segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005
Depois de vários mails de protesto, re-publico o texto Notas para uma abordgem do corpo de 11 de Fevereiro de 2004.
NOTAS PARA UMA ABORDAGEM DO CORPO
Quando se aborda o corpo, de uma perspectiva histórica, não nos interessa tanto a história das suas representações mas, antes, a narração dos seus modos de construção. E isto porque a história das representações refere-se sempre ao corpo real considerado como uma entidade sem história – seja o corpo considerado pelas ciências, o corpo enquanto fenómeno, ou o corpo instintivo e reprimido, objecto da psicanálise – enquanto que a história dos seus modos de construção reflete a história dos conceitos sobre o corpo e faz-nos adquirir, nessa reflexão, aquilo a que Foucault chamava “uma densa percepção do presente”.
Dentro desta perspectiva, poder-se-ía pensar primeiro no corpo como medida da distância ou proximidade para com a divindade – da alteração de conceitos na tradição judaico-cristã (a história do corpo feminino associado ao pecado original, da desqualificação da mulher enquanto ser eleito, passando pela interrogação sobre a Virgem, à assexuação dos anjos) – até à negação do corpo como objecto do desejo, próprio do budismo – a negação do desejo como pulsão de vida – ou como origem de todo o sofrimento.
Mas a questão relevante, nesta medida entre o corpo humano e o divino, seria qual a classe de corpo que foi considerada através da história por um guerreiro grego, um místico cristão da Idade Média ou o homem contemporâneo para que haja uma parecença física com o deus venerado ou até para que se entre sensualmente em comunicação com ele. E também, pelo contrário, o que é que na constituição do corpo impede o homem de participar da perfeição divina. Esta última questão leva-nos ao limiar da porta que separa o humano do animal mas também o organismo vivente dos artefactos mecânicos que tentam copiá-lo. E o problema interessante seria aqui conseguir avaliar, ao longo da história, quais as deformidades que atribuímos ao corpo – do homem-lobo ao robot – para conseguir essa utopia da perfeição divina.
Uma segunda aproximação ao problema do corpo poder-se-ía fazer no sentido das relações psicossomáticas: como é que o “dentro” e o “fora” se relacionam ou, colocando a questão numa perspectiva ocidental, o problema da alma. Essa alma, considerada pela cultura ocidental, invisível e imaterial (embora, curiosamente, se lhe atribua qualidades materiais), manifesta-se através do rosto ou dos gestos. E aqui surgiria uma questão interessante que se prende com a história dos mecanismos naturais ou aprendidos para a revelação dessa alma. Ainda mais interessante seria perguntar que gestos ou que disciplina imposta ou adquirida produziria a alma de um guerreiro, de um santo ou do homem contemporâneo. Também interessante seria reflectir em qual o tipo de mecanismos do corpo, naturais ou adquiridos, que pode produzir não apenas a depravação mas aquilo que a cria – ou seja, de que maneira um sentimento como o ódio deixa de ser apenas a consequência do medo universal ao outro para passar a ser uma construção cultural específica (os campos de concentração nazi).
Há também uma articulação fundamental entre o “dentro” e o “fora” na modulação das emoções e, particularmente, na área do erótico. Seria interessante verificar a relação existente entre a singularidade das emoções e o contexto das cerimónias em que se produzem. Não que o erotismo seja artificial mas a realidade é que se produz dentro de determinados ambientes dando origem a uma estilização de movimentos e atitudes, cada uma delas com as suas próprias intensidades e desvios. Esses movimentos da alma poderiam constituír a história dos costumes eróticos ou, em termos mais gerais, a estrutura das emoções sexuais.
Mas, para além do desejo e das exigências da alma, o corpo é também o lugar de um conjunto complexo de sensações e aflições que vêm de um interior obscuro e misterioso mas capaz de influenciar e contaminar o pensamento, na relação do corpo com o mundo exterior. Digamos que poderíamos estar aqui a falar de uma anatomia do psiquismo. Prazer, sofrimento e a noção de finitude, da morte, são inevitáveis passagens na intersecção entre a vida e o pensamento. Nomeadamente, a morte é, sem dúvida, um centro nevrálgico da ritualização da vida, específicamente no vínculo entre o psíquico e o somático.
Uma terceira aproximação seria a de analisar a relação entre o órgão e a função, na medida em que o uso de determinados órgãos ou substâncias corporais são utilizados na história como metáforas para o funcionamento de outras estruturas, sejam elas de carácter social, político ou de outra natureza, bem como até na organização de conceitos do universo. A utilização dos órgãos ou de modelos orgânicos para naturalizar uma instituição política, uma hierarquia social ou um princípio moral, ou até uma ideologia, foi históricamente sempre usada e poder-se-ía dizer que corresponde, de alguma maneira, a um “resto” de pensamento pré-filosófico sempre presente.
A necessidade de, no Ocidente, o poder real justificar a sua legitimidade afirmando que um estado precisa de uma “cabeça” ou de um “coração”. No mundo islâmico, a atribuição ao casamento de um papel de maturação e desenvolvimento ético da mulher num processo em que o orgasmo passa do clítoris para a vagina (de fora para dentro). Ou, ainda, a explicação da tradição do domínio do homem sobre a mulher através do conceito ancestral de se atribuír ao esperma um carácter formativo e ao leite e ao sangue da mulher qualidades meramente alimentícias.
Poder-se-ía ainda, neste contexto, falar da função pensando no destino de determinados corpos a que se conferiu uma específica função como a da perpetuação da vida ou de uma determinada ordem social. Corpos como os dos escravos do Império egípcio ou romano ou os corpos das prostitutas da época vitoriana. Corpos sacrificados com a finalidade de preservar uma energia social ou até uma energia cósmica como o dos sacrificados nos rituais astecas ou, ainda, para promover um determinado crescimento económico.
NOTAS PARA UMA ABORDAGEM DO CORPO
Quando se aborda o corpo, de uma perspectiva histórica, não nos interessa tanto a história das suas representações mas, antes, a narração dos seus modos de construção. E isto porque a história das representações refere-se sempre ao corpo real considerado como uma entidade sem história – seja o corpo considerado pelas ciências, o corpo enquanto fenómeno, ou o corpo instintivo e reprimido, objecto da psicanálise – enquanto que a história dos seus modos de construção reflete a história dos conceitos sobre o corpo e faz-nos adquirir, nessa reflexão, aquilo a que Foucault chamava “uma densa percepção do presente”.
Dentro desta perspectiva, poder-se-ía pensar primeiro no corpo como medida da distância ou proximidade para com a divindade – da alteração de conceitos na tradição judaico-cristã (a história do corpo feminino associado ao pecado original, da desqualificação da mulher enquanto ser eleito, passando pela interrogação sobre a Virgem, à assexuação dos anjos) – até à negação do corpo como objecto do desejo, próprio do budismo – a negação do desejo como pulsão de vida – ou como origem de todo o sofrimento.
Mas a questão relevante, nesta medida entre o corpo humano e o divino, seria qual a classe de corpo que foi considerada através da história por um guerreiro grego, um místico cristão da Idade Média ou o homem contemporâneo para que haja uma parecença física com o deus venerado ou até para que se entre sensualmente em comunicação com ele. E também, pelo contrário, o que é que na constituição do corpo impede o homem de participar da perfeição divina. Esta última questão leva-nos ao limiar da porta que separa o humano do animal mas também o organismo vivente dos artefactos mecânicos que tentam copiá-lo. E o problema interessante seria aqui conseguir avaliar, ao longo da história, quais as deformidades que atribuímos ao corpo – do homem-lobo ao robot – para conseguir essa utopia da perfeição divina.
Uma segunda aproximação ao problema do corpo poder-se-ía fazer no sentido das relações psicossomáticas: como é que o “dentro” e o “fora” se relacionam ou, colocando a questão numa perspectiva ocidental, o problema da alma. Essa alma, considerada pela cultura ocidental, invisível e imaterial (embora, curiosamente, se lhe atribua qualidades materiais), manifesta-se através do rosto ou dos gestos. E aqui surgiria uma questão interessante que se prende com a história dos mecanismos naturais ou aprendidos para a revelação dessa alma. Ainda mais interessante seria perguntar que gestos ou que disciplina imposta ou adquirida produziria a alma de um guerreiro, de um santo ou do homem contemporâneo. Também interessante seria reflectir em qual o tipo de mecanismos do corpo, naturais ou adquiridos, que pode produzir não apenas a depravação mas aquilo que a cria – ou seja, de que maneira um sentimento como o ódio deixa de ser apenas a consequência do medo universal ao outro para passar a ser uma construção cultural específica (os campos de concentração nazi).
Há também uma articulação fundamental entre o “dentro” e o “fora” na modulação das emoções e, particularmente, na área do erótico. Seria interessante verificar a relação existente entre a singularidade das emoções e o contexto das cerimónias em que se produzem. Não que o erotismo seja artificial mas a realidade é que se produz dentro de determinados ambientes dando origem a uma estilização de movimentos e atitudes, cada uma delas com as suas próprias intensidades e desvios. Esses movimentos da alma poderiam constituír a história dos costumes eróticos ou, em termos mais gerais, a estrutura das emoções sexuais.
Mas, para além do desejo e das exigências da alma, o corpo é também o lugar de um conjunto complexo de sensações e aflições que vêm de um interior obscuro e misterioso mas capaz de influenciar e contaminar o pensamento, na relação do corpo com o mundo exterior. Digamos que poderíamos estar aqui a falar de uma anatomia do psiquismo. Prazer, sofrimento e a noção de finitude, da morte, são inevitáveis passagens na intersecção entre a vida e o pensamento. Nomeadamente, a morte é, sem dúvida, um centro nevrálgico da ritualização da vida, específicamente no vínculo entre o psíquico e o somático.
Uma terceira aproximação seria a de analisar a relação entre o órgão e a função, na medida em que o uso de determinados órgãos ou substâncias corporais são utilizados na história como metáforas para o funcionamento de outras estruturas, sejam elas de carácter social, político ou de outra natureza, bem como até na organização de conceitos do universo. A utilização dos órgãos ou de modelos orgânicos para naturalizar uma instituição política, uma hierarquia social ou um princípio moral, ou até uma ideologia, foi históricamente sempre usada e poder-se-ía dizer que corresponde, de alguma maneira, a um “resto” de pensamento pré-filosófico sempre presente.
A necessidade de, no Ocidente, o poder real justificar a sua legitimidade afirmando que um estado precisa de uma “cabeça” ou de um “coração”. No mundo islâmico, a atribuição ao casamento de um papel de maturação e desenvolvimento ético da mulher num processo em que o orgasmo passa do clítoris para a vagina (de fora para dentro). Ou, ainda, a explicação da tradição do domínio do homem sobre a mulher através do conceito ancestral de se atribuír ao esperma um carácter formativo e ao leite e ao sangue da mulher qualidades meramente alimentícias.
Poder-se-ía ainda, neste contexto, falar da função pensando no destino de determinados corpos a que se conferiu uma específica função como a da perpetuação da vida ou de uma determinada ordem social. Corpos como os dos escravos do Império egípcio ou romano ou os corpos das prostitutas da época vitoriana. Corpos sacrificados com a finalidade de preservar uma energia social ou até uma energia cósmica como o dos sacrificados nos rituais astecas ou, ainda, para promover um determinado crescimento económico.
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Notas para uma abordagem do corpo.
Aqui.
Notas para uma abordagem do corpo.
Aqui.
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Animaux des miroirs
Lucian Freud, Girl with a White Dog, 1950-1.
