pintado, não o Evangelho.
As figuras centrais são iguais. Belard da Fonseca afirmou mesmo (1957) que o pintor reproduziu o retrato do Santo "por meio de decalque invertido para outro painel".
Tal duplicidade tem confundido os estudiosos. G. Kaptal escreveu não conhecer outro retábulo onde se repita uma figura em semelhante situação icónica.
As figuras, pois, são iguais, irmãs, gémeas. Mas os estudiosos ainda poderão encontrar, ao mesmo tempo, outra razão para a duplicidade. Por exemplo: dois actos, de rito ou drama.
Nossa Senhora recoseu o cilício do Arcebispo, milagre proclamado. E aos pés do Santo se pintou a corda (o cilício), não para o identificar, mas para memória do facto milagroso. (O pintor — qualquer que ele haja sido — não podia desconhecer a "Legenda Dourada", até ao Concílio de Trento cânone respeitado e seguido por pintores e escultores).
O óleo santo ao Arcebispo entregue, continha-se num fiolo ou delgado tubo de vidro; não é este, revestido de ouro, ou em estojo de ouro, a "vara" que o Santo empunha? (A "vara", símbolo de autoridade, só pode — segundo as convenções iconográficas — ser ostentada por Cristo, Moisés ou S. Pedro.).
Na mesma tábua (consideramos o facto significativo) o pintor deixou memória dos únicos milagres ligados à vida do Arcebispo.
O bocado de crâneo (a "relíquia") não é a corona ou caput sancti Thome, o mais venerado dos restos?
Teria vindo para Portugal tal relíquia? Não sabemos, nem sabê-lo importa muito. Mas sabe-se, por exemplo, que o anel "de oiro com safiras" que ao mártir pertencera, o possui D. Pedro, irmão de D. Afonso II, falecido no ano de 1255. (D. Pedro nasceu em 1187 e faleceu em 1255: No seu testamento, de 9 de Outubro de 1255, entre outras dádivas, deixa a sua "dilectíssima irmã D. Mafalda" todas as pedras preciosas e anéis, menos um "de oiro com safira, que pertencera a S. Tomaz de Cantuária, o qual destina ao Bispo de Maiorca".).
Que pode opor-se à hipótese de ser S. Tomaz, Arcebispo de Cantuária (antes diácono) a dupla figura central dos painéis? O livro do "judeu"? Talvez tal livro não seja mais do que o Talmud ou Bíblia hebraica, como já foi sugerido por alguns investigadores. Só o saberemos quando se ler o que nele está escrito, admitindo que o texto foi pintado para ser entendido. A leitura feita por Belard da Fonseca não é convincente, pois os caracteres pintados são semitas. E não entendemos os impedimentos que se têm posto à representação de um judeu entre cristãos, em Portugal no século XV. À objecção comum: não se pintava um judeu em quadro exposto num templo cristão, responderemos não haver elemento algum que permita afirmar ser o políptico destinado a uma igreja. (E é importante saber se o políptico foi pintado em Portugal, para Portugal (por encomenda), ou ofertado. Sobre estas hipóteses, sabe-se, concretamente, o quê?).
Se a reprodução destes caracteres não fosse legendada, poderia ser-se tentado a identificá-los com quaisquer duas linhas do chamado "livro do judeu"; mas os caracteres acima reproduzidos são inscrição, em velho árabe (semita), pintada num pote de farmácia sículo-muçulmano, e pode traduzir-se assim: "Glória ao vitorioso".
Diário da guerra (Portugal trespassa-se)
A ler: Manuais escolares feitos com os pés; no Destaques a amarelo.
A ler: Manuais escolares feitos com os pés; no Destaques a amarelo.
terça-feira, 30 de janeiro de 2007
S T A R L I G H T
100 years of film stills
100 years of film stills
Quando nos lembramos de um filme, raramente nos lembramos de sequências completas; memorizamos imagens, stills, desses filmes. São essas imagens poderosas que povoam o nosso imaginário que o Museu de Lousiana, na Dinamarca, mostra agora e até 25 de Fevereiro. De alguma forma, são esses stills que produzem todo o sentido do filme, toda a sua imagética narrativa. O Museu de Louisiana mostra agora mais de 700 stills de filmes do século XX que funcionam como uma espécie de memória colectiva. A ler mais, aqui.
À memória de Rafael Monteiro
Há vinte e poucos anos atrás conheci Rafael Monteiro. Nos anos que se seguiram, cimentámos uma amizade que se regia por longos períodos de silêncio, sempre interrompidos pela alegria profunda do reencontro. De vez em quando, surgia um telefonema inesperado, regra geral alertando-me para um qualquer livro ou para uma ideia que continuava a conversa do jantar de há muitos meses atrás. Os meus telefonemas eram mais frequentes e regulares: preocupava-me a sua saúde, o efizema pulmonar que o atormentava e que muito dificultava a sua vida de mais de setenta anos.
Rafael Monteiro era um sábio. Morava numa casa de pedra dentro do castelo de Sesimbra e havia quem dissesse que não tinha bilhete de identidade. De uma enorme erudição, lia, com facilidade, várias línguas, inclusivé o árabe e o hebraico. A dificuldade não estava nos caracteres, estava nos olhos, cada vez mais debilitados.
De vez em quando, aconteciam coisas estranhas: lembro-me do António Telmo me contar num almoço que tivemos em Lisboa que uma noite, altas horas, apareceu no castelo de Sesimbra um qualquer professor universitário francês que teria viajado até ali à procura do sábio. Rafael encolarizava-se com facilidade. Incomodado a desoras, os seus cães todos a ladrar, correu com o francês dizendo-lhe que o Prestes João não morava ali e que ele era louco.
Durante anos, tínhamos uma espécie de ritual. Jantávamos sempre no dia 22 de Dezembro. Esses jantares eram, para mim, verdadeiras aulas. A conversa prolongava-se horas e, invariavelmente, terminava em casa dele, rodeado de livros, cães e gatos. O Agostinho da Silva tinha por ele uma forte amizade de muitos anos e falava sempre do Rafael com grande deferência.