Dans quelque volume des Lettres édifiantes et curieuses qui parurent à Paris pendant la première moitié du XVIII siècle, le P. Zallinger, de la Compagnie de Jésus, commença un examen des illusions et erreurs des gens de Canton; dans un recensement préliminaire il nota que le Poisson était un être fugace et resplendissant que personne n'avait touché, mais que beaucoup prétendaient avoir vu au fond des miroirs. Le P. Zallinger mourut en 1736 et le travail commencé sous sa plume resta inachevé; cent cinquante ans plus tard, Herbert Allen Giles reprit la tâche interrompue.
D'après Giles, la croyance au Poisson fait partie d'un mythe plus ample, qui se réfère à l'époque légendaire de l'Empereur Jaune.
En ce temps-là, le monde des miroirs et le monde des hommes n'étaient pas, comme maintenant, isolés l'un de l'autre. Ils étaient, en outre, très différents; ni les êtres ni les couleurs ni les formes ne coïncidaient. Les deux royaumes, celui des miroirs et l'humain, vivaient en paix; on entrait et on sortait des miroirs. Une nuit, les gens du miroir envahirent la terre. Leur force était grande, mais après de sanglantes batailles, les arts magiques de l'Empereur Jaune prévalurent. Celui-ci repoussa les envahisseurs, les emprisonna dans les miroirs et leur imposa la tâche de répéter, comme en une espèce de rêve, tous les actes des hommes. Il les priva de leur force et de leur figure et les réduisit à de simples reflets servils. Un jour, pourtant, ils secoueront cette léthargie magique.
Le premier qui se réveillera sera le Poisson. Au fond du miroir nous percevrons une ligne très ténue et la couleur de cette ligne sera une couleur qui ne ressemblera à aucune autre. Après, les autres formes commenceront à se réveiller. Elles différeront peu à peu de nous, nous imiteront de moins en moins. Elles briseront les barrières de verre ou de métal et cette fois elles ne seront pas vaincues. Avec les créatures des miroirs combattront les créatures de l'eau.
Dans le Yunnan on ne parle pas du Poisson mais du Tigre du Miroir. D'autres pensent qu'avant l'invasion nous entendrons au fond des miroirs une rumeur d'armes.
J.L. Borges e Margarita Guerrero in Le Livre des Êtres Imaginaires, 1978.
Lucian Freud, Girl with a White Dog, 1950-1.
Dans quelque volume des Lettres édifiantes et curieuses qui parurent à Paris pendant la première moitié du XVIII siècle, le P. Zallinger, de la Compagnie de Jésus, commença un examen des illusions et erreurs des gens de Canton; dans un recensement préliminaire il nota que le Poisson était un être fugace et resplendissant que personne n'avait touché, mais que beaucoup prétendaient avoir vu au fond des miroirs. Le P. Zallinger mourut en 1736 et le travail commencé sous sa plume resta inachevé; cent cinquante ans plus tard, Herbert Allen Giles reprit la tâche interrompue.
D'après Giles, la croyance au Poisson fait partie d'un mythe plus ample, qui se réfère à l'époque légendaire de l'Empereur Jaune.
En ce temps-là, le monde des miroirs et le monde des hommes n'étaient pas, comme maintenant, isolés l'un de l'autre. Ils étaient, en outre, très différents; ni les êtres ni les couleurs ni les formes ne coïncidaient. Les deux royaumes, celui des miroirs et l'humain, vivaient en paix; on entrait et on sortait des miroirs. Une nuit, les gens du miroir envahirent la terre. Leur force était grande, mais après de sanglantes batailles, les arts magiques de l'Empereur Jaune prévalurent. Celui-ci repoussa les envahisseurs, les emprisonna dans les miroirs et leur imposa la tâche de répéter, comme en une espèce de rêve, tous les actes des hommes. Il les priva de leur force et de leur figure et les réduisit à de simples reflets servils. Un jour, pourtant, ils secoueront cette léthargie magique.
Le premier qui se réveillera sera le Poisson. Au fond du miroir nous percevrons une ligne très ténue et la couleur de cette ligne sera une couleur qui ne ressemblera à aucune autre. Après, les autres formes commenceront à se réveiller. Elles différeront peu à peu de nous, nous imiteront de moins en moins. Elles briseront les barrières de verre ou de métal et cette fois elles ne seront pas vaincues. Avec les créatures des miroirs combattront les créatures de l'eau.
Dans le Yunnan on ne parle pas du Poisson mais du Tigre du Miroir. D'autres pensent qu'avant l'invasion nous entendrons au fond des miroirs une rumeur d'armes.
J.L. Borges e Margarita Guerrero in Le Livre des Êtres Imaginaires, 1978.
domingo, 27 de fevereiro de 2005
Correio da Cassini
Uns atrás dos outros...
A lua Telesto, aqui visível na parte inferior da fotografia, partilha a mesma órbita com Tethys, indo à sua frente. Da mesma maneira, Calypso persegue as duas anteriores, também na mesma órbita. Estas posições chamam-se pontos de Lagrange e são dinâmicamente estáveis.
Noutra órbita, verifica-se o mesmo com outras três luas de Saturno: Helena "abre caminho", seguida por Dione e Polydeuces.
A lua Telesto, aqui visível na parte inferior da fotografia, partilha a mesma órbita com Tethys, indo à sua frente. Da mesma maneira, Calypso persegue as duas anteriores, também na mesma órbita. Estas posições chamam-se pontos de Lagrange e são dinâmicamente estáveis.
Noutra órbita, verifica-se o mesmo com outras três luas de Saturno: Helena "abre caminho", seguida por Dione e Polydeuces.
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TERCEIRO DIA
3.1
Passa um galho de pau movido a borboletas:
Com elas celebro meu órgão de ver.
Inclino a fala para uma oração.
Tem um cheiro de malva esta manhã.
Hão de nascer tomilhos em meus sinos.
(Existe um tom de mim no anteceder?)
Não tenho mecanismos para santo.
palavra que eu uso me inclui nela.
este horizonte usa um tom de paz.
Aqui a aranha não denigre o orvalho.
3.6
Nuvens me cruzam de arribação.
Tenho uma dor de concha extraviada.
Uma dor de pedaços que não voltam.
Eu sou muitas pessoas destroçadas.
.....................................................
.....................................................
Diviso ao longe um ombro de barranco.
E encolhidos na areia uns jaburus.
Chego mais perto e estremeço de espírito.
Enxergo a Aldeia dos Guanás.
Imbico numa lata enferrujada.
Um sabiá me aleluia.
Manoel de Barros in Da Segunda Parte - Os Deslimites da Palavra, 1993.
TERCEIRO DIA
3.1
Passa um galho de pau movido a borboletas:
Com elas celebro meu órgão de ver.
Inclino a fala para uma oração.
Tem um cheiro de malva esta manhã.
Hão de nascer tomilhos em meus sinos.
(Existe um tom de mim no anteceder?)
Não tenho mecanismos para santo.
palavra que eu uso me inclui nela.
este horizonte usa um tom de paz.
Aqui a aranha não denigre o orvalho.
3.6
Nuvens me cruzam de arribação.
Tenho uma dor de concha extraviada.
Uma dor de pedaços que não voltam.
Eu sou muitas pessoas destroçadas.
.....................................................
.....................................................
Diviso ao longe um ombro de barranco.
E encolhidos na areia uns jaburus.
Chego mais perto e estremeço de espírito.
Enxergo a Aldeia dos Guanás.
Imbico numa lata enferrujada.
Um sabiá me aleluia.
Manoel de Barros in Da Segunda Parte - Os Deslimites da Palavra, 1993.
sábado, 26 de fevereiro de 2005
Um livro
Publicado pela Sebastiani segundo a edição crítica antiga de Giovanni Dee (1622), esta é uma pequena preciosidade escrita pelo Frade Roger Bacon ao Frade Gugliemo, com o texto original em latim, vertido para italiano. Apenas uma rápida passagem pelo índice:
Capitolo I - Contro le vane apparenze e contro le invocazioni agli spiriti
Capitolo II - Degli incantesimi, delle formule magiche e del loro uso
Capitolo III - Virtù della parola e confutazione della magia
Capitolo IV - Di meravigliosi strumenti artificiali
Capitolo V - Di strumenti ottici artificiali
Capitolo VI - Esperimenti mirabili
Capitolo VII - Del ritardare gli accidenti della vecchiaia e del prolungare la vita umana
Capitolo VIII - Dell'occultare i segreti della natura e dell'arte
Capitolo IX - Del modo di far l'uovo dei Filosofi
Capitolo X - Un altro modo
Capitolo XI - Ancora un altro modo
Publicado pela Sebastiani segundo a edição crítica antiga de Giovanni Dee (1622), esta é uma pequena preciosidade escrita pelo Frade Roger Bacon ao Frade Gugliemo, com o texto original em latim, vertido para italiano. Apenas uma rápida passagem pelo índice:
Capitolo I - Contro le vane apparenze e contro le invocazioni agli spiriti
Capitolo II - Degli incantesimi, delle formule magiche e del loro uso
Capitolo III - Virtù della parola e confutazione della magia
Capitolo IV - Di meravigliosi strumenti artificiali
Capitolo V - Di strumenti ottici artificiali
Capitolo VI - Esperimenti mirabili
Capitolo VII - Del ritardare gli accidenti della vecchiaia e del prolungare la vita umana
Capitolo VIII - Dell'occultare i segreti della natura e dell'arte
Capitolo IX - Del modo di far l'uovo dei Filosofi
Capitolo X - Un altro modo
Capitolo XI - Ancora un altro modo
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005
Correio da... Mars Express (últimas imagens)
Imagens fantásticas reveladas esta semana pela Agência Espacial Europeia, responsável pela sonda Mars Express. A fotografias da região do polo norte de Marte, revelam água, gelo, glaciares e a existência do que terá sido actividade vulcânica. O que é que se passa ali?
Imagens fantásticas reveladas esta semana pela Agência Espacial Europeia, responsável pela sonda Mars Express. A fotografias da região do polo norte de Marte, revelam água, gelo, glaciares e a existência do que terá sido actividade vulcânica. O que é que se passa ali?
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Como ser um bom esquerdista
Como ser um bom esquerdista
“Acredite firmemente que você é um grande revolucionário e o epicentro da luta mais decisiva e importante da História da Humanidade. À medida que os anos forem passando e a vida, devagar, mas segura e tragicamente, começar a ensinar-lhe que você é um pequenino microcosmo no universo, comece o processo de depressão. Quando as suas convicções já não puderem resistir às realidades deste mundo que lhe saltam à vista, introverta-se e sinta monstruosidades interiores. A solução-chave, aqui, é não permitir que isso leve a uma auto-reflexão honesta. Se isso acontecer, então, a depressão nervosa será uma bênção disfarçada, porque nessa altura poderá iniciar a fuga à negação de si próprio e, gradualmente, começar a viver a sua vida. Isso está fora de questão. Continue centrado nas estruturas sociais impostas e interprete a sua angústia mental em termos políticos. Faça do capitalismo o seu bode expiatório. Desse modo, aumentará o seu desespero de afastamento. Isso é bom. Seja um bom esquerdista.
Sobretudo, imagine que só você – e talvez mais um ou outro bom esquerdista – possui um grande segredo, algum profundo saber pessoal. Concentre-se, então, na «justiça», mas faça-o como se aqueles que não concordam consigo não a quisessem. Não fique tão preocupado em investigar a verdade como em proclamá-la. Fale aos outros como se fossem uns falhados. Coloque-se num plano moral superior.”(…)
Jamie Glazov
Pode ser comprado aqui.
Sobretudo, imagine que só você – e talvez mais um ou outro bom esquerdista – possui um grande segredo, algum profundo saber pessoal. Concentre-se, então, na «justiça», mas faça-o como se aqueles que não concordam consigo não a quisessem. Não fique tão preocupado em investigar a verdade como em proclamá-la. Fale aos outros como se fossem uns falhados. Coloque-se num plano moral superior.”(…)
Jamie Glazov
Pode ser comprado aqui.
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Causa nossa
Congratula-se Vital Moreira no seu post de hoje no Causa Nossa em relação à prevalência do bom senso na não proibição, por parte da União Europeia, daquilo a que VM chama simbologia nazi. Congratulamo-nos ambos mas por razões diferentes como já escrevi nas Notas sobre simbólica de 27 de Janeiro.
Congratula-se Vital Moreira no seu post de hoje no Causa Nossa em relação à prevalência do bom senso na não proibição, por parte da União Europeia, daquilo a que VM chama simbologia nazi. Congratulamo-nos ambos mas por razões diferentes como já escrevi nas Notas sobre simbólica de 27 de Janeiro.
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Mudanças no Antes de Tempo
Subscrito e instalado o software da Geoloc que identifica em tempo real a origem dos leitores do Antes de Tempo, bem como a localização dos leitores habituais e se estão on-line ou off-line.
Subscrito e instalado o software da Geoloc que identifica em tempo real a origem dos leitores do Antes de Tempo, bem como a localização dos leitores habituais e se estão on-line ou off-line.
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Jannis Kounellis, Untitled, 1979.
Tarde como a do Juízo Final.
A rua é uma ferida aberta no céu.
Já não sei se foi Anjo ou um ocaso a claridade que ardeu longe.
Insistente, como um pesadelo, abate-se a distância sobre mim.
Um ferro avermelhado faz doer o horizonte.
O mundo está inútil, diminuído.
No céu é dia, mas a noite é traiçoeira nos valados.
Toda a luz está nos muros azuis e num alvoroço de raparigas.
Já não sei se é uma árvore ou um deus, esse que assoma à grade enferrujada.
Tantos países de uma vez: campo, o céu, as cercanias.
Hoje fui rico por causa das ruas e do ocaso esguio e da tarde transformada em espanto.
Longe, irei devolver-me à minha pobreza.
J.L. Borges in Lua defronte, 1925.
Jannis Kounellis, Untitled, 1979.
Tarde como a do Juízo Final.
A rua é uma ferida aberta no céu.
Já não sei se foi Anjo ou um ocaso a claridade que ardeu longe.
Insistente, como um pesadelo, abate-se a distância sobre mim.
Um ferro avermelhado faz doer o horizonte.
O mundo está inútil, diminuído.
No céu é dia, mas a noite é traiçoeira nos valados.
Toda a luz está nos muros azuis e num alvoroço de raparigas.
Já não sei se é uma árvore ou um deus, esse que assoma à grade enferrujada.
Tantos países de uma vez: campo, o céu, as cercanias.
Hoje fui rico por causa das ruas e do ocaso esguio e da tarde transformada em espanto.
Longe, irei devolver-me à minha pobreza.
J.L. Borges in Lua defronte, 1925.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005
Um livro
Com textos de Buchloh, T.J. Clark, Hollis Clayson, Thomas Crow, Nicole Dubreuil-Blondin, Clement Greenberg, Henri Lefebvre, Marcelin Pleynet, Allan Sekula, Paul Hayes Tucker e John Wilson Foster, esta publicação constitui, provávelmente, um dos maiores contributos para a história e o debate do modernismo e da modernidade. Estes textos põem em causa a ortodoxia da teoria modernista de Greenberg e a visão redutora do pós-modernismo que daí emergiu.
Com textos de Buchloh, T.J. Clark, Hollis Clayson, Thomas Crow, Nicole Dubreuil-Blondin, Clement Greenberg, Henri Lefebvre, Marcelin Pleynet, Allan Sekula, Paul Hayes Tucker e John Wilson Foster, esta publicação constitui, provávelmente, um dos maiores contributos para a história e o debate do modernismo e da modernidade. Estes textos põem em causa a ortodoxia da teoria modernista de Greenberg e a visão redutora do pós-modernismo que daí emergiu.
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A ler
tvcallas no Thelma & Louise.
A ler
tvcallas no Thelma & Louise.
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Correio da Cassini
Intimidade...
Mimas toca em Saturno?
Correio da Cassini
Intimidade...
Mimas toca em Saturno?
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Quinze moedas
UM POETA ORIENTAL
Durante cem Outonos pude olhar
o teu ténue disco.
Durante cem Outonos pude olhar
O teu arco sobre as ilhas.
Durante cem Outonos os meus lábios
Não foram menos silenciosos.
O DESERTO
O espaço sem tempo.
A lua é da cor da areia.
Agora, precisamente agora,
Morrem os homens de Metauro e de Trafalgar.
CHOVE
Em que outrora, em que pátios de Cartago,
Cai também esta chuva?
ASTÉRION
O ano cobrou-me o seu tributo de homens
E na cisterna há tanta água.
Em mim se juntam os caminhos de pedra.
De que posso queixar-me?
Nos fins de tarde
Pesa-me um pouco a cabeça de touro.
UM POETA MENOR
A meta é o esquecimento.
Eu cheguei antes.
GÉNESIS IV:8
Foi no primeiro deserto.
Dois braços lançaram uma grande pedra.
Não houve um grito. Houve sangue.
Houve pela primeira vez a morte.
Já não me lembro se fui Abel ou Caim.
NORTÚMBRIA, 900 A. D.
Que antes da alba o despojem os lobos;
A espada é o caminho mais curto.
MIGUEL CERVANTES
Cruéis estrelas e propícias estrelas
Presidiram à noite do meu génesis;
Devo às últimas o cárcere
Em que sonhei o Quixote.
O OESTE
O beco final com o seu poente.
Inauguração da campa.
Inauguração da morte.
FAZENDA EL RETIRO
O tempo joga um xadrez sem peças
No pátio. O estalar de um ramo
Rasga a noite. Lá fora, a planície
Vai espalhando léguas de sono e de pó,
Ambos sombras, copiamos o que ditam
Outras sombras: Heraclito e Gautama.
O PRISIONEIRO
Uma lima.
A primeira das pesadas portas de ferro.
Um dia serei livre.
MACBETH
Os nossos actos seguem o seu caminho
Que não conhece fim.
Matei o meu rei para que Shakespeare
Urdisse a sua tragédia.
ETERNIDADES
A serpente que cinge o mar e é o mar,
O repetido remo de Jasão, a jovem espada de Sigurd.
Só perduram no tempo as coisas
Que não foram do tempo.
E.A.P.
Os sonhos que sonhei. O poço e o pêndulo.
O homem das multidões. Ligeia...
Mas também este.
O ESPIÃO
Na pública luz das batalhas
Outros darão a sua vida à pátria
E recorda-os o mármore.
Eu vagueei, obscuro, por cidades que odeio.
Dei-lhe outras coisas
Abjurei da minha honra,
Traí quem me julgou amigo,
Comprei consciências,
Abominei o nome da pátria,
Resignei-me à infâmia.
J. L. Borges in A Rosa Profunda, 1975.
Quinze moedas
UM POETA ORIENTAL
Durante cem Outonos pude olhar
o teu ténue disco.
Durante cem Outonos pude olhar
O teu arco sobre as ilhas.
Durante cem Outonos os meus lábios
Não foram menos silenciosos.
O DESERTO
O espaço sem tempo.
A lua é da cor da areia.
Agora, precisamente agora,
Morrem os homens de Metauro e de Trafalgar.
CHOVE
Em que outrora, em que pátios de Cartago,
Cai também esta chuva?
ASTÉRION
O ano cobrou-me o seu tributo de homens
E na cisterna há tanta água.
Em mim se juntam os caminhos de pedra.
De que posso queixar-me?
Nos fins de tarde
Pesa-me um pouco a cabeça de touro.
UM POETA MENOR
A meta é o esquecimento.
Eu cheguei antes.
GÉNESIS IV:8
Foi no primeiro deserto.
Dois braços lançaram uma grande pedra.
Não houve um grito. Houve sangue.
Houve pela primeira vez a morte.
Já não me lembro se fui Abel ou Caim.
NORTÚMBRIA, 900 A. D.
Que antes da alba o despojem os lobos;
A espada é o caminho mais curto.
MIGUEL CERVANTES
Cruéis estrelas e propícias estrelas
Presidiram à noite do meu génesis;
Devo às últimas o cárcere
Em que sonhei o Quixote.
O OESTE
O beco final com o seu poente.
Inauguração da campa.
Inauguração da morte.
FAZENDA EL RETIRO
O tempo joga um xadrez sem peças
No pátio. O estalar de um ramo
Rasga a noite. Lá fora, a planície
Vai espalhando léguas de sono e de pó,
Ambos sombras, copiamos o que ditam
Outras sombras: Heraclito e Gautama.
O PRISIONEIRO
Uma lima.
A primeira das pesadas portas de ferro.
Um dia serei livre.
MACBETH
Os nossos actos seguem o seu caminho
Que não conhece fim.
Matei o meu rei para que Shakespeare
Urdisse a sua tragédia.
ETERNIDADES
A serpente que cinge o mar e é o mar,
O repetido remo de Jasão, a jovem espada de Sigurd.
Só perduram no tempo as coisas
Que não foram do tempo.
E.A.P.
Os sonhos que sonhei. O poço e o pêndulo.
O homem das multidões. Ligeia...
Mas também este.
O ESPIÃO
Na pública luz das batalhas
Outros darão a sua vida à pátria
E recorda-os o mármore.
Eu vagueei, obscuro, por cidades que odeio.
Dei-lhe outras coisas
Abjurei da minha honra,
Traí quem me julgou amigo,
Comprei consciências,
Abominei o nome da pátria,
Resignei-me à infâmia.
J. L. Borges in A Rosa Profunda, 1975.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005
A medição do tempo em que
Arnulf Rainer, Two Flames (Body Language), 1973.
XV, 18. E, no entanto, dizemos "tempo longo" e "tempo breve", mas não o dizemos senão em relação ao passado e ao futuro. Chamamos "longo" ao tempo passado, quando, por exemplo, ele é cem anos anterior ao presente. De igual modo, chamamos "longo" ao tempo futuro, quando ele é cem anos posterior ao presente. Por outro lado, chamamos "breve" ao tempo passado, se, por exemplo, dizemos "há dez dias", e "breve" ao tempo futuro, se dizemos "daqui a dez dias". Mas como é que é longo ou breve aquilo que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. Não digamos, pois: é longo, mas, em relação ao passado, digamos: foi longo, e em relação ao futuro: será longo. Meu Senhor, minha luz, acaso também aqui a tua verdade não escarnecerá do homem? Quanto ao facto de o tempo passado ter sido longo, foi longo quando já era passado ou quando ainda era presente? Com efeito, ele só podia ser longo, quando havia alguma coisa que pudesse ser longa: na verdade, o passado já não existia; e por isso não podia ser longo o que não existe absolutamente. Não digamos, pois: o tempo passado foi longo - pois não encontraremos porque foi longo, uma vez que não existe a partir do momento em que se tornou passado - mas digamos: foi longo aquele tempo presente, porque era longo enquanto era presente. Ainda não tinha passado de maneira a não existir e, por isso, havia alguma coisa que podia ser longa; mas, depois de ter passado, nesse momento deixou também de ser aquilo que deixou de existir.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI.
Arnulf Rainer, Two Flames (Body Language), 1973.