Um dia, o Rafael Monteiro deixou-nos. E o que ficou, para mim, foi a saudade e uma infinidade de lições por terminar.
Um dos temas que o interessaram profundamente foi o dos painéis de Nuno Gonçalves. Em Janeiro de 1988 ofereceu-me um pequeno opúsculo que editou em 1973 e que tem, justamente, por título Ainda os painéis "de Nuno Gonçalves". Por ter sido muito pouco divulgado, na altura da sua edição e, depois, praticamente esquecido, pareceu-me importante, passados todos estes anos, a sua (re)publicação (em 3 partes), neste caso, digital, deste contributo para uma investigação que vem desde há mais de um século. Embora eu esteja longe de ser um conhecedor profundo da matéria, sempre me pareceu conter, este estudo, algumas ideias absolutamente novas e inesperadas, principalmente em relação às obras que li de José de Figueiredo e Afonso Botelho. Na esperança de que possa, eventualmente, vir a aproveitar a alguns estudiosos do assunto, é este pequeno mas extraordinário estudo que aqui fica divulgado. À memória de Rafael Monteiro.
Há vinte e poucos anos atrás conheci Rafael Monteiro. Nos anos que se seguiram, cimentámos uma amizade que se regia por longos períodos de silêncio, sempre interrompidos pela alegria profunda do reencontro. De vez em quando, surgia um telefonema inesperado, regra geral alertando-me para um qualquer livro ou para uma ideia que continuava a conversa do jantar de há muitos meses atrás. Os meus telefonemas eram mais frequentes e regulares: preocupava-me a sua saúde, o efizema pulmonar que o atormentava e que muito dificultava a sua vida de mais de setenta anos.
Rafael Monteiro era um sábio. Morava numa casa de pedra dentro do castelo de Sesimbra e havia quem dissesse que não tinha bilhete de identidade. De uma enorme erudição, lia, com facilidade, várias línguas, inclusivé o árabe e o hebraico. A dificuldade não estava nos caracteres, estava nos olhos, cada vez mais debilitados.
De vez em quando, aconteciam coisas estranhas: lembro-me do António Telmo me contar num almoço que tivemos em Lisboa que uma noite, altas horas, apareceu no castelo de Sesimbra um qualquer professor universitário francês que teria viajado até ali à procura do sábio. Rafael encolarizava-se com facilidade. Incomodado a desoras, os seus cães todos a ladrar, correu com o francês dizendo-lhe que o Prestes João não morava ali e que ele era louco.
Durante anos, tínhamos uma espécie de ritual. Jantávamos sempre no dia 22 de Dezembro. Esses jantares eram, para mim, verdadeiras aulas. A conversa prolongava-se horas e, invariavelmente, terminava em casa dele, rodeado de livros, cães e gatos. O Agostinho da Silva tinha por ele uma forte amizade de muitos anos e falava sempre do Rafael com grande deferência.
Um dia, o Rafael Monteiro deixou-nos. E o que ficou, para mim, foi a saudade e uma infinidade de lições por terminar.
Um dos temas que o interessaram profundamente foi o dos painéis de Nuno Gonçalves. Em Janeiro de 1988 ofereceu-me um pequeno opúsculo que editou em 1973 e que tem, justamente, por título Ainda os painéis "de Nuno Gonçalves". Por ter sido muito pouco divulgado, na altura da sua edição e, depois, praticamente esquecido, pareceu-me importante, passados todos estes anos, a sua (re)publicação (em 3 partes), neste caso, digital, deste contributo para uma investigação que vem desde há mais de um século. Embora eu esteja longe de ser um conhecedor profundo da matéria, sempre me pareceu conter, este estudo, algumas ideias absolutamente novas e inesperadas, principalmente em relação às obras que li de José de Figueiredo e Afonso Botelho. Na esperança de que possa, eventualmente, vir a aproveitar a alguns estudiosos do assunto, é este pequeno mas extraordinário estudo que aqui fica divulgado. À memória de Rafael Monteiro.
Painel do Arcebispo, Museu Nacional de Arte Antiga
Ainda os painéis
"de Nuno Gonçalves"
S. Tomaz de Cantuária?
(parte 1)
"de Nuno Gonçalves"
S. Tomaz de Cantuária?
(parte 1)
Pareceu-nos oportuna, no ano em que se celebra o 600º aniversário da convenção luso-britânica, a publicação desta "lembrança", da qual deu notícia "A Ilha", suplemento do "Jornal da Madeira".
O desenvolvimento das ideias expressas e a correlativa ampliação da investigação, poderão conduzir os estudiosos ao conhecimento da verdadeira razão que gerou a aliança de dois poderosos Reinos.
"Jtem beatissime pater.
Cum ad ecclesiam Sancti Thome martiris opidi de Tomar, Vlixbonensis diocesis, in (qua) plures venerabilis sanctorum relique honorifice recondite consentur et ad quam etiam propterea prefatus dux singularem deuocionis gerit affectum, copiosa Christi fidelium et, presertim in festiuitate Sancti Jacobi Maioris apostoli, confluat multitudo, ut christifidelium ipsorum augeatur deuocio jpsaque ecclesia in suis structuris et edificijs decencius conserueter ac diuinus cultus propagetur".
(Início da súplica feita pelo Infante D. Henrique ao Papa Eugénio IV, em 1 de Abril de 1434).
Constituem apreciada e valiosa colecção as dezenas de volumes publicados a respeito dos celebrados "painéis" pintados, ao enigmático Nuno Gonçalves atribuídos.
Aqui prestamos homenagem a todos os estudiosos que se ocuparam da controversa questão. De todos havendo lido as obras e recebido ensinamentos, escusamo-nos às habituais notas e citações; no decorrer da leitura, sem dificuldade se verificará o que de um ou de outro tomámos e utilizámos.
Tão conhecidas são dos eruditos e dos curiosos as teses e as hipóteses, os argumentos pró e contra, que esta notícia ou "lembrança" não será prejudicada omitindo-os. Recordaremos, no entanto, alguns dados do problema cuja solução, sempre buscada, apaixonou muitos homens das últimas gerações.