XV, 18. E, no entanto, dizemos "tempo longo" e "tempo breve", mas não o dizemos senão em relação ao passado e ao futuro. Chamamos "longo" ao tempo passado, quando, por exemplo, ele é cem anos anterior ao presente. De igual modo, chamamos "longo" ao tempo futuro, quando ele é cem anos posterior ao presente. Por outro lado, chamamos "breve" ao tempo passado, se, por exemplo, dizemos "há dez dias", e "breve" ao tempo futuro, se dizemos "daqui a dez dias". Mas como é que é longo ou breve aquilo que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. Não digamos, pois: é longo, mas, em relação ao passado, digamos: foi longo, e em relação ao futuro: será longo. Meu Senhor, minha luz, acaso também aqui a tua verdade não escarnecerá do homem? Quanto ao facto de o tempo passado ter sido longo, foi longo quando já era passado ou quando ainda era presente? Com efeito, ele só podia ser longo, quando havia alguma coisa que pudesse ser longa: na verdade, o passado já não existia; e por isso não podia ser longo o que não existe absolutamente. Não digamos, pois: o tempo passado foi longo - pois não encontraremos porque foi longo, uma vez que não existe a partir do momento em que se tornou passado - mas digamos: foi longo aquele tempo presente, porque era longo enquanto era presente. Ainda não tinha passado de maneira a não existir e, por isso, havia alguma coisa que podia ser longa; mas, depois de ter passado, nesse momento deixou também de ser aquilo que deixou de existir.
Santo Agostinho in Confissões, Livro XI.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2005
Os custos
Prescreve a LEI DO FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DAS CAMPANHAS ELEITORAIS, de 20 de Junho de 2003, que a cada partido que haja concorrido a acto eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.
Ora, essa subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/135 do salário mínimo mensal nacional por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia.
Mesmo que não eleja deputados, essa subvenção é também concedida aos partidos que, tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50000.
Mais do que o descontentamento pela fraca alternativa que há nestas eleições, este outro argumento - o de que um voto nosso num qualquer partido retira automaticamente dos nossos bolsos €2.70 - é, definitivamente um argumento de peso. Sinceramente, saber que milhões e milhões de votos vezes dois euros e setenta dá uma pipa de massa, massa essa que irá servir para pagar congressos, e cartas ao eleitor, idiotas e inúteis, ao invés de contribuir para o avanço do país - ou, vá lá, para colmatar parte do défice gigantesco que nos assola - faz-me pensar seriamente em votar em branco. Ao menos, não sustentaria vícios, sinecuras e demais alcavalas e mordomias, quer dos políticos, quer das agências de marketing e comunicação.
Prescreve a LEI DO FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DAS CAMPANHAS ELEITORAIS, de 20 de Junho de 2003, que a cada partido que haja concorrido a acto eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.
Ora, essa subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/135 do salário mínimo mensal nacional por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia.
Mesmo que não eleja deputados, essa subvenção é também concedida aos partidos que, tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50000.
Mais do que o descontentamento pela fraca alternativa que há nestas eleições, este outro argumento - o de que um voto nosso num qualquer partido retira automaticamente dos nossos bolsos €2.70 - é, definitivamente um argumento de peso. Sinceramente, saber que milhões e milhões de votos vezes dois euros e setenta dá uma pipa de massa, massa essa que irá servir para pagar congressos, e cartas ao eleitor, idiotas e inúteis, ao invés de contribuir para o avanço do país - ou, vá lá, para colmatar parte do défice gigantesco que nos assola - faz-me pensar seriamente em votar em branco. Ao menos, não sustentaria vícios, sinecuras e demais alcavalas e mordomias, quer dos políticos, quer das agências de marketing e comunicação.
Alexandre Monteiro, a ler No Arame
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005
O apaixonado
Foto de Annie Leibovitz
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dürer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
J.L. Borges in História da Noite, 1977.
Foto de Annie Leibovitz
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dürer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
J.L. Borges in História da Noite, 1977.
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Correio da Cassini
Correio da Cassini
Mimas, Pandora e Janus, na sua corrida. O gigante Saturno. Deste lado, a nossa Cassini e a sua vocação fotográfica.
sábado, 19 de fevereiro de 2005
Não és os outros
Foto de Mario Vidor
Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.
J.L. Borges in A Moeda de Ferro, 1976.
Foto de Mario Vidor
Não há-de te salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.
J.L. Borges in A Moeda de Ferro, 1976.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005
Algumas moedas
Foto de Peter Hoennemann
GÉNESIS 9:13
O arco do Senhor sulcou a esfera
E benze-nos. No grande arco tão puro
Estarão todas as bênçãos do futuro,
Mas também está o meu amor, que espera.
MATEUS 27:9
Caiu a moeda na vazia mão.
Não pude segurá-la, embora leve,
E deixei-a cair. Foi tudo em vão
E o outro disse: "Faltam vinte e nove."
SOLDADO DE ORIBE
Sob uma velha mão, o arco roça
De um modo transversal a firme corda.
Morreu um som. O homem não recorda
Que de outra vez já fez a mesma coisa.
J.L. Borges in A Moeda de Ferro, 1976.
Foto de Peter Hoennemann
GÉNESIS 9:13
O arco do Senhor sulcou a esfera
E benze-nos. No grande arco tão puro
Estarão todas as bênçãos do futuro,
Mas também está o meu amor, que espera.
MATEUS 27:9
Caiu a moeda na vazia mão.
Não pude segurá-la, embora leve,
E deixei-a cair. Foi tudo em vão
E o outro disse: "Faltam vinte e nove."
SOLDADO DE ORIBE
Sob uma velha mão, o arco roça
De um modo transversal a firme corda.
Morreu um som. O homem não recorda
Que de outra vez já fez a mesma coisa.
J.L. Borges in A Moeda de Ferro, 1976.
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Edvard Munch
Edvard Munch
Vai inaugurar amanhã, 19, no Moderna Museet, em Estocolmo, uma exposição intitulada Munch by Himself que compreende um conjunto único de auto-retratos do artista norueguês. Os auto-retratos de Munch funcionaram ao longo da sua vida (1863-1944) como uma espécie de um fio de Ariane. Raramente encontramos, na obra de outro pintor, a utilização do auto-retrato como uma forma de recuperar identidade, explorando o seu papel como artista e ser humano na sociedade e abordando sempre o problema da vida, do amor e da morte.
Esta exposição, para quem não possa ir a Estocolmo, será mostrada no Munch Museum de Oslo, de 11 de Junho a 28 de Agosto e, depois, na Royal Academy de Londres, de 15 de Setembro a 11 de Dezembro. Foi editado um magnífico catálogo que poderá ser pedido para qualquer um destes museus.
Esta exposição, para quem não possa ir a Estocolmo, será mostrada no Munch Museum de Oslo, de 11 de Junho a 28 de Agosto e, depois, na Royal Academy de Londres, de 15 de Setembro a 11 de Dezembro. Foi editado um magnífico catálogo que poderá ser pedido para qualquer um destes museus.
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Desabafo
Perante o indesmentível facto de que os 5 líderes dos principais partidos não querem apresentar ou defender qualquer reforma estrutural do Estado, então se calhar o melhor é mesmo que ninguém tenha maioria parlamentar, sózinho ou coligado.
É preferível passarmos mais um ano de instabilidade, com um governo que nada de fundamental possa fazer(pois o que pretendem fazer é mau), aguardando que o próximo presidente marque rapidamente eleições parlamentares (deveria ser uma das promessas dos candidatos a PR) e então, com toda a gente finalmente farta, só então, poderia ser que surgissem líderes (de preferência mais do que um), que finalmente apresentassem um programa reformista, radical.
As reformas são urgentes, mas entre esperar mais um ano mas ter as reformas ou aturar uma maioria que as não quer fazer durante mais 3 ou 4 anos, prefiro a pimeira hipótese.
Gabriel Silva, a ler no Blasfémias.
Perante o indesmentível facto de que os 5 líderes dos principais partidos não querem apresentar ou defender qualquer reforma estrutural do Estado, então se calhar o melhor é mesmo que ninguém tenha maioria parlamentar, sózinho ou coligado.
É preferível passarmos mais um ano de instabilidade, com um governo que nada de fundamental possa fazer(pois o que pretendem fazer é mau), aguardando que o próximo presidente marque rapidamente eleições parlamentares (deveria ser uma das promessas dos candidatos a PR) e então, com toda a gente finalmente farta, só então, poderia ser que surgissem líderes (de preferência mais do que um), que finalmente apresentassem um programa reformista, radical.
As reformas são urgentes, mas entre esperar mais um ano mas ter as reformas ou aturar uma maioria que as não quer fazer durante mais 3 ou 4 anos, prefiro a pimeira hipótese.
Gabriel Silva, a ler no Blasfémias.
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Correio da Cassini
Correio da Cassini
A sombra do gigante Cronos cava uma interrupção profunda no plano dos anéis. Uma interrupção no espaço, no tempo, na realidade. Ao longe, duas testemunhas, Prometeus e Epimeteus, na sua insignificância, presenciam o momento da criação do nada.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005
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Mortos de 1ª e mortos de 2ª
Quando morre um marginal - de preferência, um africano, melhor ainda se houver uma história de infancia desvalida e toxicodependência acoplada - aos tiros da polícia ou sob sua custódia, levantam-se logo as virgens do templo, ofendidissimas, carpindo lágrimas de sangue pela brutalidade policial, rasgando em público as vestes como forma de protesto contra a repressão do Estado.
Quando morre um agente da autoridade, na Cova da Moura, ou em Freixo de Numão, as mesmas virgens assobiam para o lado, fazendo de conta que ainda têm hímen.
É por estas e por outras que nunca hei-de alinhar com o politicamente correcto, é por estas e outras mais que nunca hei-de, por exemplo, votar bloco de esquerda ou assinar abaixo-assinados a favor dos presos, de quaisquer presos.
Alexandre Monteiro, a ler No Arame.
Quando morre um marginal - de preferência, um africano, melhor ainda se houver uma história de infancia desvalida e toxicodependência acoplada - aos tiros da polícia ou sob sua custódia, levantam-se logo as virgens do templo, ofendidissimas, carpindo lágrimas de sangue pela brutalidade policial, rasgando em público as vestes como forma de protesto contra a repressão do Estado.
Quando morre um agente da autoridade, na Cova da Moura, ou em Freixo de Numão, as mesmas virgens assobiam para o lado, fazendo de conta que ainda têm hímen.
É por estas e por outras que nunca hei-de alinhar com o politicamente correcto, é por estas e outras mais que nunca hei-de, por exemplo, votar bloco de esquerda ou assinar abaixo-assinados a favor dos presos, de quaisquer presos.
Alexandre Monteiro, a ler No Arame.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005
Foto de Loic Peoch
"Tu te dis : je m'en irai
Vers d'autres paysages, d'autres rivages exaltants,
Vers une ville beaucoup plus belle
Que celle-ci ne le fut ou n'a jamais souhaité d'être
Cette ville où chaque pas ne fait que resserrer davantage
Le noeud coulant : coeur enseveli dans la tombe d'un corps,
Coeur inutile, épuisé, combien de temps encore
Faudra-t-il demeurer confiné entre les murs de ces
Effroyables ruelles d'un esprit trop banal ?
De quel côté que je tourne le regard
Je ne vois se dresser que les ruines sombres de ma vie.
J'ai vécu kà tant d'années, dépensé, gaspillé
Tant d'années, en pure perte.
Il n'est pas de nouveau paysage, mon ami, non,
Pas de nouveau visage ; car la ville te suivra
Et dans les mêmes rues tu erreras sans fin ;
Les mêmes banlieues de l'esprit croupissent de l'enfance à la vieillesse,
Et c'est dans la même maison qu'à la fin
Tu perdras tes dents et tes cheveux.
La ville est une cage.
Nul autre lieu que celui-ci, à jamais
Ton port de ce côté-ci de la vie, et il n'existe pas de navire
Pour t'emporter hors de toi-même. Ah! tu ne vois donc pas
Que tu as ruiné ta vie dans ce lieu de misère,
Et qu'elle ne vaut plus rien maintenant,
Où que tu ailles, par toute la terre ?"