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Após séculos de esquecimento (ou ocultação) foi Columbano — no ano de 1882 — o primeiro a ver as tábuas; logo nelas identificou o Infante D. Henrique pela semelhança flagrante entre o retrato pintado e a iluminura do códice chamado "Crónica da Guiné", da Biblioteca de Paris (Tal identificação é hoje muito contestada, particularmente após os estudos de Conceição Silva, seguidos por Belard da Fonseca). Mas só em 1895, depois dos escritos de Joaquim de Vasconcelos, se tentou identificar o conjunto de retratos (em número de 60), opinando então aquele investigador ser de Santo Eduardo, Rei de Inglaterra, a figura principal (Citamos por transcrição, pois não nos foi possível obter ou ler os trabalhos deste estudioso).
José de Figueiredo, em 1910, no seu livro "O Pintor Nuno Gonçalves", procurou demonstrar ser de S. Vicente a figura central, e a Nuno Gonçalves atribuiu a autoria da obra — apoiando-se no trabalho de Francisco d'Ollanda ("Da Pintura Antiga", 1548), onde este afirma ser aquele o pintor do painel do altar de S. Vicente, na Sé de Lisboa. E para "acertar" as iniciais que firmam as tábuas, com a hipótese, têm aquelas sofrido as mais absurdas interpretações, mantendo-se até hoje indecifráveis.
Estava iniciada a controvérsia, ainda não terminada.
Durante ela, a bela e dupla figura foi identificada com: o Infante D. Fernando; Santa Catarina; Santiago Menor; S. João Evangelista; Rainha Santa Isabel; Cardeal D. Jaime, etc. (Em 1908 já Sampaio Bruno havia identificado o Cardeal D. Jaime no célebre quadro "Fons Vitae", da Santa Casa da Misericórdia do Porto, (Vd. "Portuenses Ilustres", T.III, pág.353 e seg.) identificação esquecida ou ignorada).
Para todas as hipóteses se arquitectaram provas e coligiram documentos, nem sempre convincentes.
Referiremos, finalmente, as magistrais interpretações de Almada Negreiros, Afonso Botelho e Conceição Silva, as deste último publicadas no "Correio Braziliense", de Brasília.
Atentemos na obra genial. Ao leitor interessado e ao erudito sem prejuízos, pedimos o favor de prestar atenção a algumas particularidades — tantas vezes apontadas! — do políptico. São elas:
a) a figura central é dupla e nimbada;
b) na "saia" da alva envergada pelo santo veêm-se, certamente cosidos, bocados do tecido da dalmática: — "regaços" ou "quadratos"; bocados do mesmo tecido estão cosidos nos punhos e na gola;
c) os versículos 28 e 31(cap. XIV) pintados no livro que o santo mostra, estão incompletos: faltam o início do vers. 28 e o final do vers. 31.
O estudo destas particularidades, conjugado com outros conhecimentos, levou-nos à identificação da dupla figura central com S. Tomaz — ou Tomé — Arcebispo de Cantuária.
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S. Tomaz, ou Tomé, nasceu em Londres no dia 21 de Dezembro de 1117, dia dedicado a S. Tomé Apóstolo; daí o nome que no baptismo recebeu.
Foram seus pais Gilberto Becket e uma "sarracena" (filha de emir) convertida ao cristianismo por amor e com o nome de Matilde baptizada.
Tomaz era homem dotado, e Thibaldo, Arcebispo de Cantuária, fê-lo diácono; assim se inicia a sua vida eclesiástica. Quando Rogério, Arcediago, é investido na dignidade de Arcebispo de York, Thibaldo dá a Tomaz o lugar de Rogério.
Era conhecida e notória a amizade que ligava o Rei a Tomaz Becket; e instaram junto de Henrique II para que o fizesse Chanceler, opondo a inteligência de Tomaz à ignorância de alguns conselheiros. Em 1155 Tomaz era Chanceler da Inglaterra.
No ano de 1162 ocorreu a morte de Thibaldo; por vontade do Rei mas com a oposição dos Bispos, Tomaz foi eleito Arcebispo de Cantuária.
Amedronta-o o cargo, e recusa; aceita-o depois, por obediência.
Ordenado então sacerdote, no dia seguinte ao da ordenação é sagrado pelo Bispo de Winchester — assistido por 14 prelados, na presença da Nobreza.
O homem do mundo é agora homem de Deus.
Tomaz abandona todas as riquezas, repartindo com os míseros o próprio vestuário.
Como Arcebispo, participa, no ano de 1163, no Concílio de Tours, e para cumprir as decisões conciliares entra em conflito com o Rei. A discórdia separa-os.
Desgostoso e cansado, sai de Inglaterra (em 1165?), indo para França, onde se recolhe na Abadia de Pontigny, da Ordem de Cister. Mais tarde, graças à intervenção do Rei de França, reconcilia-se com Henrique II, sem desvio, porém, da sua crença, firme na defesa dos seus direitos. E regressa no ano de 1170, após tormentosa viagem.
Ao saber que Tomaz voltara, quatro oficiais do Rei: Reinaldo de Ours, Hugo de Morville, Guilherme de Tracy e Ricardo de Breton, juram matá-lo, na presunção de prestar ao Rei um bom serviço.
Tomaz celebra na sua igreja as festas de Natal. Presciente do trágico destino, pela última vez fala ao seu clero e ao seu povo, na pregação lhes anunciando a sua morte próxima.
Em 29 de Dezembro chegam a Cantuária os assassinos; procuram o Arcebispo no Templo, e aí o matam — junto ao altar, com lançadas na cabeça, no momento da celebração da missa.
Toda a cristandade chorou a morte do mártir; três anos depois, na Primavera de 1173, o Papa Alexandre III inscreve-o no catálogo dos santos, pela bula Redolet Anglia.
S. Luiz, Rei de França, obteve do Rei de Inglaterra (diz-se) parte da cabeça do mártir, depositando-a na Abadia de Royaumont como preciosa relíquia.
O culto por S. Tomaz espalhou-se com prodigiosa rapidez e as peregrinações a Canterbury foram das mais concorridas e das mais célebres.
Das relíquias, merecia especial veneração a corona ou caput sancti Thome — "parte do crâneo do mártir, aquela que havia recebido a unção, quebrada pelas lanças dos assassinos", segundo afirma Raymonde Foreville, a grande historiadora dos Jubileus de S. Tomaz.
Se a cristandade amou o novo santo, uma família lhe devotou particular culto: os poderosos Lencastres.
Quando em 1322, por ordem de Eduardo II, Thomaz de Lencastre foi decapitado, a sua morte foi comparada com a do Arcebispo ("Gaude Thoma, ducum decus, lucerna Lancastriae qui per necem imitaris Thomam Canturiae".) — tornado patrono da Inglaterra e protector por excelência da Casa de Lencastre.
O culto persiste e exalta-se, até à Reforma. Após esta, os protestantes assaltam o túmulo de S. Tomaz, destruindo os seus ossos.
E o mundo começou a esquecer...
Eis o breve esboço da vida e da morte de S. Tomaz de Canterbury, cujas devoção e fama perduraram até aos nossos dias (Lembramos a bela obra de Jean Anouilh: "Becket ou a honra de Deus", levada à cena em Paris no ano de 1959, e o filme — da peça extraído — mais tarde exibido em Lisboa).
segunda-feira, 29 de janeiro de 2007
John Gerrard
A hilger contemporary, uma das mais prestigiadas galerias de Viena, mostra, a partir de amanhã, a primeira exposição individual de John Gerrard. Nascido em 1974 em Dublin, Gerrard trabalha com fotografia e projecções de imagens. A exposição, com o título Dark Portraits apresenta um conjunto de séries de fotografias e projecções em que o artista sublinha as suas motivações e sentidos: o princípio da incerteza e as tradições da tragédia. Mais, aqui.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
I Remember Heaven: Jim Hodges and Andy Warhol
No Contemporary Art Museum St. Louis inaugura hoje I Remember Heaven: Jim Hodges and Andy Warhol, uma exposição que, ao mostrar cerca de 60 obras dos dois artistas, pretende estabelecer uma relação histórica na produção estética desde o início dos anos 60. As obras de Andy Warhol (1928-1987) e de Jim Hodges (nascido em 1957) são mostradas no sentido de entender uma continuidade na produção artística norte-americana. Ler mais aqui.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
A ler
Hoje no DN: A literatura em perigo. Vasco Graça Moura fala de Tzvetan Todorov e toca no problema já aqui falado neste blog, no passado dia 18.
Hoje no DN: A literatura em perigo. Vasco Graça Moura fala de Tzvetan Todorov e toca no problema já aqui falado neste blog, no passado dia 18.
terça-feira, 23 de janeiro de 2007
Ishtar s'éprend de Gilgamesh
Foto de Lilya Corneli
Gilgamesh lava sa tignasse, nettoya son bandeau,
secoua sa chevelure sur son dos,
jeta ses habits sales, en revêtit de propres,
s'enveloppa d'un manteau et ceignit une écharpe.
Quand Gilgamesh eut coiffé son turban,
la noble Ishtar leva les yeux sur la beauté de Gilgamesh:
"Viens, Gilgamesh, sois mon fiancé,
donne-moi, oh! donne-moi les fruits de ton amour:
toi, tu seras mon mari, moi, je serai ta femme.
Je ferai atteler pour moi un char de lazulite et d'or;
ses roues seront d'or, et d'ambre ses cornes.
Tu y attelleras de grands coursiers-tempêtes.
Entre dans notre maison parmi les senteurs de cèdre.
Quand tu entreras dans notre maison,
que les prêtres purificateurs d'Aratta baisent tes pieds,
que soient prosternés devant toi rois, souverains et princes,
qu'ils t'apportent comme tribut les dons de la montagne et du pays;
que tes chèvres mettent bas des triplés, et tes brebis, des agneaux bessons,
que tes poulains, sous la charge, dépassent tes mules,
que tes chevaux, tirant le char, soient fougueaux à la course
et que ton boeuf, sous le joug, n'ait pas son pareil!"
in L'Épopée de Gilgamesh, Tablette VI.
Foto de Lilya Corneli
Gilgamesh lava sa tignasse, nettoya son bandeau,
secoua sa chevelure sur son dos,
jeta ses habits sales, en revêtit de propres,
s'enveloppa d'un manteau et ceignit une écharpe.
Quand Gilgamesh eut coiffé son turban,
la noble Ishtar leva les yeux sur la beauté de Gilgamesh:
"Viens, Gilgamesh, sois mon fiancé,
donne-moi, oh! donne-moi les fruits de ton amour:
toi, tu seras mon mari, moi, je serai ta femme.
Je ferai atteler pour moi un char de lazulite et d'or;
ses roues seront d'or, et d'ambre ses cornes.
Tu y attelleras de grands coursiers-tempêtes.
Entre dans notre maison parmi les senteurs de cèdre.
Quand tu entreras dans notre maison,
que les prêtres purificateurs d'Aratta baisent tes pieds,
que soient prosternés devant toi rois, souverains et princes,
qu'ils t'apportent comme tribut les dons de la montagne et du pays;
que tes chèvres mettent bas des triplés, et tes brebis, des agneaux bessons,
que tes poulains, sous la charge, dépassent tes mules,
que tes chevaux, tirant le char, soient fougueaux à la course
et que ton boeuf, sous le joug, n'ait pas son pareil!"
in L'Épopée de Gilgamesh, Tablette VI.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2007
quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
Les amours d'Ishtar
Foto de Katarzina Widmanska
Quel est-il, ton amant que tu as aimé pour toujours?
Quel est-il, ton rollier qui a pu t'échapper?
Viens, que je te rende responsable du sort de ton amant!
Tu as accepté la responsabilité de le garantir.
Pour Tammuz, l'amant de ta jeunesse,
tu as fixé pour lui une lamentation annuelle.
Tu as aussi aimé le rollier bigarré,
mais tu l'as frappé, tu as brisé ses ailes;
il demeure dans les bois et crie: "Mon aile!"