Le quaturo d'Alexandrie : Justine - Lawrence Durrel - Le Livre de Poche, 1982
Obrigado à Helena Monteiro.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2005
Correio da Cassini
A pequena Mimas surge-nos aqui iluminada pela luz reflectida por Saturno. O gigante Cronos, alheio às translacções dos pequenos satélites, dispensa-lhes, ainda assim, um pouco da sua luz, na imensa noite das suas trajectórias.
A pequena Mimas surge-nos aqui iluminada pela luz reflectida por Saturno. O gigante Cronos, alheio às translacções dos pequenos satélites, dispensa-lhes, ainda assim, um pouco da sua luz, na imensa noite das suas trajectórias.
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Dieter Roth
Um dos meus artistas de referência, Dieter Roth, tem agora uma mais que esperada retrospectiva organizada pela National Gallery of Iceland e pelo Reykjavik Art Museum. A retrospectiva intitula-se Private Exhibition. Dieter Roth nasceu na Suiça mas viveu grande parte da sua vida na Islândia, influenciando gerações de artistas.
Um dos meus artistas de referência, Dieter Roth, tem agora uma mais que esperada retrospectiva organizada pela National Gallery of Iceland e pelo Reykjavik Art Museum. A retrospectiva intitula-se Private Exhibition. Dieter Roth nasceu na Suiça mas viveu grande parte da sua vida na Islândia, influenciando gerações de artistas.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005
Notas sobre o Renascimento (4)
Raffaello - Retrato de Maddalena Doni
Óleo sobre madeira, 65x45,8 cm. Cerca de 1505.
Raffaello - Retrato de Maddalena Doni
Óleo sobre madeira, 65x45,8 cm. Cerca de 1505.
A figura aqui representada é a de Maddalena Strozzi (Florença, 1489-1540), filha de Giovanni di Marcello e de Lucrezia di Antonio della Luna. Esta senhora casou com Agnolo Doni a 31 de Janeiro de 1504 com apenas quinze anos de idade. Os Stozzi eram uma família tradicional de Florença que residiam no quarteirão de Santa Maria Novella. O pai de Maddalena era um benemérito dos assuntos culturais e desenvolveu brilhante actividade ao serviço da República. Agnolo Doni, com quem a jovem Maddalena casou, era um importante comerciante e Maddalena levou 1400 scudi de dote. Agnolo era um apaixonado das artes e das antiguidades tendo conhecido vários pintores, entre eles Raffaello. Sabemos que os retratos de Agnolo e de sua mulher Maddalena terão sido encomendados a Raffaello práticamente em simultâneo e é provável que, originalmente, formassem um díptico.
domingo, 13 de fevereiro de 2005
A morte da Irmã Lúcia
(retirado dos arquivos do Vaticano)
O « SEGREDO » DE FÁTIMA
PRIMEIRA E SEGUNDA PARTE DO « SEGREDO »
SEGUNDO A REDACÇÃO FEITA PELA IRMÃ LÚCIA
NA « TERCEIRA MEMÓRIA », DE 31 DE AGOSTO DE 1941,
DESTINADA AO BISPO DE LEIRIA-FÁTIMA
(texto original)
(transcrição) (6)
Terei para isso que falar algo do segredo e responder ao primeiro ponto de interrogação.
O que é o segredo?
Parece-me que o posso dizer, pois que do Céu tenho já a licença. Os representantes de Deus na terra, têm-me autorizado a isso várias vezes, e em várias cartas, uma das quais, julgo que conserva V. Ex.cia Rev.ma do Senhor Padre José Bernardo Gonçalves, na em que me manda escrever ao Santo Padre. Um dos pontos que me indica é a revelação do segredo. Algo disse, mas para não alongar mais esse escrito que devia ser breve, limitei-me ao indispensável, deixando a Deus a oportunidade d'um momento mais favorável.
Expus já no segundo escrito a dúvida que de 13 de Junho a 13 de Julho me atormentou e que n'essa aparição tudo se desvaneceu.
Bem o segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.
A primeira foi pois a vista do inferno!
Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças à nossa bôa Mãe do Céu; que antes nos tinha prevenido com a promeça de nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.
Em seguida, levantámos os olhos para Nossa Senhora que nos disse com bondade e tristeza:
- Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer establecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra peor. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz.(7)
TERCEIRA PARTE DO « SEGREDO »
(texto original)
(transcrição) (8)
« J.M.J.
A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima.
Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.
Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.
Tuy-3-1-1944 ».
INTERPRETAÇÃO DO « SEGREDO »
CARTA DE JOÃO PAULO II
À IRMÃ LÚCIA
(texto original)
COLÓQUIO
COM A IRMÃ MARIA LÚCIA DE JESUS
E DO CORAÇÃO IMACULADO
O encontro da Irmã Lúcia com Sua Ex.cia Rev.ma D. Tarcisio Bertone, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, por encargo recebido do Santo Padre, e Sua Ex.cia Rev.ma D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, Bispo de Leiria-Fátima, teve lugar a 27 de Abril passado (uma quinta-feira), no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra.
A Irmã Lúcia estava lúcida e calma, dizendo-se muito feliz com a ida do Santo Padre a Fátima para a Beatificação de Francisco e Jacinta, há muito desejada por ela.
O Bispo de Leiria-Fátima leu a carta autógrafa do Santo Padre, que explicava os motivos da visita. A Irmã Lúcia disse sentir-se muito honrada, e releu pessoalmente a carta comprazendo-se por vê-la nas suas próprias mãos. Declarou-se disposta a responder francamente a todas as perguntas.
Então, o Senhor D. Tarcisio Bertone apresenta-lhe dois envelopes: um exterior que tinha dentro outro com a carta onde estava a terceira parte do « segredo » de Fátima. Tocando esta segunda com os dedos, logo exclamou: « É a minha carta », e, depois de a ler, acrescentou: « É a minha letra ».
Com o auxílio do Bispo de Leiria-Fátima, foi lido e interpretado o texto original, que é em língua portuguesa. A Irmã Lúcia concorda com a interpretação segundo a qual a terceira parte do « segredo » consiste numa visão profética, comparável às da história sagrada. Ela reafirma a sua convicção de que a visão de Fátima se refere sobretudo à luta do comunismo ateu contra a Igreja e os cristãos, e descreve o imane sofrimento das vítimas da fé no século XX.
À pergunta: « A personagem principal da visão é o Papa? », a Irmã Lúcia responde imediatamente que sim e recorda como os três pastorinhos sentiam muita pena pelo sofrimento do Papa e Jacinta repetia: « Coitadinho do Santo Padre. Tenho muita pena dos pecadores! » A Irmã Lúcia continua: « Não sabíamos o nome do Papa; Nossa Senhora não nos disse o nome do Papa. Não sabíamos se era Bento XV, Pio XII, Paulo VI ou João Paulo II, mas que era o Papa que sofria e isso fazia-nos sofrer a nós também ».
Quanto à passagem relativa ao Bispo vestido de branco, isto é, ao Santo Padre - como logo perceberam os pastorinhos durante a « visão » - que é ferido de morte e cai por terra, a irmã Lúcia concorda plenamente com a afirmação do Papa: « Foi uma mão materna que guiou a trajectória da bala e o Santo Padre agonizante deteve-se no limiar da morte » (João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, 13 de Maio de 1994).
Uma vez que a Irmã Lúcia, antes de entregar ao Bispo de Leiria-Fátima de então o envelope selado com a terceira parte do « segredo », tinha escrito no envelope exterior que podia ser aberto somente depois de 1960 pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria, o Senhor D. Bertone pergunta-lhe: « Porquê o limite de 1960? Foi Nossa Senhora que indicou aquela data? ».Resposta da Irmã Lúcia: « Não foi Nossa Senhora; fui eu que meti a data de 1960 porque, segundo intuição minha, antes de 1960 não se perceberia, compreender-se-ia somente depois. Agora pode-se compreender melhor. Eu escrevi o que vi; não compete a mim a interpretação, mas ao Papa ».
Por último, alude-se ao manuscrito, não publicado, que a Irmã Lúcia preparou para dar resposta a tantas cartas de devotos e peregrinos de Nossa Senhora. A obra intitula-se « Os apelos da Mensagem de Fátima », e contém pensamentos e reflexões que exprimem, em chave catequética e parenética, os seus sentimentos e espiritualidade cândida e simples. Perguntou-se-lhe se gostava que fosse publicado, ao que a Irmã Lúcia respondeu: « Se o Santo Padre estiver de acordo, eu fico contente; caso contrário, obedeço àquilo que decidir o Santo Padre ». A Irmã Lúcia deseja sujeitar o texto à aprovação da Autoridade Eclesiástica, esperando que o seu escrito possa contribuir para guiar os homens e mulheres de boa vontade no caminho que conduz a Deus, meta última de todo o anseio humano.
O colóquio termina com uma troca de terços: à Irmã Lúcia foi dado o terço oferecido pelo Santo Padre, e ela, por sua vez, entrega alguns terços confeccionados pessoalmente por ela.
A Bênção, concedida em nome do Santo Padre, concluiu o encontro.
COMUNICAÇÃO DE SUA EMINÊNCIA
O CARD. ÂNGELO SODANO
SECRETÁRIO DE ESTADO DE SUA SANTIDADE
No final da solene Concelebração Eucarística presidida por João Paulo II em Fátima, o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, pronunciou em português as palavras seguintes:
Irmãos e irmãs no Senhor!
No termo desta solene celebração, sinto o dever de apresentar ao nosso amado Santo Padre João Paulo II os votos mais cordiais de todos os presentes pelo seu próximo octogésimo aniversário natalício, agradecidos pelo seu precioso ministério pastoral em benefício de toda a Santa Igreja de Deus.
Na circunstância solene da sua vinda a Fátima, o Sumo Pontífice incumbiu-me de vos comunicar uma notícia. Como é sabido, a finalidade da vinda do Santo Padre a Fátima é a beatificação dos dois Pastorinhos. Contudo Ele quer dar a esta sua peregrinação também o valor de um renovado preito de gratidão a Nossa Senhora pela protecção que Ela Lhe tem concedido durante estes anos de pontificado. É uma protecção que parece ter a ver também com a chamada terceira parte do « segredo » de Fátima.
Tal texto constitui uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas. Em consequência, a chave de leitura do texto só pode ser de carácter simbólico.
A visão de Fátima refere-se sobretudo à luta dos sistemas ateus contra a Igreja e os cristãos e descreve o sofrimento imane das testemunhas da fé do último século do segundo milénio. É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte.
Segundo a interpretação dos pastorinhos, interpretação confirmada ainda recentemente pela Irmã Lúcia, o « Bispo vestido de branco » que reza por todos os fiéis é o Papa. Também Ele, caminhando penosamente para a Cruz por entre os cadáveres dos martirizados (bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares), cai por terra como morto sob os tiros de uma arma de fogo.
Depois do atentado de 13 de Maio de 1981, pareceu claramente a Sua Santidade que foi « uma mão materna a guiar a trajectória da bala », permitindo que o « Papa agonizante » se detivesse « no limiar da morte » [João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XVII-1 (Città del Vaticano 1994), 1061]. Certa ocasião em que o Bispo de Leiria-Fátima de então passara por Roma, o Papa decidiu entregar-lhe a bala que tinha ficado no jeep depois do atentado, para ser guardada no Santuário. Por iniciativa do Bispo, essa bala foi depois encastoada na coroa da imagem de Nossa Senhora de Fátima.