Tu as aussi aimé le lion, parfait en vigueur;
tu as creusé pour lui sept et sept fosses.
Tu as aussi aimé le cheval, dressé au combat;
pour destin, tu lui as donné le fouet, l'éperon et la bride,
pour destin, tu lui as donné de galoper sept doubles lieues,
pour destin, tu lui as donné de boire l'eau en la troublant,
et pour sa mère Silili, tu as fixé des lamentations.
(...)
sors ta main et touche ma vulve.
in L'Épopée de Gilgamesh, Tablette VI.
Foto de Katarzina Widmanska
Quel est-il, ton amant que tu as aimé pour toujours?
Quel est-il, ton rollier qui a pu t'échapper?
Viens, que je te rende responsable du sort de ton amant!
Tu as accepté la responsabilité de le garantir.
Pour Tammuz, l'amant de ta jeunesse,
tu as fixé pour lui une lamentation annuelle.
Tu as aussi aimé le rollier bigarré,
mais tu l'as frappé, tu as brisé ses ailes;
il demeure dans les bois et crie: "Mon aile!"
Tu as aussi aimé le lion, parfait en vigueur;
tu as creusé pour lui sept et sept fosses.
Tu as aussi aimé le cheval, dressé au combat;
pour destin, tu lui as donné le fouet, l'éperon et la bride,
pour destin, tu lui as donné de galoper sept doubles lieues,
pour destin, tu lui as donné de boire l'eau en la troublant,
et pour sa mère Silili, tu as fixé des lamentations.
(...)
sors ta main et touche ma vulve.
in L'Épopée de Gilgamesh, Tablette VI.
A la belle étoile
A partir do próximo dia 30, durante quatro semanas (até 26 de Fevereiro), do anoitecer ao amanhecer, poderá ver-se em Paris A la belle étoile. Trata-se de uma gigantesca projecção — 64 por 36 metros — na praça frente ao Centro Pompidou. A obra foi encomendada à artista suiça Pipilotti Rist. A imensa projecção de sequências de imagens poderá ser vista na própria praça, onde o espectador se surpreenderá como que imerso nas imagens, bem como dos diversos pisos do Centro Pompidou, onde o espectador terá uma visão global de toda a praça. Como as imagens foram filmadas em contre-plongé, a praça faz efeito de espelho, alterando por completo a noção perspética. Para quem não estiver em Paris, o Pompidou promete no seu site uma intervenção da própria artista. Mais informações nos próximos dias.
Estudos literários
Pierre Assouline fala hoje sobre Tzvetan Todorov e também sobre um abaixo-assinado que corre em França para que os estudos literários nos liceus sejam incentivados. Que reacção teria o nosso Ministério da Educação a uma petição semelhante?
quarta-feira, 17 de janeiro de 2007
A ler
O ser que, para a maioria dos homens, constitui a fonte dos mais vivos prazeres e, até — digamo-lo para vergonha das voluptuosidades filosóficas —, dos mais duradouros; o ser para quem, ou em benefício de quem, tendem todos os esforços deles; esse ser terrível, e incomunicável como Deus (com a diferença de que o infinito não comunica, porque cegaria e esmagaria o finito, ao passo que o ser de que falamos talvez seja incompreensível apenas por nada ter a comunicar); esse ser em que Joseph de Maistre via um belo animal cujas graças alegravam e tornavam mais fácil o jogo da política; para quem e por quem se fazem e desfazem as fortunas; para quem, mas sobretudo por quem os artistas e os poetas compõem as suas mais delicadas jóias; de quem derivam os prazeres mais enervantes e as dores mais fecundantes — a mulher, numa palavra (...).
in O pintor da vida moderna, X, A Mulher, 1863.
A Invenção da Modernidade reúne um conjunto de textos de Baudelaire que vão desde as notas críticas aos Salões de 1846, 1855 e 1859, a outros textos críticos sobre Edgar Poe, Flaubert, Gautier, bem como o ensaio Le Peintre de la vie moderne, publicado no Le Figaro a 26 e 29 de Novembro e 3 de Dezembro de 1863, terminando com os Projectos de prefácios para Les Fleurs du mal, cuja primeira edição surge em 1857.
Com tradução de Pedro Tamen, a edição é da Relógio D'Água.
in O pintor da vida moderna, X, A Mulher, 1863.
A Invenção da Modernidade reúne um conjunto de textos de Baudelaire que vão desde as notas críticas aos Salões de 1846, 1855 e 1859, a outros textos críticos sobre Edgar Poe, Flaubert, Gautier, bem como o ensaio Le Peintre de la vie moderne, publicado no Le Figaro a 26 e 29 de Novembro e 3 de Dezembro de 1863, terminando com os Projectos de prefácios para Les Fleurs du mal, cuja primeira edição surge em 1857.
Com tradução de Pedro Tamen, a edição é da Relógio D'Água.
terça-feira, 16 de janeiro de 2007
Portugal, trespassa-se
"O que se há-de fazer!?"
Um cidadão, residente no concelho de Odemira, foi "colhido por um automóvel" quando seguia - na sua vida - de bicicleta. O seu nome, António José Oliveira. Eram 7.30 da manhã, tinha 57 anos e muitos de trabalho e, sem sorte nenhuma, estava no local errado e na hora errada. Era, do mesmo modo, um cidadão obscuro. Não tinha cunhas, não era conhecido dos jornais, não era doutor nem escrevia em blogs e consta que nunca foi ao Plateau, ou ao Lux. Nada o poderia salvar, portanto. E assim foi. Há momentos, fatais, na nossa vida. Inimagináveis.
O nosso cidadão, foi levado para o SAP de Odemira, que não "dispõe", esclarece, de meios assistenciais, para tamanha gravidade. Passavam 3 horas, entretanto, desde o incidente
[Correia de Campos, algures andava em trabalhos ministeriais, com agarrado séquito emplumado. O trabalho governamental é uma canseira afamada. Uma escravidão solene.]