Depois, os acontecimentos de 1989 levaram, quer na União Soviética quer em numerosos Países do Leste, à queda do regime comunista que propugnava o ateísmo. O Sumo Pontífice agradece do fundo do coração à Virgem Santíssima também por isso. Mas, noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e os cristãos, com a carga de sofrimento que eles provocam, infelizmente não cessaram. Embora os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do « segredo » de Fátima pareçam pertencer já ao passado, o apelo à conversão e à penitência, manifestado por Nossa Senhora ao início do século vinte, conserva ainda hoje uma estimulante actualidade. « A Senhora da Mensagem parece ler com uma perspicácia singular os sinais dos tempos, os sinais do nosso tempo. (...) O convite insistente de Maria Santíssima à penitência não é senão a manifestação da sua solicitude materna pelos destinos da família humana, necessitada de conversão e de perdão » [João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial do Doente - 1997, n. 1, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIX 2 (Città del Vaticano 1996), 561].
Para consentir que os fiéis recebam melhor a mensagem da Virgem de Fátima, o Papa confiou à Congregação para a Doutrina da Fé o encargo de tornar pública a terceira parte do « segredo », depois de lhe ter preparado um adequado comentário.
Irmãos e irmãs, damos graças a Nossa Senhora de Fátima pela sua protecção. Confiamos à sua materna intercessão a Igreja do Terceiro Milénio.
Sub tuum præsidium confugimus, Sancta Dei Genetrix! Intercede pro Ecclesia. Intercede pro Papa nostro Ioanne Paulo II. Amen.
Fátima, 13 de Maio de 2000.
(retirado dos arquivos do Vaticano)
O « SEGREDO » DE FÁTIMA
PRIMEIRA E SEGUNDA PARTE DO « SEGREDO »
SEGUNDO A REDACÇÃO FEITA PELA IRMÃ LÚCIA
NA « TERCEIRA MEMÓRIA », DE 31 DE AGOSTO DE 1941,
DESTINADA AO BISPO DE LEIRIA-FÁTIMA
(texto original)
(transcrição) (6)
Terei para isso que falar algo do segredo e responder ao primeiro ponto de interrogação.
O que é o segredo?
Parece-me que o posso dizer, pois que do Céu tenho já a licença. Os representantes de Deus na terra, têm-me autorizado a isso várias vezes, e em várias cartas, uma das quais, julgo que conserva V. Ex.cia Rev.ma do Senhor Padre José Bernardo Gonçalves, na em que me manda escrever ao Santo Padre. Um dos pontos que me indica é a revelação do segredo. Algo disse, mas para não alongar mais esse escrito que devia ser breve, limitei-me ao indispensável, deixando a Deus a oportunidade d'um momento mais favorável.
Expus já no segundo escrito a dúvida que de 13 de Junho a 13 de Julho me atormentou e que n'essa aparição tudo se desvaneceu.
Bem o segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.
A primeira foi pois a vista do inferno!
Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças à nossa bôa Mãe do Céu; que antes nos tinha prevenido com a promeça de nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.
Em seguida, levantámos os olhos para Nossa Senhora que nos disse com bondade e tristeza:
- Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer establecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra peor. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz.(7)
TERCEIRA PARTE DO « SEGREDO »
(texto original)
(transcrição) (8)
« J.M.J.
A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima.
Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.
Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.
Tuy-3-1-1944 ».
INTERPRETAÇÃO DO « SEGREDO »
CARTA DE JOÃO PAULO II
À IRMÃ LÚCIA
(texto original)
COLÓQUIO
COM A IRMÃ MARIA LÚCIA DE JESUS
E DO CORAÇÃO IMACULADO
O encontro da Irmã Lúcia com Sua Ex.cia Rev.ma D. Tarcisio Bertone, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, por encargo recebido do Santo Padre, e Sua Ex.cia Rev.ma D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, Bispo de Leiria-Fátima, teve lugar a 27 de Abril passado (uma quinta-feira), no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra.
A Irmã Lúcia estava lúcida e calma, dizendo-se muito feliz com a ida do Santo Padre a Fátima para a Beatificação de Francisco e Jacinta, há muito desejada por ela.
O Bispo de Leiria-Fátima leu a carta autógrafa do Santo Padre, que explicava os motivos da visita. A Irmã Lúcia disse sentir-se muito honrada, e releu pessoalmente a carta comprazendo-se por vê-la nas suas próprias mãos. Declarou-se disposta a responder francamente a todas as perguntas.
Então, o Senhor D. Tarcisio Bertone apresenta-lhe dois envelopes: um exterior que tinha dentro outro com a carta onde estava a terceira parte do « segredo » de Fátima. Tocando esta segunda com os dedos, logo exclamou: « É a minha carta », e, depois de a ler, acrescentou: « É a minha letra ».
Com o auxílio do Bispo de Leiria-Fátima, foi lido e interpretado o texto original, que é em língua portuguesa. A Irmã Lúcia concorda com a interpretação segundo a qual a terceira parte do « segredo » consiste numa visão profética, comparável às da história sagrada. Ela reafirma a sua convicção de que a visão de Fátima se refere sobretudo à luta do comunismo ateu contra a Igreja e os cristãos, e descreve o imane sofrimento das vítimas da fé no século XX.
À pergunta: « A personagem principal da visão é o Papa? », a Irmã Lúcia responde imediatamente que sim e recorda como os três pastorinhos sentiam muita pena pelo sofrimento do Papa e Jacinta repetia: « Coitadinho do Santo Padre. Tenho muita pena dos pecadores! » A Irmã Lúcia continua: « Não sabíamos o nome do Papa; Nossa Senhora não nos disse o nome do Papa. Não sabíamos se era Bento XV, Pio XII, Paulo VI ou João Paulo II, mas que era o Papa que sofria e isso fazia-nos sofrer a nós também ».
Quanto à passagem relativa ao Bispo vestido de branco, isto é, ao Santo Padre - como logo perceberam os pastorinhos durante a « visão » - que é ferido de morte e cai por terra, a irmã Lúcia concorda plenamente com a afirmação do Papa: « Foi uma mão materna que guiou a trajectória da bala e o Santo Padre agonizante deteve-se no limiar da morte » (João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, 13 de Maio de 1994).
Uma vez que a Irmã Lúcia, antes de entregar ao Bispo de Leiria-Fátima de então o envelope selado com a terceira parte do « segredo », tinha escrito no envelope exterior que podia ser aberto somente depois de 1960 pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria, o Senhor D. Bertone pergunta-lhe: « Porquê o limite de 1960? Foi Nossa Senhora que indicou aquela data? ».Resposta da Irmã Lúcia: « Não foi Nossa Senhora; fui eu que meti a data de 1960 porque, segundo intuição minha, antes de 1960 não se perceberia, compreender-se-ia somente depois. Agora pode-se compreender melhor. Eu escrevi o que vi; não compete a mim a interpretação, mas ao Papa ».
Por último, alude-se ao manuscrito, não publicado, que a Irmã Lúcia preparou para dar resposta a tantas cartas de devotos e peregrinos de Nossa Senhora. A obra intitula-se « Os apelos da Mensagem de Fátima », e contém pensamentos e reflexões que exprimem, em chave catequética e parenética, os seus sentimentos e espiritualidade cândida e simples. Perguntou-se-lhe se gostava que fosse publicado, ao que a Irmã Lúcia respondeu: « Se o Santo Padre estiver de acordo, eu fico contente; caso contrário, obedeço àquilo que decidir o Santo Padre ». A Irmã Lúcia deseja sujeitar o texto à aprovação da Autoridade Eclesiástica, esperando que o seu escrito possa contribuir para guiar os homens e mulheres de boa vontade no caminho que conduz a Deus, meta última de todo o anseio humano.
O colóquio termina com uma troca de terços: à Irmã Lúcia foi dado o terço oferecido pelo Santo Padre, e ela, por sua vez, entrega alguns terços confeccionados pessoalmente por ela.
A Bênção, concedida em nome do Santo Padre, concluiu o encontro.
COMUNICAÇÃO DE SUA EMINÊNCIA
O CARD. ÂNGELO SODANO
SECRETÁRIO DE ESTADO DE SUA SANTIDADE
No final da solene Concelebração Eucarística presidida por João Paulo II em Fátima, o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, pronunciou em português as palavras seguintes:
Irmãos e irmãs no Senhor!
No termo desta solene celebração, sinto o dever de apresentar ao nosso amado Santo Padre João Paulo II os votos mais cordiais de todos os presentes pelo seu próximo octogésimo aniversário natalício, agradecidos pelo seu precioso ministério pastoral em benefício de toda a Santa Igreja de Deus.
Na circunstância solene da sua vinda a Fátima, o Sumo Pontífice incumbiu-me de vos comunicar uma notícia. Como é sabido, a finalidade da vinda do Santo Padre a Fátima é a beatificação dos dois Pastorinhos. Contudo Ele quer dar a esta sua peregrinação também o valor de um renovado preito de gratidão a Nossa Senhora pela protecção que Ela Lhe tem concedido durante estes anos de pontificado. É uma protecção que parece ter a ver também com a chamada terceira parte do « segredo » de Fátima.
Tal texto constitui uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas. Em consequência, a chave de leitura do texto só pode ser de carácter simbólico.
A visão de Fátima refere-se sobretudo à luta dos sistemas ateus contra a Igreja e os cristãos e descreve o sofrimento imane das testemunhas da fé do último século do segundo milénio. É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte.
Segundo a interpretação dos pastorinhos, interpretação confirmada ainda recentemente pela Irmã Lúcia, o « Bispo vestido de branco » que reza por todos os fiéis é o Papa. Também Ele, caminhando penosamente para a Cruz por entre os cadáveres dos martirizados (bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e várias pessoas seculares), cai por terra como morto sob os tiros de uma arma de fogo.
Depois do atentado de 13 de Maio de 1981, pareceu claramente a Sua Santidade que foi « uma mão materna a guiar a trajectória da bala », permitindo que o « Papa agonizante » se detivesse « no limiar da morte » [João Paulo II, Meditação com os Bispos Italianos, a partir da Policlínica Gemelli, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XVII-1 (Città del Vaticano 1994), 1061]. Certa ocasião em que o Bispo de Leiria-Fátima de então passara por Roma, o Papa decidiu entregar-lhe a bala que tinha ficado no jeep depois do atentado, para ser guardada no Santuário. Por iniciativa do Bispo, essa bala foi depois encastoada na coroa da imagem de Nossa Senhora de Fátima.
Depois, os acontecimentos de 1989 levaram, quer na União Soviética quer em numerosos Países do Leste, à queda do regime comunista que propugnava o ateísmo. O Sumo Pontífice agradece do fundo do coração à Virgem Santíssima também por isso. Mas, noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e os cristãos, com a carga de sofrimento que eles provocam, infelizmente não cessaram. Embora os acontecimentos a que faz referência a terceira parte do « segredo » de Fátima pareçam pertencer já ao passado, o apelo à conversão e à penitência, manifestado por Nossa Senhora ao início do século vinte, conserva ainda hoje uma estimulante actualidade. « A Senhora da Mensagem parece ler com uma perspicácia singular os sinais dos tempos, os sinais do nosso tempo. (...) O convite insistente de Maria Santíssima à penitência não é senão a manifestação da sua solicitude materna pelos destinos da família humana, necessitada de conversão e de perdão » [João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial do Doente - 1997, n. 1, em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIX 2 (Città del Vaticano 1996), 561].
Para consentir que os fiéis recebam melhor a mensagem da Virgem de Fátima, o Papa confiou à Congregação para a Doutrina da Fé o encargo de tornar pública a terceira parte do « segredo », depois de lhe ter preparado um adequado comentário.
Irmãos e irmãs, damos graças a Nossa Senhora de Fátima pela sua protecção. Confiamos à sua materna intercessão a Igreja do Terceiro Milénio.
Sub tuum præsidium confugimus, Sancta Dei Genetrix! Intercede pro Ecclesia. Intercede pro Papa nostro Ioanne Paulo II. Amen.