Ao António José Oliveira, cidadão residente no concelho de Odemira, foi-lhe concedido uma "viatura de emergência e reanimação do INEM", vinda de Beja. Mais 1 hora na espera. Outra, ainda, para "estabilizar a vítima". O padecente era, evidentemente, o próprio cidadão e a putativa "estabilização" - 5 horas passadas - era para "evacuar o ferido por helicóptero", para o Santa Maria. Em Lisboa, capital do império.
Não chegou em vida, o nosso cidadão, ao Hospital de todos os enfermos. 7 horas se passaram. Azar, como se percebe, existir uma única viatura "com apoio médico" em todo o distrito. Infelicidade chamar-se António ... José Oliveira. Infortúnio habitar no distrito de Beja. Viver em Portugal. Ser cidadão europeu.
Entretanto, em fugidia observação à TVI, Correia de Campos, o perturbado político, diz não ter "disponibilidade na agenda para fazer comentários" ao sucedido. O trabalho, afinado, da destruição do SNS assim o exige e (sabe-se) a agenda política nunca acaba. Depois, rezam as croniquetas, ficou curioso para saber se "alguma coisa de errado funcionou". Perfeito de humor, este ministro.
Do mesmo modo, convidado a pronunciar-se sobre o infeliz facto e o apoio assistencial dado, um irmão do nosso cidadão disse à TVI: "O que se há-de fazer!??". E, na verdade, está tudo dito. Que podemos fazer com este ministro, este Ministério, este País? Pode-se saber? Ou já não há salvação?
Hoje no Almocreve das petas.
Um cidadão, residente no concelho de Odemira, foi "colhido por um automóvel" quando seguia - na sua vida - de bicicleta. O seu nome, António José Oliveira. Eram 7.30 da manhã, tinha 57 anos e muitos de trabalho e, sem sorte nenhuma, estava no local errado e na hora errada. Era, do mesmo modo, um cidadão obscuro. Não tinha cunhas, não era conhecido dos jornais, não era doutor nem escrevia em blogs e consta que nunca foi ao Plateau, ou ao Lux. Nada o poderia salvar, portanto. E assim foi. Há momentos, fatais, na nossa vida. Inimagináveis.
O nosso cidadão, foi levado para o SAP de Odemira, que não "dispõe", esclarece, de meios assistenciais, para tamanha gravidade. Passavam 3 horas, entretanto, desde o incidente
[Correia de Campos, algures andava em trabalhos ministeriais, com agarrado séquito emplumado. O trabalho governamental é uma canseira afamada. Uma escravidão solene.]
Ao António José Oliveira, cidadão residente no concelho de Odemira, foi-lhe concedido uma "viatura de emergência e reanimação do INEM", vinda de Beja. Mais 1 hora na espera. Outra, ainda, para "estabilizar a vítima". O padecente era, evidentemente, o próprio cidadão e a putativa "estabilização" - 5 horas passadas - era para "evacuar o ferido por helicóptero", para o Santa Maria. Em Lisboa, capital do império.
Não chegou em vida, o nosso cidadão, ao Hospital de todos os enfermos. 7 horas se passaram. Azar, como se percebe, existir uma única viatura "com apoio médico" em todo o distrito. Infelicidade chamar-se António ... José Oliveira. Infortúnio habitar no distrito de Beja. Viver em Portugal. Ser cidadão europeu.
Entretanto, em fugidia observação à TVI, Correia de Campos, o perturbado político, diz não ter "disponibilidade na agenda para fazer comentários" ao sucedido. O trabalho, afinado, da destruição do SNS assim o exige e (sabe-se) a agenda política nunca acaba. Depois, rezam as croniquetas, ficou curioso para saber se "alguma coisa de errado funcionou". Perfeito de humor, este ministro.
Do mesmo modo, convidado a pronunciar-se sobre o infeliz facto e o apoio assistencial dado, um irmão do nosso cidadão disse à TVI: "O que se há-de fazer!??". E, na verdade, está tudo dito. Que podemos fazer com este ministro, este Ministério, este País? Pode-se saber? Ou já não há salvação?
Hoje no Almocreve das petas.
Bruce Nauman
Inaugura amanhã no Berkeley Art Museum and Pacific Film Archive (BAM/PFA) da Universidade da Califórnia, a exposição A Rose Has No Teeth: Bruce Nauman in the 1960s, que mostra mais de cem obras dos anos 60 de Nauman. Considerado um dos mais importantes artistas norte-americanos vivos, Nauman foi um pioneiro do vídeo, instalação e performance pós-minimalista. A exposição mostra também desenhos, escultura e fotografia. Poderá ser vista até 15 de Abril. Ler mais aqui.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2007
Ainda a propósito da Epopeia de Gilgamesh
Curiosidades: relações com a Bíblia.
Gilgamesh é, sobretudo, o homem que procura a vida e quer escapar à morte. A morte do seu amigo Enkidu fá-lo tomar consciência da sua propria finitude e Gilgamesh parte, assim, à procura daquele que "tinha encontrado a vida", que é o significado babilónico do termo "Uta-napishtim". No seu percurso de sucessivas provas, Gilgamesh, pode ser lido como o primeiro herói trágico da humanidade. Ele quer tornar-se imortal como Ut-napishtim mas uma serpente rouba-lhe a flor da eterna juventude que Gilgamesh tirara do fundo do mar: a flor ante-diluviana. E Gilgamesh reconhece a sua desventura: "a morte é a desgraça da humanidade; depois dela não há nada!" Os pontos de contacto são aqui evidentes entre o Genesis e a epopeia de Gilgamesh: é uma serpente que priva os homens da imortalidade.
The Chaldean Account of Genesis publicado em 1872 a partir da descoberta que George Smith faz da versão babilónica do Dilúvio, leva-nos a crer que a versão bíblica do Dilúvio depende literáriamente da versão babilónica.
Os habitantes da Palestina tinham conhecimento da história de Gilgamesh, cerca de 1400 anos antes de Cristo. A diferença entre as duas versões do Dilúvio, a bíblica e a babilónica, resume-se fundamentalmente ao carácter politeísta, mais rude e grosseiro mas também mais realista da versão babilónica.
Gilgamesh é, sobretudo, o homem que procura a vida e quer escapar à morte. A morte do seu amigo Enkidu fá-lo tomar consciência da sua propria finitude e Gilgamesh parte, assim, à procura daquele que "tinha encontrado a vida", que é o significado babilónico do termo "Uta-napishtim". No seu percurso de sucessivas provas, Gilgamesh, pode ser lido como o primeiro herói trágico da humanidade. Ele quer tornar-se imortal como Ut-napishtim mas uma serpente rouba-lhe a flor da eterna juventude que Gilgamesh tirara do fundo do mar: a flor ante-diluviana. E Gilgamesh reconhece a sua desventura: "a morte é a desgraça da humanidade; depois dela não há nada!" Os pontos de contacto são aqui evidentes entre o Genesis e a epopeia de Gilgamesh: é uma serpente que priva os homens da imortalidade.
The Chaldean Account of Genesis publicado em 1872 a partir da descoberta que George Smith faz da versão babilónica do Dilúvio, leva-nos a crer que a versão bíblica do Dilúvio depende literáriamente da versão babilónica.
Os habitantes da Palestina tinham conhecimento da história de Gilgamesh, cerca de 1400 anos antes de Cristo. A diferença entre as duas versões do Dilúvio, a bíblica e a babilónica, resume-se fundamentalmente ao carácter politeísta, mais rude e grosseiro mas também mais realista da versão babilónica.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
Entretien entre le dieu Soleil, le dieu Adad et Gilgamesh
"Parmi les buffles il a semé le carnage:
il se revêt de leur peau, il mange de la viande.
Il creuse des puits, Gilgamesh, comme il n'y en a jamais eu:
comme toujours, c'est mon vent qui en amène les eaux."
Le Soleil se trouble: on le harcèle!
Il dit à Gilgamesh:
"Gilgamesh, où vagabondes-tu?
La vie que tu poursuis, tu ne la trouveras pas."
Alors Gilgamesh dit au preux Shamash:
"Après avoir marché dans la steppe comme un vagabond, c'est peu de chose que de reposer dans le sein de la terre. Je veux y dormir pour l'éternité!
Que mes yeux voient le Soleil, je veux me soûler de lumière,
que l'ombre s'éloigne de la lumière, autant qu'il se peut!
Quand un mort verrait-il la splendeur du Soleil?"
in L'Épopée de Gilgamesh, dixième tablette, fragment Meissner.
"Parmi les buffles il a semé le carnage:
il se revêt de leur peau, il mange de la viande.
Il creuse des puits, Gilgamesh, comme il n'y en a jamais eu:
comme toujours, c'est mon vent qui en amène les eaux."
Le Soleil se trouble: on le harcèle!
Il dit à Gilgamesh:
"Gilgamesh, où vagabondes-tu?
La vie que tu poursuis, tu ne la trouveras pas."
Alors Gilgamesh dit au preux Shamash:
"Après avoir marché dans la steppe comme un vagabond, c'est peu de chose que de reposer dans le sein de la terre. Je veux y dormir pour l'éternité!
Que mes yeux voient le Soleil, je veux me soûler de lumière,
que l'ombre s'éloigne de la lumière, autant qu'il se peut!
Quand un mort verrait-il la splendeur du Soleil?"
in L'Épopée de Gilgamesh, dixième tablette, fragment Meissner.
terça-feira, 9 de janeiro de 2007
Pequena contribuição para:
HISTÓRIA DA SUBSIDIODEPENDÊNCIA DAS ARTES E DAS LETRAS:
A "POLÍTICA DO ESPÍRITO" DE ANTÓNIO FERRO / SALAZAR
de JPP
Há um outro lado, o reverso da medalha sempre presente. Conheci bem o António Quadros, filho do Ferro. Um dia contou-me uma história invulgar. Perguntou-me: sabe você porque é que o Manuel Cargaleiro e o Ruben A. Leitão tiveram que saír de Portugal? Houve um concurso para a decoração da fachada da Faculdade de Letras. Os projectos foram apresentados em envelope fechado, identificados através de um pseudónimo. O projecto vencedor foi o do jovem Manuel Cargaleiro, documentado com fotografias do Ruben A. que tinha uma paixão por fotografia. O Mestre Almada não terá gostado nada da escolha do vencedor. Terá armado grande "reboliço" no SNI pelo facto do seu projecto não ter sido escolhido. E as pressões foram tantas que o júri deu o dito por não dito, atribuíndo a execução da obra ao Almada e compensando os jovens vencedores com bolsas de estudo para Paris e Londres. A conversa terá sido de tal forma que ambos acharam por bem aceitar.
Conheci bem o Ruben Leitão mas nunca esta conversa veio à baila. Há muitos anos atrás o Manuel Cargaleiro confirmou-me esta história mas sem lhe dar grande importancia. Fica aqui esta curiosidade.
HISTÓRIA DA SUBSIDIODEPENDÊNCIA DAS ARTES E DAS LETRAS:
A "POLÍTICA DO ESPÍRITO" DE ANTÓNIO FERRO / SALAZAR
de JPP
Há um outro lado, o reverso da medalha sempre presente. Conheci bem o António Quadros, filho do Ferro. Um dia contou-me uma história invulgar. Perguntou-me: sabe você porque é que o Manuel Cargaleiro e o Ruben A. Leitão tiveram que saír de Portugal? Houve um concurso para a decoração da fachada da Faculdade de Letras. Os projectos foram apresentados em envelope fechado, identificados através de um pseudónimo. O projecto vencedor foi o do jovem Manuel Cargaleiro, documentado com fotografias do Ruben A. que tinha uma paixão por fotografia. O Mestre Almada não terá gostado nada da escolha do vencedor. Terá armado grande "reboliço" no SNI pelo facto do seu projecto não ter sido escolhido. E as pressões foram tantas que o júri deu o dito por não dito, atribuíndo a execução da obra ao Almada e compensando os jovens vencedores com bolsas de estudo para Paris e Londres. A conversa terá sido de tal forma que ambos acharam por bem aceitar.