Fátima, 13 de Maio de 2000.
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Notas sobre o Renascimento (3)
Raffaello - Retrato de Agnolo Doni
Óleo sobre madeira, 65x45,7 cm, cerca de 1505.
A tábua representa Agnolo Doni, nascido em Florença em 1474, filho de Francesco di Jacopo e de Nanna di Bartolomeo Popoleschi, importante comerciante fiorentino, residente numa casa, hoje de difícil identificação, junto a Santa Croce, em Florença. Fruto da sua fortuna pessoal, Agnolo Doni relacionou-se com vários artistas da época como Raffaello, Michelangelo e fra Bartolomeo e foi, igualmente, um importante coleccionador de antiguidades. Em 1504, casa com Maddalena di Giovanni Strozzi, que viria também a ser retratada por Raffaello.
Raffaello - Retrato de Agnolo Doni
Óleo sobre madeira, 65x45,7 cm, cerca de 1505.
A tábua representa Agnolo Doni, nascido em Florença em 1474, filho de Francesco di Jacopo e de Nanna di Bartolomeo Popoleschi, importante comerciante fiorentino, residente numa casa, hoje de difícil identificação, junto a Santa Croce, em Florença. Fruto da sua fortuna pessoal, Agnolo Doni relacionou-se com vários artistas da época como Raffaello, Michelangelo e fra Bartolomeo e foi, igualmente, um importante coleccionador de antiguidades. Em 1504, casa com Maddalena di Giovanni Strozzi, que viria também a ser retratada por Raffaello.
sábado, 12 de fevereiro de 2005
Correio da Cassini
A beleza deslumbrante dos anéis de Saturno nesta magnífica fotografia enviada pela Cassini nas suas cores naturais. A Cassini encontra-se aqui ligeiramente abaixo do nível dos anéis.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2005
Notas sobre o Renascimento (2)
Raffaello - Retrato de Guidubaldo da Montefeltro
Raffaello - Retrato de Guidubaldo da Montefeltro
Óleo sobre madeira, 70x51,6 cm. Inscrições no verso: diversos registos de inventário - 1723, 1761, 1771, 1793, 1809, 1815, 1846, 1912, 1977.
Este é o retrato do duque de Urbino Guidubaldo da Montefeltro, descrito como um homem com um barrete negro e envergando um robe negro bordado a ouro. O duque está representado sobre o fundo de uma parede que, à direita se abre como uma janela sobre uma paisagem. Nesta paisagem, podemos reconhecer uma construção rural junto da qual podemos ver umas pequenas figuras. Ao longe, os muros de uma cidade, uma igreja e um campanário.
A identificação da personagem é relativamente recente pois a referência ao nome do duque de Urbino foi esquecida nos antigos inventários fiorentinos. A obra, já no seiscento, era descrita como o "retrato de um jovem" e assim permanecerá até ao oitocento, com excepção para um período que vai de 1761 até ao fim do século XVIII em que a figura é identificada como sendo o próprio Raffaello. Só em 1900 é que a figura é seguramente identificada como tratando-se do duque de Urbino por comparação com uma miniatura do duque posta no início de um manuscrito quinhentista proveniente da biblioteca ducal de Urbino e conservado na Biblioteca apostólica do Vaticano.
Guidubaldo foi o último descendente directo da família Montefeltro pois devido a um problema de impotência, acabou por adoptar Francesco Maria della Rovere e designá-lo seu sucessor para garantir a estabilidade do ducado.
Nascido em Gubbio em 1472, de Federico, duque de Urbino e de Battista Sforza, Guidubaldo herdou o título de duque de Urbino com apenas dez anos de idade. Em 1489 casa com Elisabetta Gonzaga, filha do marquês de Mântua, Federico. Ao duque de Montefeltro é atribuído um papel importante na vida cultural e artística dos primeiros anos do cinquecento.
Raffaello, chamado pela duquesa Elisabetta, para a corte de Urbino, trabalha durante alguns anos para Montefeltro. Embora as muitas crónicas façam referência ao apoio dado pelo duque às artes, não existe nenhum dado concreto sobre este assunto e, históricamente, sabemos que, mais provávelmente, o desenvolvimento artístico e literário na corte de Urbino teve como verdadeira responsável a mulher do duque, Elisabetta.
Na viragem do século XV para o século XVI, Guidubaldo, ao serviço do papa Alessandro VI, encontra-se envolvido numa guerra pelo domínio papal de alguns territórios. O seu ducado acaba por ser ocupado a 21 de Julho de 1502 pelas tropas papais, comandadas pelo ambicioso Cesare Borgia. Guidubaldo e a família fogem de Urbino onde só voltarão a 28 de Agosto do ano seguinte com a ascenção de Giulio II ao trono papal e com a ajuda do cardeal Giuliano della Rovere, seu cunhado, que consegue fazer com que Guidubaldo caia nas boas graças do novo papa. Em 1504, Giulio II nomeia-o capitão da Igreja com o comando de quatrocentos soldados e neste mesmo ano recebe uma condecoração do rei de Inglaterra Henrique VII que queria assim garantir Guidubaldo como seu intermediário junto ao papa.
Até à sua morte, a 11 de Abril de 1508, o duque Guidubaldo terá convivido com Raffaello, protegido de sua mulher Elisabetta na corte de Urbino. No entanto, não sabemos em que data se terá dado o encontro entre eles que esteve na origem da execução deste retrato mas, muito provávelmente, terá sido entre 1504 e 1506.
Este é o retrato do duque de Urbino Guidubaldo da Montefeltro, descrito como um homem com um barrete negro e envergando um robe negro bordado a ouro. O duque está representado sobre o fundo de uma parede que, à direita se abre como uma janela sobre uma paisagem. Nesta paisagem, podemos reconhecer uma construção rural junto da qual podemos ver umas pequenas figuras. Ao longe, os muros de uma cidade, uma igreja e um campanário.
A identificação da personagem é relativamente recente pois a referência ao nome do duque de Urbino foi esquecida nos antigos inventários fiorentinos. A obra, já no seiscento, era descrita como o "retrato de um jovem" e assim permanecerá até ao oitocento, com excepção para um período que vai de 1761 até ao fim do século XVIII em que a figura é identificada como sendo o próprio Raffaello. Só em 1900 é que a figura é seguramente identificada como tratando-se do duque de Urbino por comparação com uma miniatura do duque posta no início de um manuscrito quinhentista proveniente da biblioteca ducal de Urbino e conservado na Biblioteca apostólica do Vaticano.
Guidubaldo foi o último descendente directo da família Montefeltro pois devido a um problema de impotência, acabou por adoptar Francesco Maria della Rovere e designá-lo seu sucessor para garantir a estabilidade do ducado.
Nascido em Gubbio em 1472, de Federico, duque de Urbino e de Battista Sforza, Guidubaldo herdou o título de duque de Urbino com apenas dez anos de idade. Em 1489 casa com Elisabetta Gonzaga, filha do marquês de Mântua, Federico. Ao duque de Montefeltro é atribuído um papel importante na vida cultural e artística dos primeiros anos do cinquecento.
Raffaello, chamado pela duquesa Elisabetta, para a corte de Urbino, trabalha durante alguns anos para Montefeltro. Embora as muitas crónicas façam referência ao apoio dado pelo duque às artes, não existe nenhum dado concreto sobre este assunto e, históricamente, sabemos que, mais provávelmente, o desenvolvimento artístico e literário na corte de Urbino teve como verdadeira responsável a mulher do duque, Elisabetta.
Na viragem do século XV para o século XVI, Guidubaldo, ao serviço do papa Alessandro VI, encontra-se envolvido numa guerra pelo domínio papal de alguns territórios. O seu ducado acaba por ser ocupado a 21 de Julho de 1502 pelas tropas papais, comandadas pelo ambicioso Cesare Borgia. Guidubaldo e a família fogem de Urbino onde só voltarão a 28 de Agosto do ano seguinte com a ascenção de Giulio II ao trono papal e com a ajuda do cardeal Giuliano della Rovere, seu cunhado, que consegue fazer com que Guidubaldo caia nas boas graças do novo papa. Em 1504, Giulio II nomeia-o capitão da Igreja com o comando de quatrocentos soldados e neste mesmo ano recebe uma condecoração do rei de Inglaterra Henrique VII que queria assim garantir Guidubaldo como seu intermediário junto ao papa.
Até à sua morte, a 11 de Abril de 1508, o duque Guidubaldo terá convivido com Raffaello, protegido de sua mulher Elisabetta na corte de Urbino. No entanto, não sabemos em que data se terá dado o encontro entre eles que esteve na origem da execução deste retrato mas, muito provávelmente, terá sido entre 1504 e 1506.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
Notas sobre o Renascimento (1)
Raffaello - Retrato de Elisabetta Gonzaga
Óleo sobre madeira, 52,9x37,4 cm, data provável: 1502/1508. Inscrição no verso, a tinta: "duchessa isabetta mantovana Moglie del duca Guido".
Há hoje acordo em identificar esta mulher como Elisabetta Gonzaga, mulher do duque de Urbino Guidubaldo da Montefeltro.
A duquesa é figurada frontalmente com a face ligeiramente virada para a esquerda. Sabemos da identidade da figura por comparação com outra figuração, esta outra de perfil, conservada no Museu Britânico e atribuída a Adriano Fiorentino. A duquesa de Urbino traz na testa uma jóia, um escorpião, que ostenta uma pedra preciosa. Muitas leituras têm sido feitas a propósito do significado desta jóia. Em 1931, Luigi Nardini avança com a ideia de que este escorpião poderia conter um significado simbólico relacionado com a ocupação de Urbino pelos Borgias, em 1502. Em 1977, Patrizia Castelli faz notar que esta figuração do escorpião se encontra também no Miracolo dell'ostia profanata de Paolo Uccello e que lhe são atribuídos poderes de "guardar e preservar do mal". Mais recentemente, Patrizia Baldi relaciona a figuração do escorpião com os bordados a ouro do vestido da duquesa, atribuíndo-lhe o significado simbólico de anima. É provável que o significado simbólico destas figurações se relacione com o interesse que a duquesa revelou pela astrologia e pelas ciências ocultas, muito em voga na corte da época. É tambem provável, como afirma Patrizia Baldi que os bordados a ouro do vestido correspondam a um alfabeto simbólico e esotérico, acentuando o carácter misterioso da imagem. Próprio também da moda do quatrocento tardio e dos primeiros anos do cinquecento o fio apertado que a duquesa ostenta ao pescoço que terminava, provavelmente, numa imagem sacra ou numa cruz.
A primeira vez que esta pintura é oficialmente assinalada é no inventário das obras do palácio ducal de Urbino, feito em 1631. É neste inventário que surge, pela primeira vez o nome da duquesa. No entanto, esta identificação é esquecida e em meados do século XVIII surge-nos descrito como um retrato de "una femmina con capelli neri". Em 1871, a figura é identificada como Isabella, marquesa de Mântua, provávelmente Isabella d'Este, mulher do marquês de Mântua Francesco II, para em 1878 esta identificação ser, de novo, alterada para Elisabeth, mulher de Guillaume Gonzaga, duque de Mântua. Esta última identificação pecava por falta de rigor histórico porque os Gonzaga foram marqueses até 1530 e só depois Carlos V lhes conferiu o título ducal. Guglielmo Gonzaga é duque de Mântua de 1550 a 1587 mas estas datas nada têm a ver com a data provável da pintura que, pelo seu estilo, data dos primeiros anos do cinquecento. Só no princípio do século XX se identifica novamente esta mulher como sendo Elisabetta Gonzaga, mulher de Guidubaldo da Montefeltro.