Conheci bem o Ruben Leitão mas nunca esta conversa veio à baila. Há muitos anos atrás o Manuel Cargaleiro confirmou-me esta história mas sem lhe dar grande importancia. Fica aqui esta curiosidade.
Ainda a propósito da Epopeia de Gilgamesh
Curiosidades: relações com a poesia homérica
A comparação da Epopeia de Gilgamesh com a poesia homérica, a Ilíada e, sobretudo, a Odisseia é um dado que se impõe naturalmente. Pode-se pôr aqui o problema das influências literárias motivado pela anterioridade da epopeia babilónica. Esta influência, a ter existido, ter-se-ía exercido através dos fenícios mas também dos hititas. Há vários diálogos que apresentam semelhanças tão grandes que parecem ser adaptações a épocas culturais diferentes dos mesmos conteúdos. Por exemplo, o diálogo entre Gilgamesh e a sua mãe Nin.Sun é muito semelhante ao de Aquiles e Tétis na Ilíada. Na Odisseia, a sedução da ninfa Calipso a Ulisses, prometendo-lhe a imortalidade e a eterna juventude, é extremamente semelhante à sedução que a deusa Ishtar exerce sobre Gilgamesh. Herácles encontra as maçãs de ouro no jardim das Hespérides, guardadas por uma serpente. Gilgamesh acaba vencido pela serpente que lhe rouba a rosa da imortalidade retirada do fundo do mar. Tal como na epopeia de Gilgamesh, em que este herói encontra Ut-napishtim, ser eterno a quem os deuses escolheram como sobrevivente do Dilúvio, Hesíodo fala da ilha dos bem-aventurados onde Zeus concedeu aos heróis a vida sem dor e sem sacrifício. Na Odisseia, a descida de Ulisses aos infernos, que acaba por se constituír como um género literário representado sistemáticamente em toda a Antiguidade, e até à Idade Média, tem na epopeia de Gilgamesh o seu exemplo mais antigo.
A comparação da Epopeia de Gilgamesh com a poesia homérica, a Ilíada e, sobretudo, a Odisseia é um dado que se impõe naturalmente. Pode-se pôr aqui o problema das influências literárias motivado pela anterioridade da epopeia babilónica. Esta influência, a ter existido, ter-se-ía exercido através dos fenícios mas também dos hititas. Há vários diálogos que apresentam semelhanças tão grandes que parecem ser adaptações a épocas culturais diferentes dos mesmos conteúdos. Por exemplo, o diálogo entre Gilgamesh e a sua mãe Nin.Sun é muito semelhante ao de Aquiles e Tétis na Ilíada. Na Odisseia, a sedução da ninfa Calipso a Ulisses, prometendo-lhe a imortalidade e a eterna juventude, é extremamente semelhante à sedução que a deusa Ishtar exerce sobre Gilgamesh. Herácles encontra as maçãs de ouro no jardim das Hespérides, guardadas por uma serpente. Gilgamesh acaba vencido pela serpente que lhe rouba a rosa da imortalidade retirada do fundo do mar. Tal como na epopeia de Gilgamesh, em que este herói encontra Ut-napishtim, ser eterno a quem os deuses escolheram como sobrevivente do Dilúvio, Hesíodo fala da ilha dos bem-aventurados onde Zeus concedeu aos heróis a vida sem dor e sem sacrifício. Na Odisseia, a descida de Ulisses aos infernos, que acaba por se constituír como um género literário representado sistemáticamente em toda a Antiguidade, e até à Idade Média, tem na epopeia de Gilgamesh o seu exemplo mais antigo.
Correio da... Opportunity
Panorama from "Cape Verde". Nomes portugueses em Marte. Ver a imagem em detalhe aqui.
Panorama from "Cape Verde". Nomes portugueses em Marte. Ver a imagem em detalhe aqui.
Le Nuage Magellan
Stanislaw Lem publicou, em 1955, um romance de ficção científica intitulado Le Nuage Magellan que conta a história de uma viagem interestelar em que o autor, através de uma análise da sociedade da época projectada no futuro, remete para uma dimensão universal. A descrição de um paraíso comunista no futuro foi considerada obsoleta já na época e torna-se aqui uma metáfora para as questões que os artistas contemporâneos se colocam, hoje em dia, quanto às suas escolhas. Le Nuage Magellan é, assim, o título desta exposição que inaugura amanhã no Centro Pompidou, reunindo as obras de oito artistas — Michael Hakimi, Oskar Hansen, David Maljkovic, Paulina Oÿowska, Dan e Lia Perjovschi, Maya Schweizer e Clemens von Wedemeyer — e que interroga a percepção contemporânea do modernismo, das esvaziadas utopias e das possibilidades do futuro. A exposição poderá ser vista até 9 de Abril e pode-se ter mais informação aqui.
segunda-feira, 8 de janeiro de 2007
Dreamlands Burn
Em 1906, foi organizada a International Winter Exhibition at Mucsarnok/Kunsthalle Budapest mostrando 310 obras, entre pintura, escultura, desenho e gravura de artistas nórdicos — suecos, dinamarqueses, finlandeses e noruegueses. Cem anos depois, o Műcsarnok/Kunsthalle em Budapest mostra as obras de cinquenta artistas nórdicos contemporâneos numa exposição com o título Dreamlands Burn. Esta espécie de reavaliação da identidade cultural e artística nórdica, cem anos volvidos, poderá ser vista desde hoje e até 25 de Fevereiro. Ler mais, aqui.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2007
Correio da Cassini
Os lagos de Titan. Os oceanos de Titan. O recorte da costa. O recorte da terra. Nova terra velha.
terça-feira, 2 de janeiro de 2007
Foto de Lilya Corneli
Le lieu où ils gisaient, il avait
un nom- il n'en avait pas
Ils ne gisaient pas là. Quelque chose
gisait en eux. ils ne voyaient pas à travers.
C'est moi, moi,
je gisais entre vous, j'étais
ouvert, étais
audible, je tendais les doigts vers vous, votre souffle
obéissait, c'est
toujours moi, vous
dormiez n'est-ce pas?
Paul Celan