Elisabetta Gonzaga nasceu em 1471, filha do marquês de Mântua, Federico, e de Margherita di Bavaria. Casou com Guidubaldo da Montefeltro, duque de Urbino em 1489. Os biógrafos estão de acordo em reconhecer nesta mulher dotes excepcionais de refinada cultura literária e artística e o seu papel fundamental na corte aquando da invasão de Urbino pelas forças de Cesare Borgia, em 1502. Acaba, no entanto, por ter que procurar refúgio na corte paterna, em Mântua. De regresso a Urbino, em Agosto de 1503, Elisabetta torna-se a grande protectora das artes, principalmente durante a ausência prolongada do seu marido, afadigado com múltiplas missões políticas e militares ao serviço do papa Giulio II. Sebastiano Serlio sublinha, nas suas crónicas, o exemplo e o modelo de perfeição da "muito virtuosa duquesa Isabella de Urbino" e o facto dela ter chamado para a corte e dar protecção pessoal a um jovem pintor de nome Raffaello.
A datação desta pintura sempre levantou problemas mas, embora 1502 seja considerada uma data um tanto ou quanto precoce, podemos partir daqui e calcular que a sua execução poderà ter ocorrido até 1508. A paisagem, por detrás da figura, está imersa na penumbra, como que pintada às primeiras luzes da madrugada e a pintura afirma-se com um preciosismo quase flamengo.
As radiografias feitas à pintura, aquando do seu último restauro em 1977, revelaram densas massas de tinta na face da figura, principalmente junto aos olhos, bem como um desenho muito subtil, por debaixo da superfície pictórica.
Raffaello - Retrato de Elisabetta Gonzaga
Óleo sobre madeira, 52,9x37,4 cm, data provável: 1502/1508. Inscrição no verso, a tinta: "duchessa isabetta mantovana Moglie del duca Guido".
Há hoje acordo em identificar esta mulher como Elisabetta Gonzaga, mulher do duque de Urbino Guidubaldo da Montefeltro.
A duquesa é figurada frontalmente com a face ligeiramente virada para a esquerda. Sabemos da identidade da figura por comparação com outra figuração, esta outra de perfil, conservada no Museu Britânico e atribuída a Adriano Fiorentino. A duquesa de Urbino traz na testa uma jóia, um escorpião, que ostenta uma pedra preciosa. Muitas leituras têm sido feitas a propósito do significado desta jóia. Em 1931, Luigi Nardini avança com a ideia de que este escorpião poderia conter um significado simbólico relacionado com a ocupação de Urbino pelos Borgias, em 1502. Em 1977, Patrizia Castelli faz notar que esta figuração do escorpião se encontra também no Miracolo dell'ostia profanata de Paolo Uccello e que lhe são atribuídos poderes de "guardar e preservar do mal". Mais recentemente, Patrizia Baldi relaciona a figuração do escorpião com os bordados a ouro do vestido da duquesa, atribuíndo-lhe o significado simbólico de anima. É provável que o significado simbólico destas figurações se relacione com o interesse que a duquesa revelou pela astrologia e pelas ciências ocultas, muito em voga na corte da época. É tambem provável, como afirma Patrizia Baldi que os bordados a ouro do vestido correspondam a um alfabeto simbólico e esotérico, acentuando o carácter misterioso da imagem. Próprio também da moda do quatrocento tardio e dos primeiros anos do cinquecento o fio apertado que a duquesa ostenta ao pescoço que terminava, provavelmente, numa imagem sacra ou numa cruz.
A primeira vez que esta pintura é oficialmente assinalada é no inventário das obras do palácio ducal de Urbino, feito em 1631. É neste inventário que surge, pela primeira vez o nome da duquesa. No entanto, esta identificação é esquecida e em meados do século XVIII surge-nos descrito como um retrato de "una femmina con capelli neri". Em 1871, a figura é identificada como Isabella, marquesa de Mântua, provávelmente Isabella d'Este, mulher do marquês de Mântua Francesco II, para em 1878 esta identificação ser, de novo, alterada para Elisabeth, mulher de Guillaume Gonzaga, duque de Mântua. Esta última identificação pecava por falta de rigor histórico porque os Gonzaga foram marqueses até 1530 e só depois Carlos V lhes conferiu o título ducal. Guglielmo Gonzaga é duque de Mântua de 1550 a 1587 mas estas datas nada têm a ver com a data provável da pintura que, pelo seu estilo, data dos primeiros anos do cinquecento. Só no princípio do século XX se identifica novamente esta mulher como sendo Elisabetta Gonzaga, mulher de Guidubaldo da Montefeltro.
Elisabetta Gonzaga nasceu em 1471, filha do marquês de Mântua, Federico, e de Margherita di Bavaria. Casou com Guidubaldo da Montefeltro, duque de Urbino em 1489. Os biógrafos estão de acordo em reconhecer nesta mulher dotes excepcionais de refinada cultura literária e artística e o seu papel fundamental na corte aquando da invasão de Urbino pelas forças de Cesare Borgia, em 1502. Acaba, no entanto, por ter que procurar refúgio na corte paterna, em Mântua. De regresso a Urbino, em Agosto de 1503, Elisabetta torna-se a grande protectora das artes, principalmente durante a ausência prolongada do seu marido, afadigado com múltiplas missões políticas e militares ao serviço do papa Giulio II. Sebastiano Serlio sublinha, nas suas crónicas, o exemplo e o modelo de perfeição da "muito virtuosa duquesa Isabella de Urbino" e o facto dela ter chamado para a corte e dar protecção pessoal a um jovem pintor de nome Raffaello.
A datação desta pintura sempre levantou problemas mas, embora 1502 seja considerada uma data um tanto ou quanto precoce, podemos partir daqui e calcular que a sua execução poderà ter ocorrido até 1508. A paisagem, por detrás da figura, está imersa na penumbra, como que pintada às primeiras luzes da madrugada e a pintura afirma-se com um preciosismo quase flamengo.
As radiografias feitas à pintura, aquando do seu último restauro em 1977, revelaram densas massas de tinta na face da figura, principalmente junto aos olhos, bem como um desenho muito subtil, por debaixo da superfície pictórica.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005
Correio da Cassini
A pequena Mimas passeia-se aqui pelos anéis do gigante Saturno, mais propriamente pela sombra dos anéis, nesta fotografia da Cassini em cor natural. Sem comentários...
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Correio da Cassini
Correio da Cassini
O hemisfério norte de Saturno surge-nos aqui nas suas cores naturais, fotografado pela Cassini. Estes magníficos azuis, mais próprios de Urano ou Neptuno, acontecem, segundo a Nasa, pelo facto de, inexplicávelmente, a atmosfera junto ao pólo, não conter praticamente nuvens o que eventualmente pode estar relacionado com temperaturas muito baixas. As faixas de azuis diferentes são provocadas pela sombra dos anéis.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2005
Anselm Kiefer (6)
A. Kiefer, Your Age and My Age and the Age of the World, 1997, 470x900 cm
Tout cela est lié à la société de consommation. Pour qu'elle vive, il lui faut la masse. Et il faut qu'une nouvelle génération arrive toutes les semaines.
S'il y en a un, ce n'est jamais qu'une copie du questionnement. Il n'y a jamais eu de questionnement véritable. Les gens n'ont jamais voulu ce que les artistes faisaient. Si on pouvait interroger tout ce qu'ils ont fait, les artistes seraient sans doute plus anciens que la société.
La protection, l'entretien et la construction, liés au mot "culture", ne signifient donc pas la restauration, mais le contraire. Protéger, c'est aussi voir comment quelque chose grandit, cela signifie regarder grandir.
Aujourd'hui, on ne pense plus qu'à la "création de l'espace d'habitation", mais étymologiquement, en allemand, la construction (Bauen) vient de l'habitation (Wohnen). On habite dans la construction. On ne construit pas seulement pour pouvoir y habiter, mais on habite déjà dans la construction. Habiter, c'est construire, et vice versa.
A. Kiefer in Bâtisson une cathédrale, 1985.
A. Kiefer, Your Age and My Age and the Age of the World, 1997, 470x900 cm
Tout cela est lié à la société de consommation. Pour qu'elle vive, il lui faut la masse. Et il faut qu'une nouvelle génération arrive toutes les semaines.
S'il y en a un, ce n'est jamais qu'une copie du questionnement. Il n'y a jamais eu de questionnement véritable. Les gens n'ont jamais voulu ce que les artistes faisaient. Si on pouvait interroger tout ce qu'ils ont fait, les artistes seraient sans doute plus anciens que la société.
La protection, l'entretien et la construction, liés au mot "culture", ne signifient donc pas la restauration, mais le contraire. Protéger, c'est aussi voir comment quelque chose grandit, cela signifie regarder grandir.
Aujourd'hui, on ne pense plus qu'à la "création de l'espace d'habitation", mais étymologiquement, en allemand, la construction (Bauen) vient de l'habitation (Wohnen). On habite dans la construction. On ne construit pas seulement pour pouvoir y habiter, mais on habite déjà dans la construction. Habiter, c'est construire, et vice versa.
A. Kiefer in Bâtisson une cathédrale, 1985.
A. Kiefer, Lilith, 1997, 330x560 cm.
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Eu
Foto de Mario Vidor
Uma caveira, o coração secreto,
Os caminhos do sangue ainda meu,
Os túneis que há no sono, esse Proteu,
As vísceras, a nuca e o esqueleto.
Sou essas coisas. Mas incrivelmente
Sou também a memória de uma espada
E a de um solitário sol-poente
Que se dissipa em ouro, em sombra, em nada.
Sou o que vê as proas neste porto;
Sou os contados livros, as contadas
Gravuras pelo tempo já cansadas;
Sou o que inveja cada homem morto.
Mais estranho é ser este que entrelaça
Palavras no aposento de uma casa.
J. L. Borges in A Rosa Profunda, 1975.
Eu
Foto de Mario Vidor
Uma caveira, o coração secreto,
Os caminhos do sangue ainda meu,
Os túneis que há no sono, esse Proteu,
As vísceras, a nuca e o esqueleto.
Sou essas coisas. Mas incrivelmente
Sou também a memória de uma espada
E a de um solitário sol-poente
Que se dissipa em ouro, em sombra, em nada.
Sou o que vê as proas neste porto;
Sou os contados livros, as contadas
Gravuras pelo tempo já cansadas;
Sou o que inveja cada homem morto.
Mais estranho é ser este que entrelaça
Palavras no aposento de uma casa.
J. L. Borges in A Rosa Profunda, 1975.
sábado, 5 de fevereiro de 2005
Um ano depois
Quando começarmos a reparar que os gestos, cores e formas que os espelhos repetem incessantemente não correspondem exactamente, então as coisas estarão a mudar definitivamente.
Foi com este post que o Antes de Tempo começou faz hoje um ano. A todos os que, ao longo deste primeiro ano de vida, tiveram a amabilidade de ir seguindo o que por aqui se vai escrevendo, o meu muito obrigado.
Quando começarmos a reparar que os gestos, cores e formas que os espelhos repetem incessantemente não correspondem exactamente, então as coisas estarão a mudar definitivamente.
Foi com este post que o Antes de Tempo começou faz hoje um ano. A todos os que, ao longo deste primeiro ano de vida, tiveram a amabilidade de ir seguindo o que por aqui se vai escrevendo, o meu muito obrigado.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005
Correio da Cassini
Lua de Janeiro. Foi Janus, o que olha o passado e o futuro em simultâneo, o que guarda as chaves do céu, que deu o nome ao mês de Janeiro. Ele lá está, ao longe, Janus, a lua de Janeiro.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005
Christian Boltanski
No Musee d'Art moderne de la Ville de Paris/ARC, Christian Boltanski revisita os arquivos do Instituto Nacional do Audiovisual e selecciona imagens desde 1944.